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CAPÍTULO II- FORMAÇÃO DE PROFESSORES, ENSINO, APRENDIZAGEM E SER BOM PROFESSOR

2.4 Ser e constituir-se professor

A proposta de falar do ser bom professor é alusiva aos pontos abordados nesta pesquisa sobre formação de professores, sobre ensinar e sobre aprendizagem. Entende-se ser bom professor alguém com a práxis inclusa dentro de uma diversidade dos saberes experienciais que podem estar relacionados aos saberes curriculares e aos saberes disciplinares, pois é nessa conexão múltipla que estão inseridos os professores, um grupo “cuja existência depende, em grande parte, de sua capacidade de dominar, integrar e mobilizar tais saberes enquanto condições para a sua prática”. (TARDIF, 2014, p. 39).

Partindo das características que são atribuídas aos professores, esse grupo faz parte de uma sociedade em transformação em que o sujeito professor está inserido nesta diversidade heterogênea e multicultural, com atribuições e tarefas cada vez mais complexas de serem realizadas, pois a função social diversificada e canalizada para o professor tende a dificultar- lhe uma identidade social de valor de sua profissão. (CUNHA, 2015).

A valorização da profissão do professor está relacionada à diversidade das vivências acumuladas pelos sujeitos e aos saberes institucionalizados pela educação. Assim, a profissão do professor pode ser entendida como um arcabouço amplo “porque envolve, no próprio exercício do trabalho, conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente”. (TARDIF, 2014, p. 18).

Essa diversidade envolve a vida dos sujeitos professores que escrevem suas histórias familiares e sociais, dentro de suas especificidades e diversidades proporcionadas a partir de suas subjetividades relativas às experiências, vivenciadas em todas as esferas de suas vidas. Neste sentido, Tardif (2014) chama a atenção sobre a questão da temporalidade em uma profissão. Um sujeito pode se sentir mais ou menos preparado para uma função de acordo com as experiências por ele já vivenciadas nas mais diferentes situações, entretanto, isso não garante o conhecimento em sua totalidade, uma vez que o conhecimento é construído e complementado principalmente no contexto da contemporaneidade com a “escola de massas, escola multicultural e no contexto da globalização e da sociedade do conhecimento”. (CUNHA, 2015, p. 19).

A educação no Brasil está inserida entre os diferentes âmbitos de uma sociedade globalizada e multicultural em que o Estado administra e gerencia as instituições educacionais. Para cada realidade cultural e histórica dos grupos sociais, hão de ser consideradas as diferentes situações em que se tenha a percepção do que seja e como acontece a educação. Quando se trata do ser bom professor, Cunha (2015) aponta as estratégias utilizadas na política, na evolução científica e nas questões pedagógicas, como sendo estas algumas das características que podem ter influenciado o entendimento sobre a profissão do professor. A lógica de administrar a educação no Brasil também tem acompanhado um movimento em que, cada vez mais, se dilui qualquer entendimento de valor da profissão do professor e se valorizam as regulações burocráticas científicas e curriculares, se especificando cada vez mais a função do professor e ainda se complexificando a constituição do ser bom professor. (CUNHA, 2015).

Para Davini (2010), são os jogos de relações estabelecidas entre quem domina e quem é dominado, ou seja, o discurso da educação eficiente que vai absorvendo os professores e sua profissão como sendo esta a única saída para serem resolvidos os problemas direcionados à

educação. Desse discurso de eficiência e valorização do saber fazer, o conhecimento passa a ser aligeirado e plural e o professor se percebe diante dessa trama em que precisa desenvolver estratégias para facilitar a aprendizagem. Porém,

Todo saber implica um processo de aprendizagem e de formação; e, quanto mais desenvolvido, formalizado e sistematizado é um saber, como acontece com as ciências e os saberes contemporâneos, mais longo e complexo se torna o processo de aprendizagem, o qual, por sua vez, exige formalização e uma sistematização adequadas. (TARDIF, 2014, p. 35).

A compreensão de ser parte da sociedade, da realidade, dos jogos de poder e de política coloca os sujeitos professores dentro de uma realidade contrária ao que traz Tardif (2014), já que em assim sendo, quanto mais tempo de formação, mais se tende a perceber a necessidade de busca. Essa busca por completar algo de difícil entendimento coloca o sujeito professor como o responsável por desenvolver um complexo campo de atuação dentro das diferentes realidades de cada novo dia, inserido em realidades distintas, pois um professor precisa atender às exigências das quantas escolas ele estiver atuando, por exemplo.

Para exemplificar este entendimento sobre o ser bom professor, Cunha (2015) trata da questão do ser bom professor como uma representação social e histórica cada vez mais complexa e de difícil definição. Entre outros argumentos que desqualificam o ser bom professor, enquanto profissão, se relacionam a massificação da educação e a degradação do profissional, “sobretudo em termos de reconhecimento público e de prestígio social conferido à profissão”. (CUNHA, 2015, p. 27). Assim, parece que até mesmo o professor é levado a acreditar que a docência não é atraente, pois, nas palavras do autor, a docência ainda tem o estigma de uma profissão insalubre que desgasta tanto física como psiquicamente quem opte por ser bom professor.

Ainda conforme Tardif (2014), a profissão do professor requer muitos anos de formação teórica, mas que também precisa da prática para sua efetivação. É a inserção destes requisitos na formação de professores que poderá possibilitar aos professores a assunção do gosto em querer transformar constantemente suas crenças e atitudes relacionadas ao ser bom professor.

Em suma, o professor ideal é alguém que deve conhecer sua matéria, sua disciplina e seu programa, além de possuir certos conhecimentos relativos às ciências da educação e à pedagogia e desenvolver um saber prático baseado em sua experiência cotidiana com os alunos. (TARDIF, 2014, p. 39).

Entretanto, os envolvimentos a que são chamados os professores para as atividades extracurriculares nas instituições educacionais têm evidenciado que a instabilidade da profissão do professor se esgota em um curto período. De acordo com Cunha (2015), em Portugal, com quinze a vinte anos de atuação o professor está doente.

A doença do professor está associada à expansão da eficiência na escola e à entrada em cena do controle burocrático estatal. As exigências tenderam para as avaliações e os resultados numéricos percentuais e o foco da aprendizagem na educação passam, cada vez mais, para o currículo com destaque para as habilidades e as competências que o sujeito necessita para sua formação. Essa concepção de educação de resultados causa o que alguns autores vêm chamando de mal estar docente.

Estas novas exigências e responsabilidades, associadas ao tempo e aos recursos disponíveis, contribuem também para um mal-estar e para uma ansiedade difíceis de suportar, influenciando, dessa forma, o ambiente profissional, o estatuto social e a imagem do professor. (CUNHA, 2015, p. 33).

A partir dos apontamentos sobre a profissão do professor e as questões que a envolvem, constata-se que muitas são as questões que envolvem o ser bom professor. Assim, para Cunha (2015), uma imagem do bom professor está relacionada ao tempo de atuação deste profissional, de modo que a expressão utilizada para representar um bom professor para o autor é a formação do professor. Nestes termos, há outras expressões que são utilizadas para representar a capacitação do professor; a competência do professor; o desempenho do professor; e ainda a eficiência do professor.

Ao analisar os termos utilizados para estudar a capacitação/formação de professores, Cunha (2015) aponta alguns entendimentos sobre a questão da maturidade profissional dentro de prerrogativas atreladas tanto ao desenvolvimento psicológico quanto para as práticas pedagógicas e profissionais de professores. Esta relação didática e psicológica envolve questões profissionais, pessoais e coletivas que ligam o profissional ao nível de atuação. Dentro desse Quadro de referências para o ser bom professor, ou ainda, ser um bom professor, hão que ser consideradas o tempo de atuação; o nível de formação; os locais de atuação, ou seja, para além da sala de aula, as pesquisas, os cargos administrativos que ocupou. Então, conforme Cunha (2015, p. 77), “a eficácia depende de fatores, quer individuais, como situacionais e contextuais”. Assim, para o autor, a questão do ser um bom professor, além de envolver esses pontos que estão relacionados ao tempo de atuação, existem as questões processuais que correspondem ao modo como cada professor organiza as técnicas e a racionalização para a sua atuação. Dentro

das especificidades, está o conhecimento “científico, técnico rigoroso, profundo e uma capacidade de questionamento, de análise, de reflexão e de resolução de problemas” (CUNHA, 2015, p. 79), e desta forma, a práxis educacional verterá para uma formação de professor reflexivo.

A reflexão seria como um eixo articulador entre a teoria, a prática e as questões específicas anteriormente descritas. Esse vínculo poderia apontar outras perspectivas para a atuação do professor, de tal modo a lhe conferir uma maior inserção na reflexão que o estimulasse à ação amparada na epistemologia, no tempo de atuação e na reconstrução metodológica, por exemplo, com o auxílio da reflexão. “Cada professor deverá ter a capacidade de desenvolver o seu próprio ato educativo, o qual resulta de uma reflexão sistemática e fundamentada acerca do significado das experiências da prática e das técnicas educativas baseadas na investigação (Quadro de referências)”. (CUNHA, 2015, p. 83).

A reflexão da atuação de professores como “conhecimento, habilidades, competências, talentos, formas de saber-fazer, etc.” (TARDIF, 204, p. 60) nem sempre é originária da teoria produzida em pesquisas na área de Educação. Para os professores, os seus saberes profissionais “abrangem uma grande quantidade de objetos, de questões, de problemas que estão todos relacionados com o seu trabalho”. (TARDIF, 2014, p. 61). Ou seja, as experiências do ser bom professor são entendidas por estes também por meio da convivência na escola com os colegas e com os pais de alunos, na rotina da sala de aula e com as atividades didático-pedagógicas.

Assim, tanto as questões epistemológicas quanto as práticas são partes que compõem o ser bom professor em suas especificações docentes e, desta forma, a compreensão sobre uma racionalidade técnica (professor como mero transmissor de conhecimentos) em que a prática se apresenta de forma genérica para a aplicação da teoria reforça-a como algo neutro, que generalizou a prática e enfraqueceu a formação teórica no campo de formação docente. (DAVINI, 2010).

A autora também discorre sobre certa situação de mal estar docente, na atualidade, estar relacionada às dificuldades sociais e econômicas que os professores enfrentam. Antes, quando a educação era restrita a grupos de pessoas com poder aquisitivo alto, o ser bom professor era visto na sociedade como um “missionário” que tinha o respeito da população, pois esta acreditava que a educação produziria progresso e mobilidade social. Na contramão, está a escola de massas administrada por governantes que não proporcionam as condições necessárias para a valorização profissional do professor. (DAVINI, 2010).

Assim, Davini (2010) argumenta que o trabalho didático e pedagógico do professor precisa ser entendido como algo em processo, pois tanto as questões de emancipação quanto a

participação ativa do professor na sociedade estão relacionadas às analogias entre os seres humanos.

Outra perspectiva de Davini (2010) sobre o ser bom professor está relacionada à capacidade de entrosamento entre o professor e o alunado. Segundo a autora, é preciso que professores e alunos se percebam como parte de um processo a ser desenvolvido em conjunto, em que o que está em jogo seja a diversidade tanto no início quanto no final do processo. Estas características podem resultar em um processo de aumento de consciência e emancipação na educação. (DAVINI, 2010).

Outras questões sobre o ser bom professor estão relacionadas aos modelos estandardizados de tratar a educação que parecem conduzir o professor a entender que, para ser bom, é preciso ser completo e a completude, “Em termos objetivos, a representação do ‘bom’ professor é difícil de concretizar, dada a existência de inúmeros fatores (humanos, pedagógicos, científicos, culturais, profissionais) que condicionam o ‘perfil’ destes profissionais”. (CUNHA, 2015, p. 88). Distinto aspecto apontado por este autor sobre o bom professor é a centralidade ou o equilíbrio psicológico em que o bom professor precisa apresentar nas questões afetivas com os seus alunos.

Neste sentido, se sobressaem as qualificações qualitativas às quantitativas para ser um bom professor. Em estudos realizados sobre ser um bom professor, Cunha (2015) levantou dados que apontam para uma questão de difícil universalização sobre o mérito.

A eficácia pedagógica só deverá ser promovida e concretizada, na sua plenitude formativa, quando for possível descortinar os aspectos críticos da intervenção pedagógica dos professores na sua interação com os restantes níveis de responsabilidade e de participação no processo educativo. (CUNHA, 2015, p. 90).

As questões sobre ser um bom professor, conforme observado por Tardif (2014), Cunha (2015) e Davini (2010), são complexas e nos últimos anos a política pública direcionada para a educação tem debilitado cada vez mais a imagem do ser bom professor. Assim, a partir de Cunha (2015), apresentam-se algumas especificações sobre ser um bom professor, com base em pesquisas realizadas em Portugal nas duas últimas décadas do século XX.

Quadro 3 - Ser bom professor I

Pesquisador/Autor Características do bom professor

Feinan-Menser (1983) Moderado, paciente e simpático.

Postic (1984) Justo, motivador, conhecimento elevado, simpático e compreensivo, mais humano e menos técnico.

Braga da Cruz et.al. (1988) Justo, imparcial, dar aulas interessantes, ser bem pago, ser bem preparado e gostar de ensinar.

Araújo (1985) Aquele que se envolve com as atividades pedagógicas e culturais da escola, que tenha projeto pessoal de ação e não fique esperando o salário no fim do mês.

Fernandes (1980) Ensino fundamental: sabe ensinar; não castiga; sabe brincar;

calmo; explica bem;

Ensino secundário: mantém ordem, sabe dialogar, sabe

compreender o processo de aprendizagem do aluno;

Ensino secundário complementar: é responsável, sabe

dialogar, tem objetivos a seguir, planeja suas aulas e sabe expô-las;

Futuro professor: saiba transmitir o assunto; leve o aluno à

reflexão, saiba preparar suas aulas, não seja preconceituoso, saiba fazer-se respeitado, vá ao encontro dos interesses em geral e em particular dos alunos.

Fonte: A autora, com base em Cunha (2015).

A partir de algumas características apresentadas por Tardif (2014), Cunha (2015) e Davini (2010), pode-se perceber que as especificidades para ser um bom professor, além de se tratar de uma questão que demanda a problematização da dicotomia entre a teoria e prática, parecem orientar para a articulação entre os diferentes saberes de professores. E nestes termos, pensou-se em agrupar algumas concepções sobre o ser bom professor embasadas nos autores citados ao início deste parágrafo, conforme segue:

Quadro 4 - Ser bom professor II

AUTOR POSSÍVEIS CONCEITUAÇÕES

Cunha (2015) • Ser bom professor é ter certa dificuldade

de perceber uma identidade social de valor de sua profissão;

• Ser bom professor na contemporaneidade é atuar na “escola de massas, escola multicultural e no contexto da globalização e da sociedade do conhecimento”;

• Ser bom professor é perceber-se cada vez mais dentro das estratégias utilizadas na política, na evolução científica e curricular; em questões pedagógicas e administrativas como um todo complexo; • Ser bom professor carrega o estigma de

uma profissão insalubre que desgasta tanto física como psiquicamente quem opte por ser bom professor.

Davini (2010) • Ser bom professor é perceber-se como

parte dos jogos de relações estabelecidas entre quem domina e quem é dominado; • Ser bom professor é absorver uma crença

sobre um discurso da educação eficiente ser a única saída para serem resolvidos os problemas direcionados à educação; • Ser bom professor é entender que sua

práxis é algo maior que a racionalidade técnica (transmitir conhecimentos);

• Ser bom professor é entender a educação como um processo a ser construído; • Ser bom professor é saber relacionar os

seus conhecimentos aos do aluno.

Tardif (2014) • Ser bom professor é ter uma práxis

diversa, a partir dos saberes experienciais, curriculares e disciplinares;

• Ser bom professor exige conhecimentos e um saber-fazer bastante diversos, provenientes de fontes variadas e, provavelmente, de natureza diferente; • A profissão do professor requer muitos

anos de formação teórica, mas que também precisa da prática para sua efetivação;

• Ser bom professor também é a convivência na escola, com os colegas e com os pais de alunos, na rotina da sala de aula e com as atividades didático- pedagógicas.

Fonte: A autora (2018), com base em Cunha (2015), Davini (2010) e Tardif (2014).

Por fim, estes aspectos são importantes e podem ser observados ao serem consideradas as questões sobre o ser bom professor que serão trazidas, posteriormente, nesta pesquisa. E na sequência são apresentadas algumas considerações sobre o currículo.