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O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e o nacionalismo de Hélio

1 INTERPRETAÇÕES SOBRE A BURGUESIA NACIONAL E O EMPRESARIADO

1.3 O DESENVOLVIMENTO COMO IDEOLOGIA

1.3.1 O Instituto Superior de Estudos Brasileiros (Iseb) e o nacionalismo de Hélio

É nesse cenário que surge o Iseb, criado em 1955, com a intenção de reunir o pensamento social brasileiro organizado em torno do desenvolvimento do capitalismo nacional. Subordinado ao Ministério da Educação, ele se consolidou como centro nervoso da estratégia de modernização imprimida pelo Estado, na medida em que se constituía como um espaço institucional que objetivava promover condições para a formação e profusão do pensamento intelectual envolvido com o projeto nacional-desenvolvimentista. Em

consonância com o espírito da época e com um grupo de intelectuais diverso, o Iseb acabou por concentrar as análises sobre a modernização brasileira, apontando os caminhos para a superação do arcaísmo e do tradicionalismo rumo ao desenvolvimento capitalista.

Partindo da ideia de que “não há desenvolvimento sem ideologia de desenvolvimento” (LOVATTO, 1996), o Iseb congregou diferentes intelectuais em torno da necessidade da produção de um conhecimento científico de alto padrão sobre a realidade brasileira. Esse conhecimento, por sua vez, deveria estar comprometido com o planejamento de Estado voltado para a transformação modernizadora da sociedade, negando a ruptura revolucionária entre sociedade e Estado para a realização dessa transformação. O desenvolvimentismo e o conceito de nação como sujeito histórico permeariam o conhecimento produzido pelo grupo – defensor da modernização do país via aliança de classes como motor do desenvolvimento e como alicerce da soberania nacional. O conhecimento ensejado pelos isebianos apontaria a direção da polarização da sociedade brasileira já desenhada: de um lado, o polo estático, constituído por latifundiários e setores conservadores e/ou alienados da classe média e proletariado; do outro, o polo dinâmico, composto pela burguesia industrial, operários e classe média (SOUZA, 2010).

A análise polarizada da estrutura social brasileira perpassava, ainda, a defesa da nação por meio da libertação das raízes coloniais do país, que permaneciam vivas na sociedade e seriam expressas pela subjugação às nações imperialistas, tanto no plano econômico como cultural. Essa libertação, evidentemente, viria a partir de um projeto que rompesse com tal estrutura, por meio do desenvolvimento planejado, o qual produzira uma nação de fato independente. Desse modo, o Estado possuía, na concepção isebiana, a atribuição de promover a modernização por meio do planejamento econômico – rechaçando o modelo liberal, cuja serventia seria a manutenção dessa estrutura “colonial”. Na visão do Iseb, essa conjectura se colocaria na medida em que fosse embasada por uma aliança classista liderada pelo setor mais progressista da sociedade – o empresariado industrial (TOLEDO, 1982)

Em termos gerais, então, o pensamento do Iseb produziu a noção de desenvolvimentismo como um processo de acumulação endógena de capital aliada ao progresso técnico-científico dentro de um contexto de expansão do capitalismo em escala nacional. Isso produzira um aumento na renda dos brasileiros e consequente melhoria de seu padrão de vida. Esse processo, liderado pelo Estado nacional, teria no empresariado industrial seu principal vetor (ALMEIDA, 1995).

Entretanto, o conceito de nacionalismo no ISEB – objeto comum entre os intelectuais ligados à instituição – foi alvo de divergências. Um de seus principais expoentes, Hélio

Jaguaribe, tornou-se personagem central das polêmicas. Em seu clássico O nacionalismo na atualidade brasileira, Jaguaribe (1958) realiza uma inflexão ao problematizar a questão do nacionalismo como condição para o desenvolvimento brasileiro. Enquanto o pensamento preponderante no Iseb posicionava-se de maneira contrária à participação do capital estrangeiro no projeto de industrialização do país, Jaguaribe (1958) não enxergou esse capital necessariamente como um problema, na medida em que considerava o nacionalismo como um fim para o desenvolvimento nacional.

O nacionalismo foi matizado por Jaguaribe (1958) na medida em que o autor observou a falta de objetividade e clareza no seu uso. Para ele, o termo servia tanto ao pensamento progressista quanto ao conservador, constituindo-se um verdadeiro paradoxo. Ainda, o intelectual apontava para algo que enxergava como um falso dilema: a oposição entre “nacionalistas” e “entreguistas” (JAGUARIBE, 1958, p. 214). Para ele, esse pensamento desconsiderava as problemáticas econômicas para o desenvolvimento da nação, como a necessidade de uma poupança externa para estimular o crescimento econômico e da entrada de capitais estrangeiros a fim de promover a industrialização – dada a insuficiência da poupança interna e dos capitais nacionais para a consolidação desse processo (JAGUARIBE, 1958, p. 216).

Assim, Jaguaribe (1958) considerava legítimo o emprego de inversões estrangeiras, desde que controladas e direcionadas ao desenvolvimento industrial – o que seria, por excelência, o objetivo nacionalista. Seu pensamento permite entender o nacionalismo como um fim para o projeto de autonomia da nação, e não um meio. Dessa forma, ele alertava sobre o risco da existência de um nacionalismo que tornava-se atravancador de seu próprio desenvolvimento (JAGUARIBE, 1958, p. 38).

Para Jaguaribe (1958), o nacionalismo brasileiro ocorreu de maneira tardia, sendo formulado no pós-guerra, durante a década de 1920. Primeiramente ligado ao campo cultural (Semana de Arte Moderna de 1922), ele influenciou a política a partir da ideia de soberania nacional, tornando-se uma ideologia de Estado com a Revolução de 1930. Nesse momento, o mercado interno começava a se desenvolver, e políticas industriais eram implementadas. O Estado deixara de ser um espaço restrito às elites oligárquicas cafeicultoras para ampliar o horizonte do desenvolvimento da nação. As novas forças sociais que derrubaram a República Velha eram os setores descontentes com a antiga ordem, originados do processo de urbanização e ligados ao dinamismo próprio desse processo. Jaguaribe (1958) identificava-os como nacionalistas, sobretudo o empresariado industrial brasileiro, incumbido da tarefa

histórica de levar adiante o desenvolvimento nacional, em contraposição ao polo estático do país, representado pelo setor agroexportador.

No modelo de Jaguaribe (1958), a análise que confronta o arcaico e o moderno levava essa disputa para dentro de cada classe, e não para uma luta entre classes. Os embates se dariam em torno da defesa da modernização contra o atraso, internos a cada classe, uma vez que, no atual estágio de subdesenvolvimento brasileiro, a tarefa primordial concentrava-se no interesse comum a todas as classes – o desenvolvimento capitalista.

Atento aos desdobramentos da expansão socialista em países da periferia no contexto da Guerra Fria, o intelectual rechaçava essa alternativa para o Brasil, defendendo com grande afinco a necessidade de se produzir uma ideologia nacionalista capaz de sustentar o projeto de desenvolvimento capitalista do país. Essa ideologia instrumentalizaria a burguesia industrial para sua intervenção na realidade brasileira, já que esta seria a classe autêntica na representação de um projeto de modernização pelo desenvolvimento industrial. A direção da burguesia industrial se efetivaria a partir da constituição de um Estado funcional, que limasse de seu seio os setores retrógrados por meio de uma política intervencionista, planejada.

Entretanto, o próprio Jaguaribe (1958) apontava os limites da burguesia industrial em intervir na realidade brasileira para efetivar o projeto nacionalista. O intelectual carioca preocupava-se com a incapacidade de a classe tomar consciência de seu papel, e com sua consequente impossibilidade de colocar-se na liderança.

Ao discutir essa limitação de organizar e agir na defesa da modernização por meio do desenvolvimento econômico, Jaguaribe (1958) sustentava que o papel do Iseb seria justamente o de produzir condições para a tomada de consciência da burguesia por meio de uma política ideológica forjada pelos intelectuais. Em outras palavras, a burguesia nacional precisava ser educada pelo pensamento intelectual, sendo este o papel principal do Iseb: formar sua consciência. Após essa tomada de consciência, a burguesia nacional se tornaria capaz de assumir seu papel de liderança histórica, procurando esclarecer as outras classes no sentido de unificar seus setores progressistas em torno da modernização (TOLEDO, 1982).

Em suma, a aliança da burguesia industrial com o proletariado era necessária para suplantar o poder tradicional, centrado nos latifundiários e na burguesia comercial. Esse novo poder atrairia para o centro forças militares e parte dos intelectuais, ligados ao nacionalismo.

Esse projeto de poder centrado na liderança dos industriais brasileiros aproxima-se da visão de Roberto Simonsen (1973,2010), ao destacar o papel que cabia ao desenvolvimento industrial como via para a emancipação do país. Ao mesmo tempo, suas análises evidenciam

a preocupação dos dois autores com a incompletude da burguesia nacional como classe, incapaz de prescindir do Estado como promovedor e planejador da industrialização brasileira. Simonsen (1973) e Jaguaribe (1958) reconhecem também essa incompletude não apenas no plano da consciência de classe e na necessidade de promover um projeto nacionalista com base num Estado forte que promovesse a organização racionalista a qual, por sua vez, valorizasse a funcionalidade e o tecnicismo, mas também pela incapacidade de a incipiente burguesia nacional dispor de capitais para desenvolver um processo de industrialização autônomo. Se Simonsen (1973;2010), na década de 1930, já colocava a necessidade da inversão externa na indústria, Jaguaribe (1958) o faria num contexto em que seria duramente criticado por colegas do Iseb, os quais o jogaram para o lado dos “entreguistas”, aliado ao imperialismo, em contraposição aos nacionalistas.

As interpretações sobre a questão nacional formuladas por Simonsen (1973) e pelo Iseb, mais precisamente na figura de Jaguaribe (1958), denotam a tentativa de criar marcos teóricos que fundamentassem as especificidades do desenvolvimento do capitalismo no Brasil. A interpretação do Iseb projetava na burguesia industrial o setor capaz de transformar a realidade nacional, promovendo o desenvolvimento econômico e a modernização brasileira que libertariam o país de suas raízes coloniais. Concomitantemente, essa visão negava, bem como a de Simonsen (1973), a formulação clássica de desenvolvimento do capitalismo à semelhança do que ocorrera nos países desenvolvidos. Não à toa, Simonsen (1973,2010) e Jaguaribe (1958) descartavam, em última instância, a revolução nacional como condição para a fundação de uma sociedade capitalista. Para eles, o próprio desenvolvimento do capitalismo no país apresentava-se como uma ruptura histórica com a condição colonial do Brasil, uma vez que garantiria ao país a formação de um capitalismo autônomo a partir de um Estado nacional que desmontasse o “Estado cartorial” então existente (JAGUARIBE, 1950).

Além disso, a responsabilidade histórica atribuída ao empresariado industrial no processo de modernização do país não omitia os limites que do setor no sentido de realizar a industrialização nacional, indicando a necessidade da presença do capital estrangeiro e de um Estado com alto grau de intervenção econômica. Ou seja, não haveria espaço, no Brasil, para a constituição de um Estado nação a partir de uma revolução nacional nos moldes daquelas vividas no hemisfério Norte, dadas as diferenças históricas entre os países.