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R OBERTO S IMONSEN E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO

1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A BURGUESIA NACIONAL E O EMPRESARIADO

1.2 R OBERTO S IMONSEN E A FORMAÇÃO DO PENSAMENTO INDUSTRIAL BRASILEIRO

A estrutura política e socioeconômica pós-1930 alçará o empresariado industrial, em processo de formação desde a segunda metade do século XIX – a uma condição de evidência, de ator político reconhecido, favorecendo seu desenvolvimento. Observa-se um novo rearranjo das forças políticas, em que setores relacionados às atividades urbanas, como a própria indústria, compuseram politicamente com setores ligados à agroexportação. Dentro do pacto trabalhista liderado por um Estado empenhado em produzir uma ideologia nacionalista, Vargas desencadeou um planejamento estatal na área industrial com objetivo de implementar um parque composto por indústrias de infraestrutura e bens de produção a partir do processo de substituição de importações.

Grosso modo, é nesse cenário que Roberto Simonsen, engenheiro e industrial, ganha destaque na formulação intelectual sobre o país5. Defensor da especialização da técnica, inclusive na produção do conhecimento, Simonsen foi um dos primeiros intelectuais a produzir textos de história econômica do Brasil e sobre os desígnios da economia brasileira contemporânea sob o prisma da necessidade do planejamento econômico e da industrialização (MAZA, 2002).

Nesse sentido, o projeto de modernização do país, que teria como um de seus pilares o crescimento da indústria nacional, propiciou a projeção de um intelectual do porte de Simonsen, ligado à indústria e a um ideal de praticidade, de funcionalidade, de ação modernizadora – mais distante do burocratismo da camada dominante e do bacharelismo da intelectualidade até então hegemonizante na República Velha.

A discussão sobre a modernização do país, portanto, passava obrigatoriamente pela questão da relação entre sociedade e Estado, marcada pelo papel que o Estado deveria ter na

5 Quando da instauração do governo provisório a partir da Revolução de 1930, Simonsen foi preso e investigado devido às relações de suas empresas (Companhia Construtora e Murrey, Simonsen & Cia.) com o governo deposto. Como presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo (Fiesp), foi responsável pelos serviços de Cadastro e Mobilização industrial durante a Revolução de 1932. Sua aproximação a Vargas ocorre a partir da segunda metade da década de 1930, após breve exílio na Argentina: “Coerente com a propositura industrialista anti-liberal que principia enunciar e com o grau mais elaborado de suas formulações, inicia paulatina aproximação com o governo Vargas, apoiando a centralização política e econômica em curso. A culminância deste processo se dá em 1937 com seu rompimento com a bancada federal de São Paulo, com as críticas à Constituição de 1934 (‘que não se adapta em pontos essenciais à realidade brasileira’) e, finalmente, com o público apoio ao golpe do Estado Novo. Justifica a medida autocrática em razão das ‘bases instáveis de nossa economia’, das ‘condições de insegurança e de intranquilidade provocadas por uma campanha demagógica e insincera’, pelo ‘emperramento criado pela burocracia e pelos processos observados no Poder Legislativo’ e pelos reclamos de providências de caráter inadiável e necessárias ao progresso do país.” (VIEIRA, 1987, p. 50).

organização da economia nacional. Para Simonsen (1973), ele deveria promover, de maneira direta, condições para a industrialização do país, evidenciando sua posição crítica ao liberalismo ao se colocar favorável à planificação econômica. A necessidade de superação do “atraso” brasileiro deveria ocorrer pelo progresso material da sociedade, sendo o Estado necessário para a resolução dos problemas sociais. Esse quadro possibilitaria a consolidação de uma economia nacional independente frente aos outros países.

Embora sem se colocar diretamente contrário ao setor agroexportador, Simonsen (1959; 1973) ressaltava na sua produção intelectual a necessidade de o Estado protagonizar o desenvolvimento industrial. Essa era vista como condição necessária para a modernização do país e para sua própria autonomia dentro do cenário capitalista mundial, expondo-se a fragilidade do modelo econômico baseado na exportação de produtos primários:

A ciência e a técnica modernas fornecem seguros elementos para o delineamento dessa planificação. Haja vista o que se fez na Rússia e na Turquia, quanto ao seu desenvolvimento material; considerem-se as planificações levadas a efeito pelos Estados Unidos, pela Inglaterra e por outros países em luta, para organizar suas produções, dentro de um programa de guerra total. [...] A parte nuclear de um programa dessa natureza, visando à elevação da renda a um nível suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem que ser constituída pela industrialização. Essa industrialização não se separa, porém da intensificação e do aperfeiçoamento da nossa produção agrícola, que a ela está visceralmente vinculada. [...] A planificação do fortalecimento econômico nacional deve, assim, abranger por igual o trato dos problemas industriais, agrícolas e comerciais, como o dos sociais e econômicos, de ordem geral. (SIMONSEN, 1973, p 304)

A aproximação de Simonsen ao Estado varguista também se projetava por meio da defesa da racionalização científica para o enfrentamento dos problemas políticos do país. Um exemplo se refere aos conflitos de classe. O industrial via na luta de classes um dos entraves ao desenvolvimento nacional, uma vez que, para ele, todos os setores da sociedade deveriam estar concentrados em desenvolver a nação. Porém esse seu posicionamento não significava intolerância à organização dos trabalhadores por melhores condições, pelo contrário. É nesse ponto que entrava a necessidade de uma análise científica, técnica, das relações entre capital e trabalho:

Esse antagonismo violento não se justifica, e só é explicado por procurarem as duas classes, a todo transe, resultados imediatos, em detrimento dos verdadeiros interesses de toda a sociedade. De fato, o que o patrão procura é pagar o menos possível por unidade de produção, e o que o operário visa é ser o mais remunerado possível por unidade de tempo; daí a viabilidade em ser obtida a solução harmônica dos interesses das duas classes por investigações científicas das condições reais do trabalho e pela aplicação inteligente das leis econômicas que regem a produção. Foram os atrasados sistemas de paga e a má orientação dos patrões que mais

concorreram para que os trabalhadores se organizassem em feição de classe. (SIMONSEN, 1973, p. 438)

Assim, a questão central, para Simonsen (1973), era a elaboração de uma racionalização embasada na ciência, cujo objetivo seria o aumento da produtividade e da eficiência do trabalho. Esse objetivo deveria ser atingido não por meios políticos, mas sim econômicos, por meio da ideia de “justa remuneração do trabalho” (SIMONSEN, 1973 p. 436), que por sua vez deveria fundamentar-se no tratamento individualizado da questão salarial, evitando as negociações coletivas, o que neutralizaria as organizações dos trabalhadores (VIEIRA, 1987, p. 13). Com isso, a ideia de remuneração do trabalho indicava uma resolução para os conflitos a partir de critérios que premiassem o esforço pessoal e as diferenças de produtividade entre os trabalhadores, individualizando o operário e motivando-o para o trabalho (SIMONSEN, 1973 p. 439).

O que Simonsen (1973) vislumbrava era a defesa da racionalização como o melhor meio para o desenvolvimento nacional – possível, apenas, se todos os segmentos sociais obtivessem melhora significativa em sua renda. Nesse aspecto, ele via as contendas políticas muitas vezes como entrave ao crescimento da nação. Em todo o caso, seu pensamento revela uma postura conservadora, mas não intolerante às demandas e organizações dos diferentes segmentos sociais. O discurso pelo racionalismo não significava, tampouco, a negação ou o desprezo do industrial pelas questões políticas relevantes de sua época. Por exemplo, ele não só reconheceu, como apoiou, na condição de presidente da Fiesp, a instauração do salário mínimo pelo governo Vargas, tendo em vista que sua preocupação era “a elevação do nível de nossas populações, como condição essencial à melhoria do fator básico do fortalecimento de nossos mercados internos” (SIMONSEN, 1959, p. 191). É esse mesmo ideal racionalista que também o levava a criticar outras decisões do Ministério do Trabalho varguista, como a reforma da Lei Sindical, em 1939, a qual impedia a formação de federações regionais, como a Fiesp, verticalizando, em nível nacional, as associações de classe. Sua argumentação sempre se colocava do ponto de vista da racionalização:

Nessa reforma, senhor Ministro, felizmente ainda não aprovada por V. Excia., segundo o pouco que já nos foi dado conhecer, temos elementos suficientes para, desassombradamente, assegurar a V. Excia., com a responsabilidade de todo o nosso passado e apoiados nos mais acurados estudos, a que mandámos proceder, que se pretende criar uma organização estrutural inteiramente em desacordo com as realidades do país, com as necessidades de nossa produção e com os propósitos e verdadeiros intuitos de um sadio corporativismo. [...] Constitui ainda preocupação dominante do relator do projeto em questão evitar federações regionais como a nossa, sob o pretexto de que tais associações, abrangendo sindicatos de categorias diversas, mas de um mesmo tipo geral de atividades, podem querer imprimir, na

solução dos problemas que lhes estão afetos, tonalidades de caráter regional, sacrificando os interesses nacionais. [...] Esqueceu-se o ilustre relator do questionado projeto de que o interesse nacional é, em última análise, a soma algébrica dos interesses regionais, e que qualquer progresso em qualquer região do país se integra automaticamente no progresso e na grandeza nacionais. (SIMONSEN, 1959, p. 108)

Em última instância, sua preocupação em tratar os problemas nacionais a partir desse prisma desvelava a necessidade de modernização do Brasil por meio do ideal técnico- científico. Suas concepções eram marcadas pela valorização da razão técnica, que deveria ser produzida por uma elite reformadora orientada pela ciência (VIEIRA, 1987, p. 87). Para isso, era preciso desenvolver a elite do país, que seria a responsável por comandar o processo de modernização nacional. Mas não apenas essa elite deveria receber uma nova formação: para Simonsen, de acordo com a interpretação de Vieira (1987, p. 91) a classe trabalhadora precisava também de qualificação, se quisesse almejar um futuro melhor para ela e, consequentemente, para a nação:

E porque não procuramos solver todos esses problemas, conjuntamente pela razão e pela técnica, esforçando-nos para racionalizar o trabalho no Brasil sob todos os seus aspectos? [...] Nunca esqueçamos que sistemas administrativos e políticos são meros apoios sobre os quais temos que atuar e crescer e produzir pelo trabalho nacional. Leis e decretos não criam produtividade e riquezas. Racionalizemos o trabalho abrangendo em seu programa desde o estudo sistemático de nossos problemas financeiros até a melhoria de nosso homem pelo saneamento e pela cultura; desde a racionalização agrícola até a racionalização de nosso mercado interno. No dia em que a maioria dos brasileiros conhecer o plano integral da racionalização de todas as nossas forças produtivas, baseado em estudos de comissões técnicas imparciais que inspirem confiança, por se aspirarem em estudos cientificamente feitos [...], nesse dia será fácil a união sagrada de todos os nossos práticos em torno dessa fórmula de trabalho e de ordem.

É a partir dessa perspectiva que Simonsen, como presidente da Fiesp (1939-1946), contribuiu para a criação do Serviço Social da Indústria (Sesi) e do Serviço de Aprendizagem Industrial (Senai). Almejando o progresso da sociedade brasileira por meio da formação qualificada dos indivíduos, o Sesi e o Senai orientavam-se pela ideia de capacitação do trabalhador, o que levaria a uma melhora na produção e na produtividade, gerando riquezas para a nação. Esse ideal racionalista de Simonsen (1973) objetivava a “elevação do padrão de vida nacional” por meio da mobilização de todos os meios possíveis para o desenvolvimento econômico, que deveria ser alcançado pelo crescimento da indústria e do comércio.

O pensamento de Simonsen (1959, 1973, 2010), calcado nesses elementos, projetava- se para o reconhecimento da planificação econômica e, indo mais adiante, para a participação do Estado na economia. O Estado deveria fomentar uma política econômica marcada pela

“promoção da criação de riquezas”, estimulando as atividades produtivas. Simonsen (apud VIEIRA, 1987) avaliava que o papel do Estado, no caso do desenvolvimento brasileiro, exigia uma real participação na economia, considerando sua capacidade de planejar, em nível nacional, o desenvolvimento do país. Era necessário produzir riquezas e não apenas geri-las ou administrá-las, como no caso dos países desenvolvidos (países europeus e Estados Unidos), onde a participação do Estado poderia se restringir à regulamentação e distribuição dessas riquezas (VIEIRA, 1987, p. 83). Para Simonsen (apud VIEIRA, 1987, p.128), o Estado deveria legislar, coordenar, incentivar e proteger a economia nacional. Ainda, segundo Vieira (1987, p. 128), o industrial

principia a requerer dos órgãos públicos não apenas uma atividade coordenadora de modo a propiciar o crescimento econômico do país, mas uma intervenção direta como produtor e investidor, a fim de potencializar o desenvolvimento capitalista para além dos limitados horizontes do capital privado nacional.

Ao pensar em termos de projeto de desenvolvimento nacional, Simonsen (0000) participou ativamente do grande debate intelectual do país no período, que buscava pensar a questão nacional, entendida como o tecido que articula e desarticula as relações entre a sociedade civil e o Estado na história brasileira6. Sua obra História Econômica do Brasil (SIMONSEN, 1943), publicada pela primeira vez em 1937, procura interpretar o processo de colonização brasileira, identificando os problemas engendrados nesse processo – e que repercutiriam até o momento em que a obra foi escrita. Seus esforços na reconstituição dos fatores econômicos preponderantes na formação da nação brasileira marcam a primeira tentativa sistematizada de compreender a consolidação do Brasil a partir dos fatores econômicos. Ao lado de outros intelectuais7 que se propuseram a encarar o desafio da questão nacional entre as décadas de 1930 e 1950, Simonsen (1943) vislumbrava criar um novo

6 Segundo Octavio Ianni (1995, p. 09): “A questão nacional é um tema constante no pensamento brasileiro. Diz respeito a como se cria e recria a nação, em cada época, conjuntura ou ocasião. [...]. Muito se colocam esse tema, desde José Bonifácio e Frei Caneca a Raymundo Faoro e Florestan Fernandes. Perguntam como se tecem os encontros e desencontros entre a sociedade civil e o Estado, em distintas conjunturas da história do país. Buscam as raízes da sociedade nacional, quanto às expressões do povo, cultura, regiões, grupos raciais, classes sociais. Trata-se de conhecer o tecido que articula a sociedade e o Estado. Todos se perguntam sobre as influências das diversidades nas formas do Estado, nas recorrências do autoritarismo, nas vicissitudes da democracia. A questão nacional tem sido focalizada em termos liberais, conservadores, marxistas e outros. Uns privilegiam o povo, visto como uma coletividade de cidadãos. Outros distinguem as elites que comandam as massas. E há os que reconhecem que as classes movimentam a sociedade civil e o Estado. Todos querem compreender as articulações e desarticulações que entram nas diversas formas históricas da nação”.

7 Dentre os quais podemos citar Gilberto Freyre, Eugênio Gudin, Sergio Buarque de Holanda, Caio Prado Júnior, Celso Furtado, Hélio Jaguaribe, Raimundo Faoro, Nelson Werneck Sodré e Antonio Candido.

modelo interpretativo que explicasse a unidade da nação brasileira, no seu caso, a partir do desenvolvimento econômico.

Ainda, História Econômica do Brasil (SIMONSEN, 1943) insere-se no ideal de conhecer a realidade brasileira e entender as dificuldades então existentes que impediam o desenvolvimento econômico da nação rumo ao progresso industrial. Ao destacar a forte presença de um modelo econômico colonial no Brasil independente no início década de 1930, a obra reafirma as defesas públicas de seu autor em torno fim da dependência do setor monocultor agroexportador, mais precisamente do café, enfatizando a necessidade de aumentar o mercado interno brasileiro, condição essencial para a industrialização. Desse modo, ao reconhecer o baixo acúmulo de capitais e a capacidade técnica da indústria brasileira como um entrave estrutural, Simonsen (1943) vislumbrava na política de Estado a possibilidade de romper com essa limitação do desenvolvimento capitalista no Brasil.

Pode-se afirmar, então, que a formação inicial do pensamento industrialista brasileiro está ligada ao próprio pensamento nacionalista, visto que o desenvolvimento industrial seria a chave para a superação da condição colonial em que o país estaria. Assim, o nacionalismo pode ser considerado como um alicerce importante para o industrialismo no Brasil.

A produção intelectual de Simonsen (1959,1973,2010) para criar um projeto industrial solidifica-se como um embate contra a teoria, até então hegemônica no meio intelectual, de vocação agrária do Brasil, sustentada pela burguesia mercantil e pela oligarquia agroexportadora, aliadas e hegemônicas no poder até a Revolução de 1930. Para esses setores, o Brasil era um país rico por sua capacidade agrícola, e sua participação na divisão internacional do trabalho já estava consolidada como a de país agroexportador. Ou seja, o nacionalismo não era um termo exclusivamente associado à industrialização do país, mas um termo em disputa. Essa contenda possui um capítulo exemplar, quando do embate entre Simonsen e o economista liberal Eugênio Gudin a respeito do caráter da economia nacional, durante a década de 19408. Enquanto o primeiro defendia os preceitos do planejamento estatal para o desenvolvimento industrial e, por consequência, nacional, o segundo respondia que a autonomia da nação estava garantida com a manutenção do sistema agroexportador, sem a necessidade de planificação. Dizia Simonsen (1973, p. 45, 95):

8 O debate se deu em torno da produção de um relatório, elaborado por Simonsen a pedido do Ministério do Trabalho, em 1944, sobre a necessidade do planejamento para o desenvolvimento da economia brasileira. Gudin, como relator da comissão, criticou a defesa de planejamento de Simonsen, que, por sua vez, elaborou uma tréplica.

Acreditava-se, no século XIX, que a riqueza da comunidade era igual à soma total do bem-estar material dos indivíduos e que, assim, cada um, desejando melhorar a sua própria condição econômica, contribuía, automaticamente, para a riqueza da comunidade em geral. Acreditava-se, ainda, que a atividade econômica era auto- reguladora e que a iniciativa particular, no regime da concorrência dos interesses individuais, era controlada pelo jogo desses próprios interesses. Desnecessária era, portanto, o controle governamental no regime dos negócios. Mas a devastação das riquezas naturais, a ausência de defesa em relação a múltiplos fenômenos meteorológicos, as sucessivas crises econômicas, a existência da miséria em meio à abundância, a crescente concentração de riquezas em mãos de um pequeno número, a exploração do homem pelo homem, toda uma série de imensos problemas criados pelas grandes aglomerações urbanas, a profunda diferenciação na evolução entre as nações ricas e as nações pobres, a impossibilidade do sistema de preços refletir, num dado momento, as condições prováveis dos mercados futuros, tornaram evidente a insuficiência do primitivo automatismo social e econômico, admitido pelos economistas clássicos.

[...]

Impõe-se, assim, a planificação da economia brasileira em moldes capazes de proporcionar os meios adequados para satisfazer as necessidades essenciais de nossas populações e prover o país de uma estruturação econômica e social, forte e estável [...].

Ao que respondia Gudin (apud SIMONSEN, 1973, p. 105, 22):

Um dos argumentos mais correntes a favor de nossa industrialização é o de que os países industrializados são ricos e os países de economia agrícola ou extrativa são pobres. Como princípio, não é verdadeiro. A economia agrícola pode formar um país muito rico e de alto padrão de vida. Para nós brasileiros, basta que olhemos para a Argentina... E se continuarmos a expandir indústrias que só podem viver sob a proteção das pesadas tarifas aduaneiras e do câmbio cadente, continuaremos a ser um país de pobreza, ao lado do rico país que é a Argentina.

[...]

Precisamos é de aumentar a nossa produtividade agrícola, em vez de menosprezar a única atividade econômica em que demonstramos capacidade para produzir vantajosamente, isto é, capacidade para exportar.

Entretanto, para Simonsen (2010), a defesa da industrialização não significava necessariamente o rompimento com a produção agrícola. Pelo contrário, seu ponto de vista destacava a importância do setor para o desenvolvimento da nação, encarado no sentido de complementaridade, mas subjugado a um projeto industrializante – em que os interesses da nação seriam os interesses da indústria (MAZA, 2002, p. 176).

A parte nucleal de um programa dessa natureza, visando à elevação da renda a um nível suficiente para atender aos imperativos da nacionalidade, tem que ser constituída pela industrialização. Essa industrialização não se se separa, porém da intensificação e do aperfeiçoamento da nossa produção agrícola, a que ela está visceralmente vinculada. (SIMONSEN, 1973, p. 96)

Em última instância, de acordo com Simonsen (1973), seria benéfico para a agricultura brasileira o processo de industrialização do país, dado o progresso material que ela

proporcionaria. Opor-se ao projeto industrial, portanto, era colocar-se contrário à independência da nação.

O esforço de Simonsen (1973) em não romper com o setor agroexportador, mas sim de aproximá-lo de sua visão modernizadora, demonstra o reconhecimento do papel que a agricultura, mais especificamente a cafeicultura paulista, possuíra no desenvolvimento econômico do país e no fomento da indústria nacional a partir da acumulação do café. Embora estabeleça oposições claras, o intelectual não aposta na ruptura da burguesia industrial com a burguesia mercantil9 – algo bastante evidente na produção intelectual de outros pensadores dos anos 1950 e 1960, como será discutido adiante.

O pensamento de Simonsen (2010) também dá conta de outro tema caro às discussões