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Cuidar a brincar

No documento Apêndices do Relatório (páginas 96-99)

JORNAIS DE APRENDIZAGEM

1.JORNAIS DE APRENDIZAGEM DO JARDIM DE INFÂNCIA

1.1. Cuidar a brincar

A educação infantil é, sem dúvida, um fator condicionante para o desenvolvimento emocional e cognitivo da criança. Pelo que pude vivenciar no jardim-de-infância existe um desafio diário para que se consiga proporcionar a todas as crianças (um grupo crianças com especificidades), atividades motivadoras e impulsionadoras de seu crescimento e desenvolvimento. Não será propriamente fácil e o que eu senti é que de fato é um trabalho gratificante, na medida em que constantemente “o dar e o receber” carinho é uma realidade criada num ambiente afetuoso. No entanto, o que foi interessante foi presenciar que cada criança partilha a imensidão do seu mundo imaginário e de fantasia com os seus pares, o que por sua vez facilita a criação de um mundo realmente dinâmico e de descobertas. Este desafio permitiu-me experienciar a imensidão de jogos e brincadeiras que a equipa educativa pode desenvolver, muitos com o intuito de constituírem estratégias de gestão das emoções manifestadas diariamente pela criança, que muitas das vezes surgem também quase que por solidariedade com os amigos (quando um chora, os outros repetem o comportamento!). Durante o período que passei no jardim-de-infância pude verificar que toda a atividade do brincar contribui para a promoção do desenvolvimento infantil, pois existe uma estimulação permanente das funções sensoriais, cognitivas e motoras da criança. Exemplificando, aprendem movimentos, treinam comportamentos e protagonizam papeis, que fazem parte e serão necessários para toda a sua vida social. No entanto, é importante não esquecer a componente emocional, porque a atividade do brincar contribui para a valorização da autoestima e a da confiança da criança. É fundamental que estas duas dimensões fiquem bem consolidadas, porque têm influência na forma como enfrentam experiências de grande sofrimento emocional, como é o caso de uma doença oncológica pediátrica. Estes três dias foram muito importantes, na medida em que me ajudaram a compreender que a criança doente e/ou hospitalizada tem de fato uma “história do brincar”. Todas as crianças já têm os seus hábitos e preferências, que se foram construindo no meio onde esteve inserida que, em maior parte das situações, foi num espaço de interação social e de relação, como a creche, o jardim-de-infância, a escola… E sem dúvida alguma que é

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neste contexto que a criança teve oportunidade de exercer o seu direito de expressão de sensações, sentimentos e emoções, que muitas das vezes passa pelo brincar, através das brincadeiras que tem com o grupo ou isoladamente. O contato com a brincadeira infantil foi maravilhoso, sobretudo porque possibilitou-me sentir toda a afetividade daquelas crianças, que num curto espaço de tempo, me abraçavam, prendavam com gargalhadas e me pediam “colinho” quando necessitavam de conforto.

A minha perceção foi que nas brincadeiras, por exemplo, na área da construção a forma como cada criança utilizava os diferentes brinquedos transparecia a forma de comunicação que ela utilizava com o gripo de “amiguinhos”. Os comportamentos que adotavam correspondiam em certa medida ao que estavam a sentir. Como por exemplo, um dia uma das crianças, não tinha dormido bem (quadro de tosse persistente e irritativa durante a noite), então durante o dia, apesar de brincar com os outros, apresentava-se muito mais irritada e chorava com mais facilidade, tendo uma das vezes recusado brincar (o não brincar já constituía forma de expressar o seu descontentamento!).

Como enfermeira especialista é importante reconhecer que o brincar é a linguagem natural da criança e no jardim-de-infância, esta linguagem é universal. A expressão de emoções, por intermédio dos jogos, da música, da expressão pelas artes plásticas e da expressão corporal, também é transversal às várias culturas que se encontravam dentro do mesmo espaço educativo. E o que é comum a todos estes momentos, que eu tive o privilégio de vivenciar, é que todos eles trazem na sua bagagem a espontaneidade e a autenticidade do ser criança, face à expressão do que sente num dado instante e que oscila à velocidade da sua capacidade para recriar, o seu mundo imaginário. Na sala havia uma criança que só falava espanhol e uma outra que tinha nascido num país de leste e o curioso é que não fiquei surpreendida com a facilidade com que tinham sido integradas no grupo, nem como se mobilizavam e participavam nas atividades educativas e nas brincadeiras livres. Em cada espaço de atividades da sala azul, cada criança de forma diferente, utilizava também a linguagem não-verbal para exteriorizar os seus sentimentos. Além disso, gostaria de salientar que as crianças que não estavam totalmente integradas no grupo da sala azul, durante as brincadeiras tornavam-se ativas e criativas, acabando por se relacionar com os outros e exteriorizando alegria e até afetividade pelos novos “amiguinhos”. É interessante que as crianças que estavam há menos tempo na sala foram as que de alguma forma não saiam de junto de mim… Tenho algumas dúvidas nesta avaliação, ainda assim arrisco-me a dizer que provavelmente

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esperavam que eu compreendesse o que elas estavam a sentir, porque ambos estávamos num contexto novo, estranho e que aos olhos da criança até poderia ter alguns traços de “ameaçador”, isto porque as normas e as regras da sala azul confrontam a criança, com novas rotinas (incute na criança mudanças e, como consequência, uma nova adaptação).

Outro aspeto a realçar é que através da brincadeira a educadora conseguia incutir algumas regras sem a criança ter consciência disso, através do reforço de comportamentos, havendo um respeito pelo espaço partilhado por todos. Outro exemplo, diariamente atribuía a duas crianças a tarefa de serem “ajudantes de sala”. Talvez seja pertinente esclarecer este papel! Um ajudante de sala ajuda na organização da sala, na distribuição de matéria antes das atividades, a conduzir a fila de amigos até ao refeitório, e ajuda a verificar a lista das presenças e, muito mais, ainda que sempre com a supervisão da auxiliar educativa e da educadora! Esta distribuição de papéis e de responsabilidades, em sala de aula, que representa “a comunidade” da criança contribuem impreterivelmente para o seu amadurecimento e crescimento enquanto pessoa. Muitas das vezes, é durante estas atividades que se consegue identificar algumas angústias, que a criança expressa emocionalmente, sobre a outra “comunidade” que existe fora do ambiente educativo, que é a família. E mais uma vez relembro a honestidade e sinceridade da criança que facilmente “conta tudo o que se passa na sua família”, pelo menos o que ela considera, aos seus olhos, encontrar-se dentro da normalidade. Um dos meninos contava que o pai tinha batido numa galinha. De imediato foi desencadeada uma onda de risada. A educadora aproveitou para falar com o grupo sobre os animais e contar uma história, em que a mensagem era em defesa dos animais. Durante este estágio o que pude também vivenciar foi a diferença entre os gêneros e as idades das crianças durante as brincadeiras, mais especificamente, o tipo de brincadeiras que adotam, de acordo com o seu desenvolvimento. Declaradamente, as meninas brincavam na área do faz de conta (imitavam as funções domésticas, das rotinas familiares) e os meninos na área da construção, dedicavam-se ao empilhamento de blocos e guiavam os carrinhos. Estas brincadeiras de escolha livre também possibilita à criança desenvolver a sua autonomia, escolha essa que tem uma evidente relação com o tipo de atividades que a criança é estimulada a desenvolver no seio da família.

Na minha opinião, é importante que o enfermeiro especialista desenvolva uma visão da realidade do ambiente educativo da criança, porque este fator tem a sua representação

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nas práticas do cuidar durante os processos de saúde e de doença. Assim, consegue visualizar a criança atendendo a aspetos físicos, psicológicos, sociais e emocionais da criança, garantindo o seu desenvolvimento integral.

Na prática o que verifiquei foi uma preocupação centrada e legítima na promoção de um ambiente facilitador do desenvolvimento da criança em que o brincar ocupava um lugar importante e prioritário nesta instituição educativa.

Posso chegar a algumas conclusões com este estágio. Brincar de fato é uma das principais atividades mais presentes na infância, em que a equipa educativa, neste caso os cuidadores da criança, possibilitam a construção e o desenvolvimento das capacidades e as potencialidades de cada criança. O que verifiquei o brincar permite que a criança desenvolva a sua autoconfiança, nas áreas do saber fazer e no treino repetido de algumas atividades, que lhe permitem desenvolver e adquiri novas competências. Se as instituições de educação forem organizadas em torno do brincar infantil, o que acaba por acontecer efetivamente é que a criança vai cumprindo os objetivos pedagógicos, através de um método voluntário, de estimulação da criatividade e participação da criança na tomada de decisão diariamente.

No documento Apêndices do Relatório (páginas 96-99)