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Capítulo I: Educação para a diversidade

2. Língua, identidade e cultura

2.3. Cultura

“O homem é (…) um ser plenamente biológico, mas, se não dispusesse plenamente da cultura, seria um primata do mais baixo nível. A cultura acumula em si o que é conservado, transmitido, aprendido, e comporta normas e princípios de aquisição” (Morin, 1999, p. 52)

De acordo com Cardoso (1998) a generalidade das perspetivas de educação intercultural mantém referências numa conceção tradicional e estática de cultura. Assim, numa visão tradicionalista, a cultura é entendida como “um conjunto de características materiais e espirituais, mais ou menos imutáveis, atribuídas a um grupo de pessoas que as mantêm e transmitem de modo semelhante de geração em geração” (Cardoso, 1998, p. 23). Assim sendo, a cultura no sentido estático está fechada em si própria, concentra-se nas diferenças culturais, subvalorizando o que de comum existe entre elas.

Contudo, como já foi mencionado neste trabalho, vivemos cada vez mais numa sociedade complexa e diversificada. Como tal, “as pessoas das diversas etnias têm, evidentemente, características culturais próprias que as identificam e distinguem, mas interagem, entre si com base em elementos culturais que lhes são comum” (Cardoso, 1998, p. 23). Assim sendo, é importante valorizar essas características culturais não permitindo que as minorias étnicas sejam descriminadas. É neste contexto que Cardoso (1998) define cultura como uma construção comum, em constante alteração, contribuindo diversas culturas e comunidades para essa alteração, podendo levar a que as diferenças sejam respeitadas e os princípios e elementos comuns às diferentes culturas valorizados.

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De acordo Perotti (1997, p. 48) cultura “corresponde a uma estrutura complexa e interdependente de conhecimentos, de códigos, de representações, de regras formais ou informais, de modelos de comportamento, de valores de interesses, de aspirações, de crença, de mitos”. Neste sentido, Henze e Hausser (1999 in Morgado e Pires, 2010), afirmam que a cultura é o modo como as pessoas produzem sentido nas suas próprias comunidades e configuram atitudes e comportamentos a partir de uma rede de sentidos. Sendo assim, certos modos de pensar e agir numa cultura só farão sentido para um indivíduo se esse mesmo indivíduo pertencer a essa cultura. Completando a ideia anterior, a cultura concretiza-se nas práticas e nos comportamentos quotidianos como, por exemplo, no vestuário, na culinária, nos modos de habitat, nas posturas corporais, nos tipos de relações, na organização familiar e nas práticas religiosas (Perotti, 1997). Neste sentido, a Declaração universal sobre a

diversidade cultural afirma que a cultura é um combinado de

“traços distintivos espirituais e materiais, intelectuais e afetivos que caracterizam uma sociedade ou um grupo social e que abrange, além das artes e das letras, os modos de vida, as maneiras de viver juntos, os sistemas de valores, as tradições e as crenças” (Unesco, 2002, p.1). Banks e McGee (1989 in Morgado e Pires, 2010), acrescentam que a cultura não se limita a um conjunto de elementos culturais alcançáveis, mas constitui um conjunto de estratégias que os membros de um grupo usam para interpretar, usar e compreender. São, segundo estes autores, os valores, os símbolos, as interpretações e perspetivas que distinguem um povo de outro nas sociedades modernas. Assim sendo, as pessoas dentro de uma cultura interpretam geralmente o sentido das representações, artefactos e atitudes do mesmo modo ou de modo semelhante.

Resumidamente,

“a cultura cobre o viver e o fazer. A génese desta estrutura complexa opera-se nas transformações técnicas, económicas e sociais próprias de uma determinada sociedade no espaço e no tempo. Ela é o resultado do encontro entre três protagonistas da vida: o homem, a natureza e a sociedade”

(Perotti, 1997, p. 48).

Finalizando, entendemos que a cultura não é estática e que se desenvolve ao longo do tempo, sendo observada como um modo de vida de uma coletividade, compartilhando princípios, convicções, práticas, hábitos, entre outros. Revelamos ainda que, tal como afirma Morin (1999), o homem apenas se realiza inteiramente como ser humano pela cultura e na cultura e, como tal, todas as culturas devem ser respeitadas e valorizadas.

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Neste sentido, sendo a escola a instituição por excelência que recebe crianças de diferentes culturas, esta tem de estar preparada para a diversidade linguística e cultural, desenvolvendo as potencialidades de cada criança. A educação para a diferença poderá dar resposta à diversidade cultural presente nas escolas. Os educadores devem ter em conta um ensino não só dirigido ao conhecimento mas também à opção por atitudes e comportamentos que permitam desenvolver nas crianças atitudes de aceitação, valorização e respeito pela diferença e pelo outro. Sendo assim, no projeto que apresentaremos no capítulo III, iremos ver como tentámos colocar em prática o desenvolvimento de atitudes e de comportamentos positivos nas crianças face à diferença.

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Em Síntese…

A educação inclusiva esteve durante muito tempo associada somente à educação especial. Assim, os alunos que possuíam algum tipo de “deficiência” eram inseridos num grupo de alunos com necessidades educativas especiais. Atualmente entende-se que as crianças são diferentes entre si e que a diferença proporciona um ambiente de maior aprendizagem. Por isso, as crianças devem ser integradas numa mesma classe, participando na sua própria aprendizagem e desenvolvendo as suas competências.

Ao longo deste capítulo verificamos que o direito à educação, à diversidade e à diferença é um direito fundamental. A educação para a diversidade linguística e para a diferença assume-se como um meio promotor das aprendizagens essenciais à participação na sociedade, à convivência com o outro e ao desenvolvimento pessoal, permitindo apaziguar a pobreza e outros tipos de exclusão. Como vimos neste capítulo, este direito continua a ser negado a muitas crianças em todo o mundo, especialmente na África Subsariana, na Ásia Meridional/Ocidental e na Ásia Oriental/pacífico. Atualmente existem ainda crianças sem acesso à educação e a cuidados básicos na primeira infância e mesmo as que têm acesso à educação, muitas vezes usufruem de uma educação de baixa qualidade.

Como foi possível verificar neste capítulo, com a alteração da composição da sociedade torna-se essencial pensar numa educação inclusiva, que valorize a diversidade de características das crianças, nomeadamente a sua identidade linguística e cultural, e que procure promover o desenvolvimento de competências conducentes ao diálogo, ao respeito e à paz. A educação inclusiva é uma educação que valoriza as diferenças das crianças, bem como as suas línguas e culturas, encarando-as como instrumentos essenciais na transformação do mundo.

Foi tendo em conta esta realidade que realizámos um projeto de educação para a diversidade linguística e para a diferença, ajudando as crianças a refletir sobre a diferença e a diversidade linguística. Como se poderá observar no capítulo que se segue, os livros podem desenvolver nas crianças saberes e capacidades essenciais para a sua inserção futura na sociedade. Por isso, neste projeto em que se pretendeu educar para a diversidade linguística e para a diferença, utilizámos como estratégia a literatura infantil, por intermédio da animação de leitura. Para a realização deste projeto foi-nos essencial aprofundar o nosso conhecimento no âmbito da literatura infantil e da animação de leitura, passando a apresentar este conhecimento no capítulo que se segue.