• Nenhum resultado encontrado

Industriais e desenvolvimentismo na visão do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A BURGUESIA NACIONAL E O EMPRESARIADO

1.3 O DESENVOLVIMENTO COMO IDEOLOGIA

1.3.2 Industriais e desenvolvimentismo na visão do Partido Comunista Brasileiro (PCB)

Ao negar o modelo de desenvolvimento clássico do capitalismo europeu e estadunidense, a interpretação de Jaguaribe (1958) opunha-se à concepção de alguns intelectuais do Iseb, como Guerreiro Ramos11. Sobretudo, batia de frente com o pensamento dominante dentro do PCB naquele momento, cuja forte presença nos debates do período demonstrava sua hegemonia no pensamento desenvolvimentista nos quadros da esquerda revolucionária.

A produção intelectual do PCB na época estava concentrada na figura de seu maior expoente, Nelson Werneck Sodré (1964). Único comunista a integrar os quadros do Iseb, o intelectual estabelecia como inexorável o desenvolvimento gradual do capitalismo na sociedade brasileira, que, ao repetir as etapas das nações desenvolvidas, se modernizaria a ponto de gerar as contradições que produziriam o momento histórico de revolução socialista. Nesse sentido, embora partilhasse da ideia de desenvolvimento nacional formulada pelo Iseb, Sodré (1964) distanciava-se da perspectiva “nacional-burguesa” ao manter no horizonte a perspectiva revolucionária.

A avaliação do PCB considerava que havia uma consolidação do processo de desenvolvimento do capitalismo no país, que modernizava a sociedade brasileira e tinha na burguesia nacional o agente principal do processo de mudança da realidade. Nessa visão, o setor industrial representava o ideal de burguesia nacional, cujo interesse no desenvolvimento da economia nacional e na modernização do país seria próprio da classe.

Cumprindo o cronograma clássico das revoluções nacionais europeias, a almejada movimentação da burguesia industrial levaria a sociedade brasileira a superar o arcaísmo e os obstáculos estruturais representados pelos setores tradicionalmente hegemônicos na política brasileira – setor agroexportador e burguesia mercantil –, atrelados ao imperialismo e que serviam à manutenção do status colonial brasileiro. Dessa forma, a consolidação de um sistema democrático liberal, em voga após 1945 deveria ser defendida ante as ameaças golpistas dos setores conservadores tradicionalistas. A burguesia nacional, no entendimento do PCB, na virada da década de 1950 para a de 1960, estava identificada como aliada da

11 Guerreiro Ramos era diretor do departamento de Sociologia do Iseb. Militante do Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), Ramos destacou-se como um dos maiores pensadores do desenvolvimentismo nacionalista, representando sua ala mais radical, favorável ao intervencionismo econômico, ao monopólio estatal do petróleo, à nacionalização da indústria farmacêutica e dos depósitos bancários, além de defender as reformas agrária e eleitoral.

classe trabalhadora na luta contra o imperialismo e na promoção do desenvolvimento das forças produtivas que elevaria o país à condição de independente12. Contribuir com a consolidação do capitalismo industrial seria, portanto, tarefa histórica da classe trabalhadora.

Dentro de uma perspectiva etapista, que considerava a existência de um passado com reminiscências feudais na história brasileira, o pensamento do PCB apoiava-se numa espécie de determinismo histórico que acabava por desconsiderar as particularidades da formação do capitalismo brasileiro. Essa visão implicava o comprometimento dos trabalhadores com a aceleração do desenvolvimento das forças produtivas e com o progresso técnico e econômico nacional que, por sua vez, levariam ao acirramento das contradições entre as classes. Nessa linha, uma aliança tática com os setores progressistas da burguesia nacional fazia-se necessária para viabilizar uma contraposição aos representantes do atraso brasileiro.

Essa concepção quase mecânica do capitalismo nacional opunha-se à presença de setores estrangeiros no desenvolvimento industrial, atrelados imediatamente aos interesses imperialistas que impediriam a independência brasileira. Ao atacar o capital internacional em defesa da indústria brasileira, a concepção marxista do PCB, assim como o pensamento fomentado no Iseb, considerava a burguesia industrial como representante do interesse nacional em contraposição aos interesses das nações imperialistas que, aliadas aos setores tradicionais, bloqueavam a emancipação brasileira e a construção de um projeto nacional.

1.3.3 Celso Furtado e o pensamento cepalino

A constituição do pensamento desenvolvimentista no setor público não se restringiu, contudo, às formulações propostas pelo Iseb. Dentro dos departamentos, agências e instituições criadas para fomentar o desenvolvimento nacional, formou-se um grupo de economistas dedicados a planejar a industrialização brasileira com base no ideal nacionalista. Rômulo de Almeida, Jesus Soares Pereira, Américo Barbosa de Oliveira, Tomás Accioly Borges e Celso Furtado, sua figura de maior envergadura, são os principais nomes desse grupo, que defendia a intervenção estatal na economia como ponto fundamental para a industrialização nacional (BIELSCHOWSKY, 2008, p. 129).

Sua associação ao nacionalismo justifica-se pela ideia de uma industrialização com participação direta do Estado nos setores estratégicos da economia, com o objetivo de acelerar o desenvolvimento nacional e garantir o controle nacional desses setores. Esse grupo descartava, assim, a participação do capital estrangeiro e do empresariado nacional, na medida em que considerava a burguesia industrial nacional incapaz de investir nesses setores, devido a sua fragilidade econômica.

Particularmente no que dizia respeito aos setores historicamente dominados pelo grande capital estrangeiro, como transporte e energia elétrica, ou por ele cobiçados, como petróleo e mineração em geral, a ideologia da industrialização ganhava conotação fortemente nacionalista e estatizante. O mesmo se dava com setores industriais básicos, em particular com a grande indústria química e com a siderurgia [...]. A lentidão da expansão dos serviços de energia e transporte, que os liberais atribuíam ao congelamento de tarifas, mas que os nacionalistas avaliavam como a prova da necessidade de intervenção e planejamento estatal, adicionava argumentos à concepção de que uma estratégia de inversões estatais nesses setores tornava-se condição indispensável ao processo de industrialização. (BIELSCHOWSKY, 2000 p. 128)

Contudo, em outras atividades da indústria, os desenvolvimentistas nacionalistas do setor público, como classificou Bielschowsky (2000), não se opunham à participação do capital estrangeiro – visto como uma possibilidade de assegurar o desenvolvimento industrial do país. Suas restrições, para além dos setores estratégicos, centravam-se no controle do poder público sobre as multinacionais e a remessa de lucros, tendo em vista o desequilíbrio no balanço de pagamentos – o que poderia ameaçar o próprio processo de industrialização.

À diferença do Iseb, esses desenvolvimentistas davam menor destaque ao papel do empresariado industrial nacional no desenvolvimento nacional, centrando suas expectativas na intervenção do Estado. Isso não significa, entretanto, que não refletiram sobre as características dos industriais brasileiros – apresentadas nesta dissertação por meio das observações elaboradas por Celso Furtado (1961;2000 ). A introdução, por Furtado (2000), do pensamento estruturalista na análise da realidade econômica nacional como método para compreender as particularidades, possibilidades e limites do desenvolvimento nacional caracterizam sua produção intelectual no quadro de pensamentos sobre a questão nacional. Filiava-se, também, aos marcos da ideologia desenvolvimentista – mais distante da interpretação “nacional-burguesa”, ainda que nacionalista.

Furtado (1961, 2000) projetou-se na discussão sobre a questão nacional ao trazer para a análise do desenvolvimento brasileiro o pensamento estruturalista da Comissão Econômica para América Latina e Caribe (Cepal). Grosso modo, o pensamento cepalino combatia as ideias liberais que sustentavam as vantagens comparativas do modelo agroexportador das

economias periféricas em sua inserção na economia mundo capitalista. Nesse sentido, a Cepal elaborou uma tese que investigava a deterioração dos termos de troca entre produtos primários exportados e produtos industriais importados como um dos pilares do subdesenvolvimento latino-americano. O pensamento estruturalista procurava, dessa forma, analisar os problemas econômicos dos países subdesenvolvidos de acordo com sua realidade histórica, rechaçando os métodos e teorias convencionais de desenvolvimento – clássicas e neoclássicas, que elaboravam diagnósticos a partir dos instrumentos utilizados para se compreender a dinâmica econômica dos países desenvolvidos –, o que desconsiderava as diferenças históricas na formação econômica das nações latino-americanas.

Para a Cepal, os problemas estruturais das economias subdesenvolvidas – estrangulamento externo, déficit fiscal, inflação e desemprego elevados – exigiam novas formas de superação, que o pensamento econômico liberal não oferecia. Era preciso uma nova teorização para se compreender a dinâmica das economias de periferia, uma teorização que contrapusesse as características das economias desenvolvidas às subdesenvolvidas, marcadas pela baixa diversidade produtiva, oferta ilimitada de mão de obra com renda próxima à subsistência, insuficiência de infraestrutura, especialização na produção de bens primários, baixo progresso técnico e de acumulação de capitais (FURTADO, 1961. O pensamento furtadiano insere-se no debate sobre o desenvolvimento brasileiro ao atacar de maneira direta a estrutura agroexportadora nacional e a ideologia da vocação agrária, responsabilizada pelo subdesenvolvimento do país. Para Furtado (1961), a superação dessa estrutura deveria ocorrer pelo modelo de industrialização por substituição de importações e pelo planejamento econômico, como apontava o estruturalismo da Cepal.

Celso Furtado (1961) construiu uma análise da economia brasileira com o intuito de formular uma proposta de diferenciação produtiva do Brasil em uma direção que conduzisse à autonomia, cuja condição fundamental seria a alteração do vínculo com as nações desenvolvidas. Desse modo, o setor industrial destaca-se no pensamento furtadiano como a base do desenvolvimento nacional – com ênfase na produção de bens de capital. Furtado aproximava-se, assim, das perspectivas colocadas pelo grupo do Iseb, de forma que ele também buscava produzir uma teoria capaz de explicar a realidade brasileira que abarcasse o desenvolvimento industrial como promovedor da autonomia da nação, fortalecendo a ideologia desenvolvimentista13.

13“Em 1954 e 1955, de retorno ao país, [Celso Furtado] chefiou o Grupo Misto Cepal-BNDE, onde elaborou um estudo apoio a um programa de desenvolvimento para o período 1955-62, que constituía a primeira aplicação da recém-elaborada técnica de programação da Cepal. Nesses doiss ano de crise na vida política brasileira,

Para Furtado (1961), a dualidade estabelecida a partir da noção de centro-periferia dentro da ordem capitalista mundial exigia repensar de que forma se constituíam os limites colocados ao desenvolvimento dos países subdesenvolvidos, como o Brasil. Essa dualidade representaria, para o país, a reprodução interna de setores atrasados, ligados a uma economia de subsistência, e setores modernos, voltados à agroexportação, que, por sua vez formavam uma elite dominante contrária à ideia da industrialização via substituição de importações, dado seu elevado padrão de consumo – similar ao do centro capitalista.

Sua compreensão da estrutura econômica brasileira a partir de uma análise da economia política procurava entender o atraso brasileiro não pela via etapista, tampouco como um desenvolvimento retardatário, mas como uma questão estrutural do próprio capitalismo brasileiro e sua condição periférica. Para Furtado (1961), esse entendimento possibilitaria a projeção da superação do subdesenvolvimento brasileiro, cuja elite seria a principal responsável: é ela que absorvia o excedente econômico pelo setor agroexportador sem que houvesse nenhum projeto para compartilhá-lo ou reinvesti-lo no desenvolvimento técnico. Esses desequilíbrios da economia brasileira deveriam ser enfrentados por um Estado dotado de meios financeiros, que, por meio do planejamento, ocuparia o espaço das classes dominantes. Em sua visão, as elites – das quais os industriais também faziam parte – não possuíam mentalidade empresarial, mas sim uma postura voltada para o lucro fácil, que, aliada a sua inexperiência e resistência em investir em novos setores, constituía-se como um obstáculo para o desenvolvimento nacional. Somava-se a essa situação o fato de os industriais brasileiros temerem a concorrência estrangeira, mais vigorosa, e as dificuldades em adquirir equipamentos e técnicas industriais modernas.

Em outras palavras, segundo o intelectual cepalino, para a elite brasileira moderna não havia interesse no desenvolvimento da nação. Dessa forma, caberia ao Estado, e não à elite, a formulação de uma política industrial planejada e racional, que visasse à superação da estrutura agroexportadora. Furtado (1961) indicava o Estado como o ente capaz de organizar o excedente econômico a fim de promover o progresso técnico e o desenvolvimento geral da nação, o que impediria a captura dos recursos nacionais por essa elite. Assim, ele conecta o desenvolvimento da indústria à noção de progresso nacional. Para dar capacidade de financiamento ao Estado, o real polo dinâmico do capitalismo brasileiro, o pensador propunha a tributação das elites brasileiras, aumentando a poupança nacional e a capacidade de

liderou a formação do Clube dos Economistas e da Revista Econômica Brasileira, que congregava a nata dos técnicos desenvolvimentistas que servia o governo federal no Rio de Janeiro. O objetivo mais ou menos óbvio e explícito era contribuir para consolidar uma base ideológica para o projeto desenvolvimentista, através da participação no debate econômico do país”. (BIELSCHOWSKY, 2000, p. 133)

investimento estatal, além de promover redistribuição de renda, num país cujo crescimento econômico tinha como tendência estrutural aumentar a concentração de renda.

Ao mesmo tempo, é claro, condiciona esse progresso ao exercício da democracia como alicerce de uma nação que romperia definitivamente com seu passado colonial (CEPÊDA, 2003).

É a partir do aumento da participação política das massas - através de sindicatos, pressionando por distribuição da riqueza, empurrando a opinião pública no combate aos interesses regionais e/ou oligárquicos, ou através da pressão existente na relação mediada pelo voto (demandas versus responsabilidade do Estado) - que se construirá a modernidade brasileira. Sem esta via, mantém-se incólume a prática predatória do trabalho, permitindo ao capitalista (de qualquer setor) a obtenção de ganhos através dos baixos salários. Como consequência, impede-se a instalação das forças fundamentais do capitalismo maduro. Mantém-se intacto também o dualismo, a separação entre um Brasil moderno (pelo menos nas formas de consumo) e um Brasil arcaico, o que resulta na dissolução da utopia da unidade nacional. (CEPÊDA, 2003)

A democracia, para Furtado (1961), deveria ser encarada como o modelo mais bem- sucedido para a superação do subdesenvolvimento, uma vez que equilibraria o novo jogo de forças políticas desdobradas pelo desenvolvimento e consolidação da nação brasileira.

Ao longo do período desenvolvimentista, Celso Furtado tornou-se um dos principais responsáveis pela consolidação da intervenção planificadora do Estado como condição para a superação do subdesenvolvimento, tendo realizado duas obras marcantes com enfoque estruturalista: Formação Econômica do Brasil, publicada em 1953 (FURTADO, 2000) e Desenvolvimento e subdesenvolvimento, publicada em 1961 (FURTADO, 1961). Nesse período, também foi responsável pela elaboração de políticas públicas a partir dos preceitos estruturalistas – com destaque para sua atuação no grupo misto Cepal-BNDE (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico), em 1953, no qual construiu as bases para um programa nacional de desenvolvimento econômico, que serviu de referência para o Plano de Metas do governo Juscelino Kubistchek; para a sua participação à frente da Superintendência do Desenvolvimento do Nordeste (Sudene), entre 1959 e 1964; e como ministro extraordinário do Planejamento, em 1963.