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Roberto Campos: o desenvolvimentismo diante do nacionalismo

1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A BURGUESIA NACIONAL E O EMPRESARIADO

1.3 O DESENVOLVIMENTO COMO IDEOLOGIA

1.3.4 Roberto Campos: o desenvolvimentismo diante do nacionalismo

Contudo, a perspectiva desenvolvimentista elaborada no setor público não se restringia às premissas nacionalistas. Reunidos em torno da Comissão Mista Brasil-Estados Unidos (1950-1954) e do BNDE, a partir de 1951, economistas como Horácio Lafer, Glycon de Paiva, Lucas Lopes e Roberto Campos defendiam o planejamento econômico baseado na industrialização, mas com restrições à participação do Estado.

Considerados desenvolvimentistas não nacionalistas (BIELSCHOWSKY, 2000), eles priorizavam o investimento estrangeiro privado em detrimento do estatal nos setores que exigiam grande aporte de capitais, como infraestrutura e mineração, nos quais o capital privado nacional não tinha condições financeiras de assumir os empreendimentos. Outro ponto importante que os distinguia dos desenvolvimentistas nacionalistas refere-se ao controle da inflação como prioridade, por meio de medidas de estabilização monetária14.

Nesse cenário, destacou-se sobremaneira a figura de Roberto Campos. Economista de grande influência no pensamento desenvolvimentista, Campos participou ativamente das elaborações realizadas pela Comissão Mista Brasil-Estados Unidos e da criação e execução do Plano de Metas (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 105), tendo sido superintendente e presidente do BNDE na administração de Juscelino Kubistchek. Dentro do campo desenvolvimentista, sua participação sempre foi considerada distante do nacionalismo, uma vez que defendia uma participação ampla do capital estrangeiro na industrialização nacional. Contrapunha-se à maioria de seus pares do setor público que, na visão mais radical, rechaçavam a participação estrangeira, ou na mais moderada, defendiam o controle decisório do Estado nas áreas consideradas fundamentais (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 103).

O pensamento de Roberto Campos15 (1969 apud BIELSCHOWSKY, 2000) enxergava no planejamento econômico estatal um ponto fundamental para economias subdesenvolvidas. Segundo sua visão, o planejamento era capaz de acelerar o ritmo de desenvolvimento, pois

14 Para Celso Furtado (1961), a industrialização por substituição de importações no Brasil tinha como consequência a existência de pressões inflacionárias sobre setores da economia, dada a estrutura produtiva heterogênea e pouco diversificada do país. Por isso, o enfrentamento do desequilíbrio monetário e do processo inflacionário deveria ser feito em longo prazo, pautado no desenvolvimento industrial que acabasse com a oferta rígida de produtos em determinados setores. Além disso, a própria substituição de importações contribuía para o desequilíbrio no balanço de pagamentos. Uma política econômica com prioridade ao equilíbrio monetário teria de lançar mão de instrumentos recessivos, o que impediria o desenvolvimento econômico e a superação da estrutura produtiva que gerava a própria desestabilização monetária. Essas divergências serão mais exploradas na seção 2 desta dissertação, quando tratarmos da crise econômica do início dos anos 1960, que teve profundos impactos no pensamento desenvolvimentista.

compensaria a dificuldades de os industriais brasileiros realizarem grandes investimentos; concentrar recursos para grandes investimentos por meio da tributação (dado o insuficiente mercado de capitais existente); e possibilitar inversões para projetos de longo prazo – ocupando espaços nos quais a iniciativa privada, mais imediatista, não estaria disposta a investir. O planejamento econômico, para ele, dinamizaria a acumulação de capitais, ao dar condições para um crescimento de renda maior do que o da população, uma vez que os investimentos planejados se desdobrariam em reações de cadeia nos setores produtivos.

Nesse aspecto, Campos16 (1969 apud BIELSCHOWSKY, 2000) distinguia-se dos desenvolvimentistas nacionalistas, ao defender o planejamento seccional, em vez do integral17. Sua argumentação centrava-se na efetividade – o economista acreditava que o planejamento seccional limitaria a intervenção governamental, que, em excesso, poderia atravancar sua exequibilidade, pois os órgãos públicos não teriam competência para executá- lo. A transformação industrial do país gerava “pontos de estrangulamento”, devido à tendência a desequilíbrios econômicos em países subdesenvolvidos de rápida industrialização. Esses pontos de estrangulamento deveriam ser atacados pelo planejamento seccional, convertendo-os em “pontos de crescimento”, ou “pontos de germinação”.

As divergências entre desenvolvimentistas nacionalistas e não nacionalistas no setor público atingem sua maior diferença, fundamentalmente, quanto ao papel do Estado e do capital estrangeiro na economia nacional. Para Campos18 (1969 apud BIELSCHOWSKY, 2000), a insuficiência de capitais, a baixa capacidade de importação e as dificuldades de desenvolvimento técnico exigiam uma política aberta à entrada de capital estrangeiro. Ainda, para além da já comentada participação restrita do Estado, o capital nacional e estrangeiro deveriam ocupar diferentes ramos de investimento, sendo este último para áreas de alta inversão de capitais (mineração), para inversões em longo prazo, para inversões de alto risco (petróleo), ou de rentabilidade direta baixa (energia e transportes, com uma nova política tarifária.

O economista ainda argumentava que os empreendimentos estatais, na maioria das vezes, eram ineficientes e tomados por uma politização indevida, e que mesmo no exercício do controle regulatório de empreendimentos monopolistas, como o setor público, deveria

16 CAMPOS, Roberto. Ensaios de história econômica e sociologia. Rio de Janeiro: Apec. 1969.

17 “Já o método da Cepal, utilizado por Furtado, pretende-se muito mais abrangente. O objetivo subjacente aos trabalhos do órgão é o planejamento global da economia. Parte-se de uma meta macroeconômica de crescimento, pré-definida de acordo com o levantamento de possibilidades de expansão do sistema como um todo e calculada com base em estimativas da relação capital-produto, da taxa de poupança e dos termos de troca.” (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 153)

haver associações com o capital privado – sem controle do patrimônio. Ele atacava, assim, o que chamava de “nacionalismo temperamental”, considerado prejudicial para o desenvolvimento econômico, contribuindo para a existência dos pontos de estrangulamento e para a debilidade da indústria nacional. O capital estrangeiro era essencial para transformar esses pontos de estrangulamento em pontos de germinação.

Há, portanto, uma forte dose de irracionalidade na nossa atitude frente a esse problema. Uma das consequências é que o capital estrangeiro que sobrevive, varrido dos transportes, desencorajado na energia elétrica, proibido do acesso ao petróleo e a mineração, se orienta para as atividades de distribuição e para a indústria de transformação. Deixa de roer o osso da economia para competir com o brasileiro no consumo do filet mignon, com o agravante de poder competir com grandes vantagens sobre o capital nacional. Em resumo: sendo o capital privado brasileiro insuficiente de densidade para atacar os setores infraestrutura, tem o governo que assumir responsabilidade de suprimento de economias externas. Inadequada, em qualidade e quantidade, a ação governamental, criam-se pontos de estrangulamento que dificultam a aplicação dos capitais privados; baixa, ao mesmo tempo a produtividade do capital privado nacional, o qual já de per si tem menor resistência e densidade que o capital estrangeiro. (CAMPOS19, 1969, p. 134 apud BIELSCHOWSKY, 2000, p. 124)

A importância de Roberto Campos na promoção da ideologia desenvolvimentista revela-se por sua participação na elaboração e execução do Plano de Metas no governo Juscelino Kubitschek. Sem dúvida, o Plano de Metas representa o momento de maior hegemonia desse pensamento na história econômica do Brasil. E a visão de Campos e dos desenvolvimentistas não nacionalistas prevaleceu acintosamente nos seus desígnios: o Estado adotou o planejamento seccional, promovendo intensa participação do capital estrangeiro no processo de industrialização.