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Capítulo I: Educação para a diversidade

2. Língua, identidade e cultura

2.1. Língua

De cordo com Lara Nasi (2007) o conceito de língua ultrapassa distintas abordagens teóricas, e não existe concordância relativamente à sua definição. Assim, de modo a compreendermos por que é que a definição de língua não é consensual, apresentamos resumidamente a perspetiva da Gramática Normativa relativamente ao conceito de língua e a perspetiva de Saussure, tendo por base o trabalho elaborado por Nasi (2007).

Observando o conceito de língua na Gramática Normativa, começamos por analisar o que o autor Napoleão Mendes de Almeida afirma. Para Almeida (1960, p. 22) a língua é comparada à linguagem sendo que a linguagem é um dom comum a todos os indivíduos, embora nem todos comuniquem com as mesmas palavras. O meio de comunicação utilizado pelos seres humanos que poderá ser feito através de sons produzidos pelo nosso aparelho fonador, sinais, gestos, entre outros, é a linguagem. Por outro lado, “o conjunto de palavras, ou melhor, a linguagem própria de um povo chama-se língua ou idioma” (Almeida, 1960, p. 22). Como se pode verificar nesta definição, o conceito de língua é diferente do conceito de

linguagem sendo este um “processo [que] se repete em inúmeras ouras gramáticas” (Nasi,

2007, p. 2).

Também Cunha e Cintra (1984) diferenciam língua de linguagem. O conjunto de sinais que servem de meio de comunicação entre os indivíduos, Cunha e Cintra (1984) designam de linguagem. A língua é “um sistema gramatical pertencente a um grupo de indivíduos. Expressão da consciência de uma colectividade, a língua é o meio por que ela concebe o mundo que a cerca e sobre ele age” (Cunha & Cintra, 1984, p. 1). Em 1999, 14 edições depois da 1ª edição da sua gramática, a definição de língua apresentada por Celso e Cunha (1999) era ainda a mesma que a anterior, afirmando que a língua não pode ser imutável, vivendo em constante evolução, lado a lado com o organismo social que a criou. Assim, tanto na definição apresentada por Almeida (1960) como na definição apresentada por Cunha e Cintra a língua é observada como um fator que possibilita a concretização da linguagem.

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A língua pode ainda ser dividida em duas possibilidades: a língua histórica e a língua funcional (Bechara, 2009, p. 30). Quando nos referimos a uma língua histórica referimo-nos a uma língua que resulta de um “produto cultural histórico, constituída como unidade ideal, reconhecida pelos falantes nativos ou por falantes de outras línguas, e praticada por todas as comunidades integrantes desse domínio linguístico” (Bechara, 2009, p.3). Exemplos de uma língua histórica são a língua portuguesa, a língua espanhola, a língua alemã ou a língua latina, que encerram em si diversas tradições linguísticas e historicamente relacionadas (Bechara, 2009). A língua funcional é uma língua que descreve uma “realidade homogénea e unitária” onde uma gramática, por exemplo, não pode ser o espelho da língua histórica mas sim apenas uma descrição de uma das suas línguas funcionais (Bechara, 2009, 33). A língua funcional baseia-se na norma ou pela forma linguística utilizada por elementos influentes na sociedade, como por exemplo a rádio, a televisão, os jornais, entre outros.

Pelo que vimos até ao momento, língua diferencia-se de linguagem sendo considerada pelos gramáticos como um sistema. No entanto, na linguística a língua ocupa uma outra posição.

Também de acordo com Saussure (1977) a língua não se confunde com linguagem, sendo a mesma uma parte essencial da linguagem. A língua é “ao mesmo tempo um produto social da faculdade da linguagem e um conjunto de convenções necessárias, adoptadas pelo corpo social para permitir aos indivíduos o exercício desta faculdade” (Saussure, 1977, p. 34). A língua é portanto uma instituição social, sendo que esta “existe na coletividade de uma série de marcas depostas em cada cérebro, mais ou menos como um dicionário de que todos os exemplares, idênticos; estivessem repartidos entre os indivíduos” (Saussure, 1977, p.49).

Tendo em conta as afirmações de Saussure (1977) entende-se que “os sujeitos, individualmente, não podem criar uma língua, ou mesmo modificar uma já existente.” (Nasi, 2007, p. 4). Assim, percebemos que Saussure vem acrescentar um novo modo de pensar a língua, pois não se limita a considerar a mesma como um conjunto de signos, considerando- a facto social.

Varó e Linares (2004), por exemplo, nas diferentes definições de língua que expõem, apresentam a definição de Saussure que mencionámos anteriormente. O Dicionário de

termos linguísticos (2015) também define língua tendo por referência Saussure, pois afirma

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de signos partilhado por uma comunidade de falantes”. Também Ançã (1999), apoiada em Saussure definiu a língua como um sistema uniforme que estrutura a fala, sendo a língua a atualização da própria fala.

Alguns linguistas modernos introduzem novas questões para pensar a língua, apresentando-a como um instrumento de comunicação ou como um código que permite que se estabeleça a comunicação entre os sujeitos. No entanto, é necessário frisar que apesar de a língua ser um instrumento de comunicação, esta não é um instrumento qualquer já que entra na própria constituição do pensamento e do conhecimento e na constituição das relações sociais, assim como na construção das identidades (Andrade, 1997, p. 28).

Poderemos afirmar que é certo que “a pluralidade de concepções de língua permite, dentre outras coisas, que aceitemos a diversidade de pontos de vista, bem como de concepções das noções de fala, de escrita de comunicação, dentre outras” (Nasi, 2007, p. 7), ou seja, que aceitemos a diferença.

O Conselho da Europa (2001, p.25) tem vindo a afirmar que a língua é um aspeto fundamental da cultura, pois é um meio de acesso a manifestações culturais. Na mesma linha de pensamento, o relatório da Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência

e a Cultura (2009) diz que as línguas são mensageiras das nossas experiências, dos contextos

em que vivemos, tanto a nível intelectual como cultural, bem como do modo como nos relacionamos com outros seres humanos. Ainda segundo este documento, as línguas não são apenas uma forma de comunicação, representando a própria estrutura das expressões culturais, elas são portadoras e construtoras de identidade, valores e conceções do mundo.

O mundo em que vivemos é um mundo complexo, contudo, a maioria das línguas continuam delimitadas a espaços pequenos e maioritariamente ligadas a uma determinada cultura. As línguas dominantes exercem poder sobre as outras, existindo falantes, especialmente os jovens, que tendem a demarcar a sua identidade, comunicando através de uma língua de maior comunicação. Tal situação provoca, ao fim de várias gerações, a perda de línguas e, por sua vez, da diversidade cultural que estas representam (Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura, 2009, p. 13).

Como já referimos é essencial proteger e promover as línguas de interesse local, uma vez que as mesmas são um meio de diversidade cultural. Muitos dos aspetos da cultura dependem, pois, da língua para serem construídos e partilhados.

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No entanto, a língua não pode ser assumida como cultura. Basta pensarmos na existência de diferentes grupos culturais, portadores de conceções do mundo diferentes mas que falam o mesmo idioma (Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura, 2009, p. 14). No sentido de proteger as línguas minoritárias, importa-nos esclarecer quais as causas da perda de línguas. Assim, existem várias razões que podem pôr em causa a saúde das línguas. Estas podem ser de origem externa, interna ou de ambas. Exemplificando, as razões de origem externa devem-se a causas como a globalização, pressões políticas, vantagens económicas, entre outras; se uma determinada comunidade apresentar uma atitude negativa relativamente à sua língua, como por exemplo a não valorização da sua língua, então estamos perante uma razão de origem interna (Organização das Nações Unidas para a Educação a Ciência e a Cultura, 2009, p. 14).

Se temos vindo a falar no risco de extinção de várias línguas, convém ressalvar que existe uma forma de facilitar a comunicação entre as pessoas de diferentes culturas e, por sua vez, de contribuir para a sobrevivência de línguas em perigo de desaparecerem. Trata-se de desenvolver nos indivíduos a capacidade de utilizar várias línguas, ou seja, o plurilinguismo. A par do plurilinguismo, segundo a Organização das Nações Unidas para a Educação (2009), que não é capaz de evitar todas as barreiras linguísticas, defende-se a tradução como meio de atravessar pontes que liguem as diferentes comunidades.

O plurilinguismo, segundo o Conselho da Europa (2001, p. 23), distingue-se de multilinguismo. O multilinguismo, segundo este documento, permite a coexistência de diferentes línguas numa determinada sociedade. Este documento afirma que se pode chegar ao multilinguismo apenas diversificando a oferta de línguas numa escola. Já o plurilinguismo desenvolve nos sujeitos não apenas a aptidão de empregar várias línguas mas também, tal como afirma o Conselho da Europa (2001, p.23), a capacidade de empregar estratégias para comunicar tendo em conta as competências que detêm. Assim sendo, as línguas não ficam armazenadas em compartimentos mentais rigorosamente separados quando a abordagem plurilingue é feita. Quer isto dizer que, na abordagem plurilingue, se constrói uma competência comunicativa plural. A competência comunicativa é, segundo Andrade (1997), muito mais do que um conhecimento gramatical ou um simples saber. Trata-se de possuir a capacidade de mobilizar e de usar esse mesmo saber através da integração de conceitos concretos no discurso, da avaliação e realização de modos de resolução de problemas comunicativos, negociando a construção da mensagem.

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Assim sendo, tal como afirma Isabel Alarcão no prefácio do livro de Andrade & Araújo e Sá (1992) quando um aluno inicia a aprendizagem de uma língua estrangeira, este já possui conhecimentos e experiência sobre “a realidade língua” e é a partir daí que o aluno vai construir o seu saber em outra (s) língua (s). É progressivamente que o aluno vai pondo em prática a (s) língua que está a conhecer e de que dispõe, utilizando-a (s) e exercitando-a (s). Por isso, segundo a mesma autora, aprender uma língua implica pôr em prática uma série de capacidades de que o aluno é possuidor, tais como a observação, a verificação, a generalização, a indução, a memorização, entre outras.

Resumido, as línguas naturais (linguagem verbal) são instrumentos de revelação cultural e de transmissão de significados. É importante que as línguas sejam preservadas pois com elas se preserva a diversidade cultural. Por isso mesmo, é relevante desenvolver nas pessoas a capacidade de falar várias línguas. A educação para a diversidade desempenha um importante papel no desenvolvimento de atitudes de valorização de todas as línguas e, consequentemente, da diferença.