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CAPÍTULO III- CURRÍCULO EM PERSPECTIVAS

3.4 Currículo, abordagem, postura e perspectiva

A análise aqui apresentada sobre a abordagem acadêmica de currículo está inserida nos anos 1960 a 1980, época em que os EUA e a então União Soviética disputavam o poder fundamentalmente à base da ideologia. Encerrada a segunda grande guerra mundial, os dois países, os EUA capitalista e a União Soviética socialista, ostentavam um poderio militar único.

Os planejadores governamentais mudaram suas prioridades. As crises de disputas nacionais, econômicas e sociais tornaram-se mais importantes do que a rivalidade científica com os soviéticos. Consequentemente, as verbas foram redimensionadas para os projetos que contemplavam novas preocupações sociais, tais como, educação multicultural, educação para a carreira profissional, alfabetização funcional e para os elaboradores de currículo que trabalhavam fora das disciplinas tradicionais. (MCNEIL, 2016a, p. 01).

Os especialistas que trabalhavam com a educação passaram o foco do currículo para a aprendizagem e estes conteúdos deveriam ser priorizados. A ênfase em um currículo acadêmico parecia ganhar força, sendo seu eixo norteador o conhecimento. Para McNeil (2016a), os especialistas em currículo acadêmico criam em um conhecimento mais intelectualizado e

fundamentado primordialmente pelas disciplinas de língua e literatura, matemática, ciências naturais, história, ciências sociais e belas artes. Ou seja, há uma preocupação por um conhecimento ampliado e abrangente.

O currículo, por volta dos anos de 1960, segue uma performance de resolver problemas, de partir de conceitos chaves que seguiam princípios e métodos de investigação. Assim, McNeil (2016a) observa quatro características baseadas nos seguintes argumentos:

1- Maior valor na cultura popular e investimentos em cientistas preparados; 2- Aprofundamento no conteúdo essencial que possa levar ao novo;

3- Valorização no processo do conhecimento e não no fim; 4- A disciplina deve ser organizada e eficiente.

O currículo parecia seguir por uma abordagem de reconceitualização em todas as áreas de conhecimento e as matérias foram revestidas de outros enfoques metodológicos, ou seja, de atualizações dos conteúdos em geral. Mas, apesar de haver boa vontade, o resultado da renovação de um currículo mais intelectual, focado no conhecimento, não foi exitoso em sua totalidade. Os professores tiveram dificuldades em orientar e concretizar a proposta de currículo acadêmico e científico, o que se viu nos anos de 1970 foi a debilidade da proposta se diluir e perder a credibilidade.

Desta forma, em 1980 o currículo acadêmico volta ao cenário, agora mais focado em fomentar a articulação entre as partes integrantes do passado, do presente e do futuro do conhecimento. O exemplo trazido por McNeil (2016a) é a de Harvard, que teve o intuito de esclarecer o entendimento de que o conhecimento não é algo capaz de ser transmitido, mas, sim, de ser clarificado pelos alunos que poderão compreender os métodos empregados para desenvolver uma disciplina, por exemplo.

O que se percebe são núcleos curriculares obrigatórios que precisam ser seguidos por todos os alunos. Assim, para McNeil (2016a), o currículo acadêmico parece se desdobrar em três vieses. O primeiro dispensa a memorização e defende um aprendizado fortalecido em evidências, que saiba diferenciar e considerar as diferentes interpretações, a partir de pesquisas realizadas anteriormente que possam defender seus entendimentos. O segundo viés trata dos estudos integrados, estes “Estudos integrados representam um termo genérico aplicado a qualquer esforço de desenvolvimento do currículo no qual duas ou mais matérias previamente separadas são combinadas” (MCNEIL, 2016a, p. 06). E o terceiro viés propõe a volta ao

currículo básico com um eixo temático que fortalece o aprendizado da leitura, da escrita de solução de problemas.

Assim, de acordo com as determinações da tendência do currículo, estas se relacionam como finalidade, método, organização e avaliação. Como finalidade de um currículo são definidas as estratégias para o desenvolvimento racional da mente de forma que se consiga aproveitar ao máximo a capacitação dos alunos para a utilização das ideias na resolução de problemas. Por método curricular se compreende a ordenação das ideias a serem otimizadas de forma a “validar as verdades nas diferentes disciplinas”. (MCNEIL, 2016a, p. 9). A organização curricular pode ser concentrada, integrada, correlata e voltada para a solução de problemas e no interior das disciplinas os princípios organizacionais são feitos de forma linear e lógica. Por fim, a avaliação no currículo acadêmico pode ser entendida como processo mais amplo, pois o aligeiramento de uma avaliação pode perder o sentido e captar apenas habilidades simples e não entendimentos vivenciais (MCNEIL, 2016a).

O autor também evidencia algumas questões sobre o currículo acadêmico entendido como disciplina. Uma questão trazida por McNeil (2016a) sobre o academicismo no currículo ou do currículo acadêmico é o fato de um currículo que tem a disciplina como o foco que perpassa todo um curso, por exemplo. Há certo distanciamento entre quem organiza e apresenta o currículo e quem o utiliza.“O fato de que os professores, frequentemente, não estão dispostos ou são incapazes de executar os planos curriculares dos especialistas acadêmicos com o entusiasmo e insight pretendidos está relacionado com esta crítica”. (MCNEIL, 2016a, p. 12- 13).

Neste ponto, percebe-se que o academicismo no currículo tem proporcionado um desencontro entre o que a educação propõe como finalidade e quais são os caminhos que esta precisará trilhar para alcançar os objetivos. O currículo como disciplinas dificulta a percepção de um todo amplo, pois a separação pode contribuir para certa divisão disciplinar vazia. “Os alunos, deste modo, ficam incapacitados de relacionar uma disciplina com outra e de ver como o conteúdo de uma disciplina pode contribuir para a solução de problemas complexos da vida moderna não solucionáveis por uma única disciplina”. (MCNEIL, 2016a, p. 14).

Nestes termos, o autor reage dizendo que uma proposta de currículo minimante significativa para a educação precisaria se preocupar com as questões que podem ser duradouras e ainda com a ordem e o rigor do que é real como o cotidiano do ser humano. Desta forma, parece haver uma percepção da necessidade de um currículo que relacione o aprender e o ensinar como uma opção viável para a educação em que os conteúdos sejam integrados e viabilizem a resolução dos problemas existentes na sociedade como um todo.

Por outro lado, o currículo humanista apresentado por McNeil (2016b) tem o propósito de descentralizar o foco do academicismo disciplinar do currículo para o sujeito da educação. Neste modelo de currículo, há maior preocupação em formar o sujeito da maneira mais integral possível. Neste âmbito, haveria uma educação mais voltada para a conjunção de um sujeito com aptidões técnicas que também tenha ética.

Atitudes mais sadias em relação ao próprio eu, aos pares e à aprendizagem, estão entre as principais expectativas dos humanistas. O ideal da pessoa auto- realizadora constitui o cerne do currículo humanista. Tal pessoa não é apenas alguém friamente cognitivo, mas também desenvolvida nos aspectos estéticos e morais; enfim, alguém que faz bons trabalhos e tem bom caráter. (MCNEIL, 2016b, p.2).

A percepção sobre o currículo humanista, neste sentido, apresenta características para um ensino e uma aprendizagem amparados em experiências vivenciadas ao longo do processo educacional. Não se considera uma experiência em detrimento de outra, pois o sujeito aprende com seus erros também, assim, o ensino e a aprendizagem são construídos tanto emocionalmente como tecnicamente. O currículo humanista não desconsidera nenhuma possibilidade e precisa ser compreendido como uma forma de valorizar as ações do sujeito e não de proteção deste, pois as metodologias que não focam neste entendimento podem ser percebidas em qualquer modelo de currículo.

Por isso mesmo é que, para McNeil (2016b, p. 4), o currículo humanista trabalha a individualidade do sujeito proporcionando-lhe vivenciar as experiências boas e ruins, pois, na construção do conhecimento, “O aluno, frequentemente, é ensinado a distinguir os fins dos meios”.

O currículo humanista opta por algumas estratégias que possam oferecer autoconhecimento ao sujeito de forma a possibilitar-lhe planejar, executar e avaliar as experiências com o ensino e a aprendizagem. Assim, o processo de ensinar e aprender precisa ser compreendido desde o seu início até o final, entretanto, é preciso o engajamento dos sujeitos aluno e professor para que o ensino e aprendizagem sejam o foco neste modelo de currículo.

Nestes termos, o currículo humanista parece ser interessante, mas também são recorrentes algumas críticas como a atuação do professor como um juiz que arbitra no processo do ensino e aprendizagem; a supervalorização do ego do sujeito aprendiz e ainda o não foco em um processo mais coletivo e político na produção do conhecimento.

Além dos modelos de currículo acadêmico e humanista, McNeil (2016c, p. 2) também discorre sobre o currículo reconstrucionista social em que “os alunos devem ver como a sociedade torna as pessoas de determinado modo, e descobrir modos para satisfazer as

necessidades pessoais através do consenso social”. A forma reconstrucionista de currículo fora percebida à época como uma possibilidade democrática de reunião entre a população em torno de objetivos comuns.

Para McNeil (2016c), era preciso haver união entre os agentes da educação com a população em geral em prol de uma organização que exigisse a aplicabilidade de uma política voltada para a reconstrução social. Para isso, todas as medidas necessárias para o funcionamento desse modelo de currículo deveriam ser organizadas, aprovadas e decretadas com e na sociedade.

A âncora desse modelo de currículo reconstrucionista social segue duas vertentes, da pressuposição de que a desordem é universal e o aluno precisa estar inserido nesta espécie de caos e este poderá vivenciar as mais diferentes experiências necessárias para o desenvolvimento da humanidade; este modelo de currículo também apresenta alguns questionamentos necessários para o entendimento da capacidade da força do ser humano, da possibilidade do trabalho coletivo e ainda a organização das instituições políticas e econômicas em prol de acesso aos diferentes recursos físicos e humanos (MCNEIL, 2016c).

Assim, os objetivos esperados com o currículo reconstrucionista social estão voltados para uma ampliação na capacidade da atuação política de toda a comunidade de forma que haja uma melhora na qualidade de vida da classe trabalhadora. Um exemplo trazido no texto diz respeito ao trabalho realizado por Paulo Freire, a partir do desenvolvimento da capacidade de atuação de cada ser humano. Uma forma apresentada de trabalhar com a reconstrução social seria fazendo o sujeito se perceber capaz de entender e tentar resolver as suas adversidades, seria a presença da conscientização.

Conscientização é o processo pelo qual as pessoas, não como recipientes mas como alunos ativos, adquirem uma profunda consciência tanto da realidade sociocultural que modela suas vidas como de suas habilidades para transformar esta realidade. Isso significa estabelecer as pessoas acerca dos obstáculos que as impede de terem uma percepção clara da realidade. (MCNEIL, 2016c, p. 5).

O exemplo trazido por McNeil (2016c) sobre Paulo Freire reitera o trabalho realizado por este estudioso com adultos. Os adultos analfabetos eram convidados a perceberem e a não aceitarem a subserviência ao sistema social imperante. Essa forma de o docente intermediar o processo do conhecimento até o aprendiz é considerada uma forma de instigar a criticidade consciente no adulto. E essa atuação pode ser utilizada com o aprendiz nas mais diferentes idades, pois, neste formato de currículo, o ensino e a aprendizagem são percebidos como

processo de construção do conhecimento, em que o aprendiz não absorve indiferente o conteúdo como verdade absoluta, mas, sim, é convidado/desafiado a olhar criticamente para o que lhe é ensinado. (FREIRE, 2000).

Dessa forma, os reconstrucionistas sociais acreditam que a sociedade poderá se organizar e pensar um currículo que abranja a maior quantidade de adesão de propostas emanadas do povo. Assim, as propostas de pensar o currículo dependeriam da sociedade como um todo, ou seja, não somente os professores, mas também os pais, os alunos e a comunidade escolar precisam formar uma unidade em prol de uma reconstrução social crítica.

Neste preceito, McNeil (2016d) discorre sobre outro modelo de currículo abalizado pela tecnologia. A tecnologia em currículo entraria como uma forma de efetivar programas e metodologias previamente organizadas para a educação. Para o autor, é importante ter-se consciência sobra a utilização da tecnologia de forma a haver um melhor aproveitamento destes métodos e técnicas para desenvolvimento da educação.

Uma forma de perceber a tecnologia é através da aprendizagem dos enfoques a serem utilizados no ensino a partir de planejamentos baseados em habilidades específicas. Além disso, a tecnologia em currículos pode ser utilizada para procedimentos na construção de instrumentos de avaliação e sistematização da educação.

A utilização da tecnologia no currículo pressupõe um aluno que responderá a metas estabelecidas e não emergentes. Os trabalhos são realizados mais de forma individual e todos devem responder a princípios pré-determinados como o entendimento da finalidade do ensino e da aprendizagem em que se buscam práticas adequadas a partir de um ponto de partida que não necessita ser restrito a uma única habilidade. Além disso, o currículo tecnológico proporciona uma retroalimentação no processo da aquisição do conhecimento, já que as respostas são possibilitadas.

Percebe-se neste modelo de currículo, por fim, que a tecnologia age como auxiliar no processo do ensinar e do aprender, pois cada situação vivenciada é que justificará ou não a utilidade da tecnologia para as diferentes situações de ensino e aprendizagem. Ou seja, o modelo de currículo não definirá o resultado final no processo de aquisição do conhecimento e, como bem lembra McNeil (2016d), não é o modelo de currículo adotado que responderá pelo resultado de uma educação com maior ou menor qualidade, pois os resultados esperados para um currículo estão relacionados à junção de todos os elementos que podem constituir um currículo, a saber, a tecnologia com os sujeitos da educação.