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JORNAIS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE DE CUIDADOS INTENSIVOS PEDIÁTRICOS

No documento Apêndices do Relatório (páginas 122-125)

2.JORNAIS DE APRENDIZAGENS DA UNIDADE DE SAÚDE FAMILIAR

4. JORNAIS DE APRENDIZAGEM DA UNIDADE DE CUIDADOS INTENSIVOS PEDIÁTRICOS

O estágio numa unidade de cuidados intensivos pediátricos constituía para mim um desafio, dadas as características muito específicas deste serviço. Esperava confrontar-me com situações de doença muito específicas, onde a necessidade de cuidados altamente diferenciados era evidente. Na maioria das situações as famílias vivenciavam uma rotura na sua estrutura e no seu funcionamento, e facilmente verbalizavam sentir a perda de controlo da situação, em que o sentimento de impotência prevalecia. O sentimento de que a luta constante pela vida era comum, e a partilha de angústias, dúvidas e emoções de cada momento, fazia parte do dia-a-dia da unidade onde estagiei.

O que pude vivenciar é que a possibilidade de morte eminente da criança induz na família a necessidade de se reorganizar para elaborar estratégias de confronto face a todo o sofrimento inerente. O enfermeiro precisa estar atento para cuidar da criança e da família como um todo. Assim sendo, os cuidados que prestei nesta unidade não estiveram longe de considerar as necessidades específicas da criança, não havendo um distanciamento da filosofia dos cuidados não traumáticos.

De certo modo, o que me angustiava era a incapacidade temporária de comunicação da criança com o exterior, devido à sedação induzida, que estava inerente ao próprio tratamento da criança e ao seu estado clínico, com necessidade de suporte ventilatório. No entanto, a minha intervenção foi de encontro ao fomentado pela equipa de enfermagem, que passava pela promoção das capacidades parentais e da vinculação. Neste ambiente, facilmente também compreendi a cessação do investimento no desenvolvimento da criança, em detrimento da manutenção e investimento nas suas potencialidades físicas e fisiológicas, na luta pela vida e ausência da perda de funções com repercussões futuras. Contudo, com o objetivo de contribuir para a harmonia do ambiente ou para que os pais pudessem sentir-se integrados nos cuidados, pareceu-me coerente introduzir algumas atividades associadas ao brincar, como por exemplo, a leitura de um livro infantil.

No caso das crianças politraumatizadas percecionei, da parte da família, um sentimento de culpabilização pela situação crítica da criança. Nesta situação é bastante difícil gerir todos os sentimentos e emoções, que se vão completando com a evolução do estado de

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saúde da criança. Na maioria dos casos presenciei situações de acidentes domésticos de grande gravidade, em que a equipa ajudava a família no processo de aceitação, pois a sua parceria na recuperação da criança era fundamental. Aliás, segundo o defendido por Casey (1988), os pais constituem os parceiros ideais a integrar a equipa multidisciplinar. A mesma autora salienta que a criança é um ser vulnerável, dependente dos pais ou outros familiares. E é na família que se vivem os momentos extremos da vida: o nascimento e a morte, em que os elementos do grupo experimentam as emoções e os afetos extremos. E enquanto estudante, tive o privilégio de permanecer junto dos pais, partilhando os seus momentos de dor. Na azáfama de uma unidade de cuidados intensivos percebi que a disponibilidade para estar com o outro pode assumir-se como uma das estratégias mais valiosas da prestação de cuidados em enfermagem.

A criança a maioria das vezes tinha a família junto de si. E, muitas das vezes, tive oportunidade de observar a forma como cada pai ou mãe olhava para o seu filho. Com todos aqueles “tubos” e máquinas ao seu lado, em que o corpo estava parado, mas ia comunicando com o exterior através dos sinais naqueles monitores. O corpo representava visualmente a doença e a sua gravidade.

Na unidade face ao ambiente altamente tecnológico verifiquei que a criança e a família estão particularmente expostos a inúmeros fatores de stresse, como a exposição a um ambiente estranho, assustador e a ameaçador, em que os pais nem sempre podem estar presentes, em que existe a exposição a um número quase ilimitado de pessoas (por ser um serviço que dá apoio académico a estudantes de enfermagem e de medicina). Além disso, existe uma necessidade quase que constante de procedimentos invasivos e dolorosos, apesar das medidas farmacológicas de analgesia e de sedação. A incerteza do que acontece a cada instante era bem evidente para todos, para a família e para a equipa de saúde, em que a perda da sensação de controlo da situação tomava conta dos pensamentos de todos. É fácil concordar que se instala num só ambiente todas as condições de sofrimento emocional, em que as perdas são muitas e a integridade é questionada a todos os níveis.

Perante as características e as fragilidades deste ambiente de cuidados, a minha postura foi orientada para a compreensão de como o brincar poderia estar integrado nas práticas de enfermagem, com a finalidade de ser um instrumento de suporte na gestão do estado emocional da criança e sua família, que vivem esta experiência de intenso sofrimento. O brincar enquanto atividade de desenvolvimento humano é reconhecido pelo seu valor

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terapêutico na redução do medo, ansiedade, solidão, angústia de separação e é uma atividade atenuante dos stressores da hospitalização (Barros, 2003). A autora também defende que o brincar contribui para gerir a emocionalidade excessiva das crianças, que aumenta o sofrimento das experiências de doença. Num estudo de abordagem qualitativa Diogo (2006) concluiu que a atividade de brincar é um instrumento terapêutico primordial em enfermagem pediátrica, na medida em que favorece o bem-estar das crianças e, por isso, sugere ser um contributo importante para os resultados terapêuticos, ou seja, usado de modo intencional e sistemático promove a adaptação e aprendizagem das crianças numa experiência positiva de hospitalização.

Em suma, mesmo numa unidade de cuidados intensivos, a distração da criança é uma intervenção efetivamente importante para gerir as suas emoções e lidar com os procedimentos dolorosos. Os pais podem assumir este papel até porque estamos a contribuir para que os principais cuidadores sintam que são uteis e têm uma intervenção ativa, no acompanhamento e tratamento do seu filho. Além disso, esta participação pode contribuir para diminuir nos pais a sensação de impotência e de ausência de participação em todo este processo. Isto porque o estado crítico da criança, de algum modo, faz com que os pais sintam que não reúnem capacidades para ajudar os seus filhos nesta situação, que em grande parte coloca a hipótese da perda da criança, com o confronto de morte eminente, pela gravidade do diagnóstico.

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No documento Apêndices do Relatório (páginas 122-125)