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clarificação de conceitos

D. R I Série – A Nº209 (8-9-2001); p.5808-5829 Estabelece as bases da política e do regime de protecção

I. 1.3.5 | Década de 80: a cidade e o seu território

A revisão do modernismo e a crítica à cidade pós-industrial, desenvolvidas a partir dos anos 60, estabilizam na década de 80.

O pós-modernismo, como movimento arquitetónico e de produção urbana, aparece disseminado em vários sub-movimentos cuja base comum é constituída pela oposição ao internacionalismo e pela forte contextualização das intervenções.

Os Teóricos

A vertente patrimonial liga-se diretamente à singularidade do contexto surgindo, na produção teórica de alguns autores, a exaltação do espírito do lugar e da componente memorial.

O efeito da memória na significação e caracterização da individualidade, que une uma determinada sociedade em torno do seu património construído, cimentou-se na década de 80, através de obras como “Genius Loci”, de Norberg-Schulz.

Em termos arquitetónicos, as ideias base do contextualismo começaram a ser divulgadas a partir dos anos 60 por autores como Aldo Rossi, aprofundando-se a partir de metade da década de 70 através de obras como “Urban Space” (1975) de Robert Krier, “College City” (1978) de Colin Rowe.

A intervenção na cidade existente torna-se prática corrente, materializada em operações de “cerzirmento” entre “novo” e “velho” que restabelecem a continuidade da escala e malhas urbanas.210

Campanha Europeia para o Renascimento da Cidade (1980)

A realização do Ano Europeu do Património Arquitetónico, em 1975, marca um ponto simbólico de viragem no percurso evolutivo da reabilitação das cidades e dos seus centros históricos.

Em 1985, com a Declaração de Amesterdão, a cooperação neste domínio entre os Estados membros do Conselho da Europa é reforçada com a realização da Convenção para a Salvaguarda do Património Arquitetónico da Europa, na cidade de Granada.

Fundamentada nos textos finais do Ano Europeu do Património Arquitetónico e na Carta de Veneza, são apontados dois objetivos fundamentais:

I. Promover os regimes jurídicos de proteção do património nos Estados signatários; II. Desenvolver uma concertação entre os governos com vista à adoção de políticas de

bom senso, na área territorial da cultura europeia, baseada no intercâmbio de homens e ideias.211

210

Exemplo disso são os projectos promovidos pelas autoridades de Berlim, ao convidarem arquitectos de renome internacional para preencherem lacunas do seu tecido urbano.

Em 1980, a Campanha Europeia para o Renascimento da Cidade,212 promovida pelo Conselho da Europa, que teve na sua génese o Ano Europeu do Património Arquitetónico, visava contribuir para a retorno da qualidade de vida urbana, perdida com o progressivo abandono do centro da cidade.

Esta Campanha Europeia teve uma preocupação integradora do urbanismo, aplicado aos centros históricos enquanto políticas do ordenamento do território.213

Nesta medida, defende-se que a “valorização do património arquitectónico, dos monumentos e dos sítios, deve ser parte integrante de uma política geral de ordenamento do território e planeamento urbano.”214

Igualmente, a temática social é outro dos fundamentos assumidos “cujo carácter humanista é, aliás um dos objectivos assumidos desde o início.”215

Figura I.69

Símbolo da Campanha Europeia para o Renascimento das Cidades Fontes:

- FLORES, Joaquim António de Moura (1998) p.101

212 “Aprovado o conceito genérico da Campanha, é encarregue do seu desenvolvimento o Comité

Director para o Ordenamento do Território e o Património Arquitectónico que, após exame aprofundado, dá em 1978 um parecer favorável, delineando desde logo a sua estrutura, financiamento e calendário. A Campanha conhece o seu lançamento oficial em Outubro de 1980, na cidade de Londres, tendo sido estipulado que encerraria com uma Conferência Geral, a ter lugar em Berlim, entre 8 e 12 de Março de 1982, onde se daria uma cobertura mediática às conclusões gerais.” Ibidem, p.102.

213 “O urbanismo aplicado aos centros históricos converge agora com as politicas de ordenamento do

território, que entram na esfera das preocupações do Conselho da Europa em 1970, com a realização da primeira Conferência Europeia dos ministros responsáveis pelo ordenamento do território. Com a Campanha Europeia para o Renascimento da Cidade esta preocupação integradora aprofunda-se, não é assim de estranha que no seu seguimento seja redigida a Carta Europeia do Ordenamento do Território, aprovada em Torremolinos, a 20 de Maio de 1983. Termos como «planeamento à escala humana», «perspectiva interdisciplinar», são nesta Carta palavras de ordem que, como podemos aperceber-nos, não andam muito longe do conceito alargado de «conservação integrada», agora extensível ao território.” Idem, p.100.

214

Idem, p.101.

Nesta medida o tema principal da Campanha Europeia era o “Renascimento da Cidade e Melhoria da Vida Urbana”, sendo posteriormente subdividido em vários temas, designadamente:

I. Políticas de melhoria do quadro de vida urbana; II. Política de reabilitação dos edifícios;

III. Habitações e bairros existentes e antigos;

IV. Política de criação de equipamentos sociais, educativos, coletivos e culturais; V. Transportes;

VI. Emprego;

VII. Metodologias próprias para suscitar uma consciência comunitária e uma participação dos cidadãos;

VIII. O papel dos poderes locais, os serviços dos poderes locais e a gestão urbana.216

“Reconhecendo a complexidade do tema e as especificações locais, a Campanha assume-se essencialmente como um fórum de debate e uma plataforma de intercâmbio de experiências. A própria opção na escolha do termo utilizado para definir esta operação, «Campanha» e não «Ano», permitiu o desenrolar desta fora dos limites temporais estritos, patenteando a intenção geral de a tornar moldável às várias solicitações.”217

A experiência espanhola

A Campanha Europeia motivou, em Espanha, o início de uma política de reabilitação sistemática dos seus centros históricos aplicada nas várias Regiões Autónomas, e depois localmente, permitindo atingir os objetivos específicos de cada cidade.

Para além dos aspetos legislativo e administrativo, a influência europeia faz-se sentir também ao nível do despertar de um debate ativo, entre técnicos e académicos, relativamente às políticas e ações conducentes a uma reabilitação dos centros urbanos.

Legislação

Na lei do património espanhola foi criada uma figura de planeamento muito próxima à do Plano de Salvaguarda preconizado na lei portuguesa do Património Cultural.218

Declarado um conjunto histórico como “Bien de Interés Cultural”, ficava desde logo determinada a obrigatoriedade de elaboração de um “Plan Especial de Protección” para a área abrangida por aquela classificação.219

216 Enumeração extraída: Ibidem, p.102. 217

Idem, pp.102-103.

218

LEI Nº13/85 – D.R. I Série. Nº153 (06-06-1985); p.1865-1874.

Património Cultural Português.

219

“Já anteriormente, na legislação urbanística de 1975, se tinham criado os «Planos Especiales de

Reforma Interior», entendidos então como instrumentos de protecção de determinadas áreas da cidade.” In FLORES, Joaquim António de Moura, cit.186, p.106.

Tal como na legislação francesa, esta tipologia especial de planeamento sobrepõe-se a qualquer outro plano que exista para a zona, ainda que hierarquicamente superior.

O delinear de uma estratégia urbana para os centros históricos, veio permitir atuar de acordo com princípios gerais. Assim, ao contrário do que aconteceu em Portugal, onde a ausência de uma regulamentação específica gerou confusões e conflitos, foi possível elaborar um número razoável de planos.

Contudo face a um número relativamente baixo de classificações de centros históricos como “Bien de Interés Cultural”, associado a uma falta de articulação entre os “Planos Generales” e os “Planos Especiales”, levou muitos municípios a optarem pela solução de planeamento mais simples.

Barcelona

Em Barcelona, como na maioria dos centros históricos, o papel reservado a este era o de mera representatividade oficial, registando uma contínua decadência da qualidade de vida resultado de uma progressiva degradação.

Em 1976, foi aprovado o Plano Geral Metropolitano (PGM) que abrangia os 27 municípios da área metropolitana de Barcelona, onde se debruçava igualmente sobre “Ciutat Vella”.

O interesse por “Ciutat Vella” motivou o lançamento de propostas de vertente estratégica. Por um lado, foi proposta a manutenção de abertura de grandes vias e, por outro, foi exposto o conceito de “limpeza” seletiva nas zonas mais densas do tecido urbano, mediante a qualificação do espaço público.

Figura I.70

Plano Geral Metropolitano (PGM) (1976) Fontes:

O programa de relançamento urbano de Barcelona inicia-se com o novo município democrático dando resposta à forte pressão social que se sentia na necessidade de se proceder à recuperação urbanística da cidade.

Em 3 de abril de 1979, realizam-se as primeiras eleições livres, depois de quarenta anos de Franquismo e, em 1980, o novo município avança com uma “ideia de cidade”.

“El processo arranca com una «idea-fuerza» innovadora de «recuperación» da la ciudad, que pasa de una primera fase de acción directa expresada en la mejora urbana realizada por un gran número de pequeñas actuaciones de plazas y parques, a un programa de desarrollo urbano mucho más complejo.””220

Estabeleceram-se as diretrizes gerais do processo sob duas orientações base, designadamente:

I. O reconhecimento prévio e exaustivo da realidade em que se ia intervir no âmbito urbanístico, social e patrimonial;

II. A recuperação da filosofia das propostas do GATCPAC, baseada na melhoria das condições de vida dos bairros mediante a criação de espaços públicos e programação da libertação de solo destinado à construção dos equipamentos necessários.

“A sabedoria para intervir em Barcelona consistiu na intenção de respeitar e melhorar cada um dos tecidos urbanos diferentes que a conformam, aproveitando ao máximo as qualidades da cidade mediterrânea compacta e actuando nos pontos de sutura e transformação. Em Ciutat Vella, o coração antigo da cidade, as intervenções partem das características tipológicas, urbanas e sociais: preexistências arqueológicas, arquitectura industrial do século XIX, vivendas operárias degradadas e problemas de acessibilidade, entre outras.

As intervenções mais importantes consistiram na melhoria das habitações, na renovação dos equipamentos, na introdução paulatina de espaços públicos e na pedonização.”221 PERI Planos Especiais de Reforma Interior (1980-1983)

Desde o início dos anos 80, os PERI222 instituíram-se como instrumentos urbanísticos

fundamentais para o desenvolvimento da reforma de “Ciutat Vella”. Estes são o

220

BUSQUETS, Joan – Barcelona – la construcción urbanística de una cuidad compacta. Barcenola: Editorial del Serbal, 2004, p. 345.

221 ABELLA, Martí - Ciutat Vella – El centre històric reviscolat. Barcelona: Editorial Aula Barcelona,

2004, p. 109. (Tradução livre)

222

“O Planos Especiais de Reforma Interior consideram-se os instrumento de planeamento adequado

para abordar a recuperação do tecido urbano e proceder à reabilitação de determinadas áreas ou zonas especialmente degradadas. Estes planos servirão para levar a cabo actuações isoladas, que conservando a estrutura fundamental do ordenamento anterior se orientam ao descongestionamento do solo urbano, à criação de dotações urbanísticas e equipamento comunitário.” In IBARLUCEA Buatamante, Esther –

desenvolvimento do PGM seguindo as diretrizes formuladas pela equipa de Oriol Bohigas como responsável da área de urbanismo do Município.

Os parâmetros urbanísticos de cada bairro (superfície de vias, de espaço público, de zonas verdes, de edificação) eram definidos nos planos de pormenor de cada bairro, os Planos Especiais de Reforma Interior (PERI).

“Ciutat Vella” divida-se em três zonas correspondendo a três planos distintos: I. PERI – Setor Oriental

(Bairro de Ribera, Bairro de Santa Catarina e Bairro de Sant Pere); II. PERI – Raval;

III. PERI – Bairro Gótico.

Figura I.71

Área abrangida pelos PERI Fontes:

- BUSQUETS, Joan (2003) p. 135.

PERI

Setor Oriental

Os PERI tinham dois objetivos:

I. A melhoria da qualidade de vida nos bairros (sobretudo no de Santa Catarina);

II. Resolver os problemas gerados pela existência de projetos antigos que iam afetar numerosos edifícios sendo apontada como uma das maiores razões para a degradação existente.

O PGM mantinha os projetos de abertura das grandes vias, contudo, as propostas da equipa responsável pelo PERI apontaram para soluções alternativas, nomeadamente:

I. Recusaram as grandes vias que destruíam os bairros propondo “eixos” em que se verificava uma maior degradação dos edifícios para libertar espaço destinado aos espaços cívicos dos bairros;

II. Propunham manter os equipamentos necessários através de uma política ativa de criação de habitação social para manter a população existente.

Cascos históricos: regeneración urbana. El caso de Bilbao. (2001), p.256. [Em linha] [Consult. jul.2014] (Tradução livre)

Disponível em:

Figura I.72

PERI – Setor Oriental Fontes:

- BUSQUETS, Joan (2003) p. 135.

PERI