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clarificação de conceitos

D. R I Série – A Nº209 (8-9-2001); p.5808-5829 Estabelece as bases da política e do regime de protecção

I. 1.3.2 | Década de 50: pós-guerra e a reconstrução das cidades

Após a segunda guerra mundial, a necessidade de construção em massa de habitações, devido à destruição das cidades, acentuou a distância entre a periferia e a cidade existente.

Igualmente, a cidade sofreu uma mudança qualitativa e a consciencialização da destruição da cidade originou a generalização de operações de reconstrução.

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O GATCPAC (Grupo de Artistas e Técnicos Catalães pelo Progresso da Arquitectura Contemporânea) é constituído por um conjunto de arquitectos catalães formado por Josep Lluís Sert, Josep Tores Clavés, Ricard Churruca, Germà Rodrígues Arias, Pere Armengou e Sixt Illescas, entre outros.

A reconstrução das cidades europeias não só motivou o debate sobre a intervenção nas áreas destruídas pelo conflito mundial, como deu início a uma série de ações de renovação urbana que passaram a dominar as intervenções urbanísticas até os anos 70.

Contudo, a lentidão e a complexidade de critérios de intervenção precedentes, que garantiam a conservação do património, revelaram-se inoperantes na situação de destruição profunda na qual se encontravam as cidades europeias. Acrescenta-se ainda o sentido de perda que tal situação despertou na consciência pública do valor memorial que estes conjuntos urbanos possuíam.

Neste contexto eleva-se o interesse pela cidade tradicional e pela arquitetura “menor”, sendo integrados na conceção de património, até então restrita aos monumentos.

A importância que este património adquire no imaginário coletivo é aqui iniciada, e só algumas décadas mais tarde se generaliza.

A reconstrução de Varsóvia

Findo o conflito, as principais cidades polacas apresentavam um cenário de destruição, como por exemplo, o centro da cidade de Varsóvia sujeito a um elevado de nível destruição.

A esta tentativa de anulação do povo polaco, pela eliminação do seu ambiente histórico construído e, consequentemente, da sua história, seguiu-se uma necessidade absoluta de exorcizar essa destruição.

A municipalidade de Varsóvia optou pela reconstrução integral dos edifícios como tentativa de recuperar a sua história e a sua dignidade.179

Seguiu-se o princípio da recuperação dos conjuntos urbanos de particular valor histórico e cultural, de modo a recriar a proporção espacial e o ambiente perdidos.

Acompanhando a reabilitação física, foi criado um programa de reutilização funcional, misturando usos, de modo a integrar os quarteirões reabilitados na cidade, evitando a sua transformação em peças museográficas.

Deste modo privilegiou-se a reutilização residencial, introduzindo-se também funções administrativas, culturais, de apoio social, assim como as atividades económicas e de lazer.

O restauro dos edifícios obedeceu a um critério de fidelidade, proporcional à importância histórica dos edifícios e dos conjuntos, assim como obedeceu à informação disponível sobre os mesmos, existente na forma de inventário, monografias ou material iconográfico.

Foram utilizadas as técnicas tradicionais de construção conjugadas com as modernas, de modo a adaptar os edifícios às necessidades de conforto contemporâneas. Os conflitos surgidos entre a necessidade de adaptação à vida moderna e o respeito pelo princípio da verdade histórica, eram resolvidos caso a caso, com maior ou menor sucesso.

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É neste sentido que tem de ser entendida a experiência polaca e não como uma necessidade revivalista ou historicista.

Nesta medida, a reconstrução de Varsóvia, tem de ser equacionada como um esforço de modernização, ainda que o importante desta experiência seja a enorme operação na tentativa de repor uma continuidade memorial interrompida pela guerra.

Figura I.54 / Figura I.55

Varsóvia │ Praça do Castelo: após a guerra e após reconstrução Fontes:

- http://www.civil.uminho.pt/cec/revista/Num20/Pag%2031-44.pdf

No contexto do pós-guerra europeu, a experiência polaca assume-se como uma situação pontual, já que, as operações mais comuns se pautaram pela renovação urbana, especialmente a partir do final da década de 50.

A crítica à cidade moderna

O desenvolvimento urbano, na primeira fase do pós-guerra, é marcado por ações que visavam o cumprimento de duas prioridades:

Por um lado, procurava-se reconstruir o aparelho de produção económica, construindo ou reconstruindo as vias e infraestruturas de transportes;

Por outro, fazia-se frente à necessidade absoluta de construir habitações para os desalojados.180

O desenvolvimento económico induziu a um crescimento da população urbana, fruto de um êxodo rural, expectante de melhores condições de vida. A necessidade de absorção desta população está na origem do desenvolvimento da ocupação das periferias urbanas, contrariamente às expectativas de Le Corbusier.

O ordenamento territorial, conceção mais vasta do urbanismo, desenvolve-se face ao crescimento das grandes cidades para uma escala metropolitana, exigindo de um estudo alargado das inter-relações territoriais.

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O que permitiu a Le Corbusier concretizar as suas “unité d’habitation” – elementos pontuais de uma nova ordem urbana.

De modo gradual, e paralelo ao crescimento das periferias, assiste-se após os anos 50 ao avançar das operações de renovação urbana nos centros históricos de muitas das cidades europeias.

O Movimento Moderno anunciava-se “como o único sistema de pensamento arquitectónico-urbanístico capaz de responder à urgência da reconstrução, realçando a lógica produtivista da sua própria génese, enquanto paradigma de resposta às novas condições de produção industrial.”181

A substituição de padrões morfológicos com introdução de novas tipologias de edificação, correspondendo a um “novo modelo de organização do espaço da cidade, estruturado em zonas de optimização funcional e implicando o realojamento das populações em periferias residenciais.”182

Paradoxalmente, a arquitetura moderna em vez de romper definitivamente com o passado, como eram as suas intenções, originou que se começasse a pensar seriamente na valorização da cidade antiga.

Por um lado, os movimentos sociais contestatários, com destaque para o maio de 1968 em Paris, permitem uma mudança das mentalidades, que conduz lentamente à tomada de consciência dos habitantes das cidades para a necessidade de melhorar a sua qualidade de vida urbana.

Por outro lado, os arquitetos e urbanistas deixam de ser os únicos a ter voz sobre o processo de planeamento da cidade. No final da década de 50 destacam-se as teorias sociológicas que analisam os modos de vida desenraizados e criticam processos de planeamento obsoletos.183

Os arquitetos iniciam uma crítica ao Movimento Moderno, que surgiu oficialmente por via interna. Em 1956, o 10º CIAM foi organizado por uma nova geração de arquitetos que não tinha tido colaboração direta na fase inicial do movimento.

Fundamentalmente críticos do internacionalismo e da visão de cidade preconizada pela Carta de Atenas, transformaram a estrutura montada para organizar o congresso numa plataforma de discussão contestatária, denominada “Team X”.

No decorrer deste CIAM, constatou-se que o sentimento do grupo era coincidente com o da maioria dos congressistas, que já não acreditavam numa metodologia comum, válida à escala internacional. Ganhava assim importância o “contextualismo”, que permitiu o interesse pela cidade existente enquanto organismo único.

181

AGUIAR, José, cit.5, p.85.

182

Idem, p.85.

183 De entre estas vozes, destaca-se a da socióloga norte americana Jane Jacobs que escreve “The Death

and Live of Great American Cities” (1961). Jane Jacobs, neste livro, escreve sobre o que torna as ruas

seguras e inseguras; sobre o que vem a ser um bairro e a sua função dentro do complexo organismo que é a cidade.

Os três fatores enunciados – (i) consciência social e reivindicação popular, (ii) visão sociológica da cidade e (iii) a crítica ao internacionalismo - permitiram que a cidade existente, contextualizada, lugar de memórias e identidades, conseguisse ultrapassar as vicissitudes da renovação urbana e do Movimento Moderno, iniciando-se um novo ciclo com o início da década de 60.