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Capítulo I: Educação para a diversidade

2. Língua, identidade e cultura

2.2. Identidade

Diferentes áreas das Ciências Sociais e Humanas têm estudado os processos de identidade dos indivíduos ao longo da Modernidade, uma vez que a busca da identidade sempre foi uma das ambições do ser humano (Borba, 2001). Como afirma Vaz (2006) “a ideia de identidade é intrínseca à própria natureza humana” (p. 34).

Oficialmente, o bilhete de identidade é um documento que nos identifica com base numa série de características, no entanto, a identidade de um indivíduo não se limita a estas características (Vaz, 2006). A nossa identidade é algo mais completo não se delimitando a um conjunto de características patentes nos documentos oficiais, nomeadamente o nome completo, a idade, a impressão digital, entre outros. Neste sentido, segundo Patrício (2008, p. 424) identidade significa “mesmidade” ou seja, significa ser-se idêntico a si, e só a si, mesmo. Por isso gémeos iguais, apesar de serem iguais fisicamente, têm a sua própria identidade. Contudo, apesar de identidade significar unicidade, esta supõe que falemos do outro quando comparamos a identidade de alguém com a de uma outra pessoa. Deste modo identidade opõe-se a alteridade (Patrício, 2008).

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Frequentemente, no nosso dia-a-dia, é comum encontrarmos semelhanças no outro que faz com que nos identifiquemos com outro sujeito. Tal situação acontece pois percecionamos na outra pessoa características que observamos em nós (Vaz, 2006). Por isso, o antagonismo é, realmente, uma das características da identidade, já que “[nos] identificamos com aqueles que têm as mesmas características que nós, por oposição àqueles que partilham características distintas (reais ou imaginárias), por oposição aos outros” (Vaz, 2006, p. 37). Assim sendo, identidade e diferença são conceitos interdependentes e indissociáveis. Se dissermos “eu sou português” damos a ideia de que nos referimos apenas a uma identidade e, no entanto, só necessitamos de fazer tal afirmação porque existem outros seres humanos que não são portugueses (Silva, Hall & Woodward, 2000).

De acordo com Nóvoa (1992, p. 115) “compreender como cada pessoa se formou é encontrar as relações entre as pluralidades que atravessam a vida. Ninguém se forma no vazio. Formar-se supõe troca, experiência, interacções sociais, aprendizagens, um sem fim de relações”. Nesta afirmação, Nóvoa (1992) transmite que é neste “processo de formação” que a identidade de um sujeito se constrói, se forma e se transforma nas interações. Outros autores corroboram esta ideia, nomeadamente Vieira (1999) e Borba (2001). Para Vieira (1999, p. 18) “a identidade não é um facto ou uma estrutura estática, mas antes, um processo dinâmico onde os outros interagem connosco, com o nós, com o eu, e os reconstroem”. Para completar esta frase, Vieira (1999, citando Marques, 1998) diz que o mundo não é constituído apenas por nós mas também pelas “terceiras pessoas” de que pouco sabemos mas que um dia influenciam a nossa forma de ver o mundo ou são influenciadas por nós. Borba (2001) também afirma que a identidade nunca está acomodada e terminada sendo na relação com o outro que o sujeito se reconhece. Como diz “a identidade se dá na interação social, situando as pessoas e as instituições” (Borba, 2001, p.35).

Contudo, a identidade do sujeito nem sempre se definiu desta forma. Tal afirmação pode ser verificada no livro de Hall (2001) que distingue três conceções de identidade, nomeadamente a conceção de identidade do sujeito do Iluminismo (séc. XVIII), a conceção do sujeito sociológico (1.ª metade do séc. XX) e a conceção do sujeito pós-moderno (meados do séx. XX). No Iluminismo, o sujeito detinha uma identidade unificada e estável, mantendo- se assim para toda a sua vida (Hall, 2001). De acordo com Hall (2001), mais tarde veio-se a perceber que o mundo estava a complexificar-se sendo a conceção de sujeito sociológico reflexo dessa consciência. Assim, na conceção de sujeito sociológico, passou a entender-se

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que a identidade era construída nas interações entre o sujeito e a sociedade, embora o sujeito ainda tivesse um “interior” (Hall, 2001). Contudo, atualmente, a ideia de que existe apenas uma identidade está sendo questionada. Assim, “o sujeito previamente vivido como tendo uma identidade unificada e estável, está se tornando fragmentado; composto não de uma única, mas de várias identidades, algumas vezes contraditórias ou não- resolvidas” (Hall, 2001). Vaz (2006) corrobora esta afirmação afirmando que a identidade é um processo múltiplo, uma vez que é possível identificarmo-nos ao mesmo tempo com vários grupos. Portanto, “falar de identidade é falar assim de complexidade dialética. De construção dinâmica, de constante reestruturação- constante metamorfose- para um novo todo” (Vieira, 1999, p. 40). Assim sendo, o sujeito pós-moderno é um sujeito que não detém uma identidade fixa, mas antes uma variedade de identidades que se cruzam.

Nesta linha de pensamento, Vieira (1999) afirma que, com a modernidade e com o desenvolvimento dos meios de comunicação, o sujeito fica desde cedo submetido a disputas culturais com a cultura de origem: “a cultura do berço, do lar, da infância,” o que dá origem a transformações na sua identidade individual. A esta transformação da identidade Vieira (1999) designa de “metamorfose” o que reflete a ideia de que os indivíduos estão sempre em permanente reconstrução, mesmo que não tenham consciência disso.

Posto isto, a identidade “não é um dado adquirido, não é uma propriedade, não é um produto. A identidade é um lugar de lutas e conflitos, é um espaço de construção de maneiras de ser e de estar” (Nóvoa, 1992, p. 16). Além disso, a identidade alonga-se num projeto que pode ser individual ou coletivo se falarmos em identidades sociais e culturais ou identidades pessoais (respetivamente) (Vieira, 1999). A identidade social não pode, no entanto ser dissociada da identidade pessoal pois a identidade pessoal compõe também a perceção aparente que um sujeito tem da sua identidade (Lianski, 1990 in Nóvoa, 1992). Portanto, a identidade pessoal é “um sistema de múltiplas identidades e encontra a sua riqueza na organização dinâmica dessa diversidade” (Nóvoa, 1992, p. 115). Na linha de pensamento de Lianski, Vieira (1999, p. 47) afirma que a identidade pessoal não é a propagação de um “modelo decalcado” do grupo social inicial, ou seja, os contactos que o indivíduo estabelece com o outro afetam a construção da sua identidade. Assim sendo “o indivíduo acede à consciência de si, por diferenciação dos outros e assimilando a identidade do grupo que designa e identifica como seu” (Vieira, 1999, p. 42).

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Face ao exposto, concluímos que a identidade está em constante modificação sendo, por isso inacabada. O sujeito constrói a sua identidade na relação com o outro, adaptando- se ao contexto em que se encontra. Por isso, uma outra característica da identidade é a sua flexibilidade pois o sujeito é capaz de se moldar à situação em que se encontra.

Como se poderá observar, no projeto realizado, a literatura infantil permite desenvolver nas crianças a consciência de si, por diferenciação do outro, reconhecendo a sua identidade linguística e cultural e a do outro.