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D Catarina de Áustria: influência de «bastidor» nos negócios dinásticos

Primeiro Espaço: na Cristandade Negócios Dinásticos

Esquema 2 Resoluções matrimoniais em

1.2. D Catarina de Áustria: influência de «bastidor» nos negócios dinásticos

proximidade e privança, tinha como característica inerente a influência118) como pelo estatuto logrado por um curriculum ímpar119, juntamente com o irmão – também padre jesuíta – Martim Gonçalves da Câmara.

Durante séculos, na historiografia sebástica, foi apontada a culpa ao Mestre e Confessor do rei por este não se ter casado, sobretudo devido à intervenção de Filipe II e dos seus embaixadores, que despejavam as culpas do comportamento do monarca em cima dos validos de D. Sebastião120. Todavia, as fontes apontam não só o contrário, como ainda revelam que o padre Luís Gonçalves da Câmara via com bons olhos um casamento em França ou Castela121. Tendo em conta a cronologia do seu ofício junto do Monarca, faz algum sentido que apoiasse a pretensão de Portugal em casar o seu rei, primeiro, com Margarida de Valois122 e, depois, com Isabel Clara Eugénia.

Considerado o último projecto político de D. Catarina de Áustria123, a ideia de casar D. Sebastião com esta princesa surgiu pela primeira vez durante a audiência secreta de Luís de Torres com D. Sebastião, a 4 de Junho de 1570. Na carta enviada ao papa, o núncio explicou «che essendosi poi tralasciata la pratica [o casamento em França], Sua Maestà [D. Sebastião] haveva trattata quella della secondogenita del Rè Cattolico»124.

D. Sebastião chegou inclusivamente a pedir o apoio da avó para a concretização do matrimónio125. Mas é necessário compreender que até chegar a este pedido, D. Catarina passou por um período de afastamento da corte do neto. Foi o culminar da tensão que se foi acumulando entre os dois regentes: a própria rainha e o cardeal-infante.

1.2. D. Catarina de Áustria: influência de «bastidor» nos negócios dinásticos

Já na menoridade de D. Sebastião se encontraram desavenças entre os cunhados. Mas houve um episódio bastante elucidativo do poder de D. Catarina. Em 1566, o cardeal

118 João Francisco Marques, “Os Jesuítas, confessores da Corte Portuguesa na Época Barroca (1550-1700)”.

Revista da Faculdade de Letras, Porto, 1995, pp. 232-270, consultado em

http://ler.letras.up.pt/uploads/ficheiros/2028.pdf, a 10 de Dezembro de 2015.

119 Mário Martins, “As tendências poéticas do mestre de D. Sebastião”. Revista Brotéria, Lisboa, vol. 40,

fascículo 4, Abril de 1945, pp. 361-368.

120 Visconde de Santarém, Quadro Elementar […], tomo III, pp. 405-407.

121 Francisco de Sales Loureiro, op. cit., pp. 94-96. Idem, “Jesuítas na Crista da Onda da Política Sebástica”.

Clio – Revista do Centro de História da Universidade de Lisboa, vol. 4, 1982, pp. 76-77.

122 Visconde de Santarém, op. cit., p. 406.

123 Alfonso Danvila y Burgueros, op. cit., pp. 211-212.

124 Vide carta de Luis de Torres ao papa Pio V (Lisboa, 14 de Junho de 1570). Publicada em Corpo

Diplomatico Portuguez, tomo X, p. 373.

27 D. Henrique, motivado pelo mau ambiente que circulava na Corte, requereu o abandono da regência e a entrega antecipada do governo a D. Sebastião. Ao saber disso, a rainha reuniu-se em privado com o rei e com os principais do reino, sem a participação de D. Henrique, que viu a sua vontade toldada pela decisão da rainha – que devia a regência do cardeal-infante terminar ou por decisão do menino-rei ou pela maioridade deste; como assim veio a suceder126.

As duas facções políticas que pretendiam subjugar o favoritismo de D. Sebastião deram o retrato do ambiente que caracterizou a primeira metade do seu reinado: por um lado o cardeal-infante, Lourenço Pires de Távora (que regularmente correspondia com D. Joana de Áustria e se mostrou um forte opositor à rainha), e os irmãos Gonçalves da Câmara. Ou seja, o primeiro círculo era o que mantinha uma proximidade ao rei nos primeiros momentos do seu reinado; a outra facção era a de D. Catarina, continuadora da política joanina, em conjunto com os principais validos do antecessor de D. Sebastião: sobretudo Pêro de Alcáçova Carneiro, ministro do tempo de D. João III, da regência de D. Catarina e que ainda viria a ter a sua relevância no final do reinado de D. Sebastião, não só como vedor da Fazenda, mas também como embaixador.

Enredada nestes conflitos, e vendo degradar-se a sua relação com o neto, a rainha- viúva empreendeu um projecto para regressar a Castela e lá terminar os seus dias. D. Catarina nunca mais deixara Portugal desde o seu casamento com o rei D. João III, em 1525; contudo, esta não fora a primeira tentativa de regresso ao reino natal, pois já tentara fazê-lo em 1568, aquando da notícia da prisão do neto, Carlos Lourenço127.

Parece que a sua tentativa de abandonar Portugal, em 1570, foi genuína, quer política quer sentimentalmente, dado o afastamento do rei da avó e da possibilidade de esta poder gozar de influência na pessoa real. Se, por um lado, avisou o neto, em carta, que a razão do seu comportamento se devia às poucas visitas que D. Sebastião lhe fazia e das suas constantes fugas de Lisboa, por outro alertava que a sua saída de Portugal devia servir como «um despertador»128. Uma clara crítica à política de D. Sebastião, das suas influências e dos rumos que tomava.

126 Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata de Azevedo Cruz, op. cit., vol. II, pp. 203-204. 127 Ana Isabel Buescu, op. cit., p. 368.

128 Vide carta de D. Catarina de Áustria a D. Jerónimo Osório (Lisboa, 22 de Fevereiro de 1571), publicada

em José de Castro, Portugal no Concílio de Trento, volume VI, Lisboa, Tip. União Gráfica, 1946. Veja-se, ainda, Annemarie Jordan, op. cit., pp. 207-208.

28 Muito embora tenham ocorrido alguns encontros entre o neto e a avó129, não foram suficientes para controlar a fúria do monarca quando, nos finais de Maio de 1571, D. Catarina cometera uma inconfidência sobre a doença de D. Sebastião, ao divulgá-la como principal responsável do impedimento do neto ao matrimónio130.

A rainha mantinha correspondência com o padre Francisco de Borja (1510-1572), seu amigo de longa data, e com quem muitas vezes desabafava. D. Catarina chegou a requerer ao padre jesuíta que intercedesse junto o papa, pedindo-lhe que chamasse à sua presença o confessor do rei. Este plano pedia a intervenção de Filipe II, que não acedeu131. A intenção era notória: afastar o padre Luís Gonçalves da Câmara, mantendo-o em Roma. O seu ascendente sobre o monarca era imenso e, de acordo com a rainha, deslocava o rei do caminho político correcto132.

Quando percebeu que nada havia a fazer em relação a isso, enviou um sem-número de cartas para Filipe II, queixando-se da atitude do neto, e pedindo apoio na sua intenção de se isolar em Castela.

Havia um itinerário preparado para o regresso de D. Catarina a Castela, primeiro rumando até Constância (à época, Santa Maria de Punhete), seguindo depois para Estremoz, onde aguardaria para entrar no seu reino natal133. Aí seguiria em peregrinação ao mosteiro de Guadalupe134, a meio caminho de Talavera, terra que, juntamente com Ocaña, fora disponibilizada por Filipe II para sustento, usufruto e residência da rainha- viúva portuguesa135.

O monarca português, no entanto, não entendia com bons olhos a saída da avó do reino. Pediu «a interçesão e cõselho» de Filipe II que «pode por termo qual lhe comuem

129 Nomeadamente no início de 1571, e em especial um ocorrido em Abril desse ano, onde se tratou

extensivamente do casamento de D. Sebastião. Maria Augusta Lima Cruz, op. cit., p. 195.

130 Ana Isabel Buescu, op. cit., p. 377. 131 Idem, ibidem, p. 379.

132 A discrepância entre ambos tem início aquando do momento da sua convocação para exercer o ofício de

Mestre e Confessor de D. Sebastião. Inclusivamente se tem afirmado que o confessor perpetrara um abuso na criança de D. Sebastião, de cariz sexual, o que terá influenciado todo o seu comportamento sexual e, por arrasto, a sua posição face a um casamento. Harold B. Johnson, “A Pedofile in the Palace or the Sexual Abuse of King Sebastian of Portugal (1554-1578) and its Consequences”. Sebastian King of Portugal: Four Essays, Tucson, Arizona, Wheatmark, Ltd, 2013, pp. 58-59 [estudo publicado pela primeira vez em Dois Estudos Polémicos, Tucson, Arizona, Fenestra Books, 2004]. Todavia, esta é uma tese excluída pela historiografia portuguesa devido à sua sustentação em fontes apócrifas.

133 Vide carta de D. Juan de Borja a Filipe II (Lisboa, 22 de Maio de 1571). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 389, fl. 164 apud Joaquim Veríssimo Serrão, Itinerários […], pp. 198-199.

134 Annemarie Jordan, op. cit., p. 196.

135 Vide carta de D. Juan de Borja a Filipe II (Lisboa, 26 de Novembro de 1570). Simancas, AGS, Estado,

29 e a todos o qual eu de V.A. espero e lhe mereço me aiude V.A. com efeito a quietar a rainha minha senhora e a lhe pidir q̃ não cõvẽ de mais ẽ tal mudança»136.

Este capítulo versa sobre os negócios dinásticos, ou sobre os negócios matrimoniais de D. Sebastião, em especial. Todavia, este excurso sobre o contexto cortesão e da realeza nos primeiros anos no reinado efectivo de D. Sebastião, bem como a tentativa infrutífera de D. Catarina de sair de Portugal não foi descrito em vão. Em primeiro lugar, porque a saída de D. Catarina de Áustria, viúva de D. João III, era motivo de preocupação para a imagem da monarquia portuguesa no contexto externo. Estranhando a posição secundária na governação, depois de anos à frente do poder137, a rainha viu-se na necessidade de se recolher numa vida isolada, longe da Corte portuguesa, e no reino em que era infanta138. Isto levou D. Sebastião a enviar D. Fernão Martins de Mascarenhas até Filipe II de modo a esclarecer as razões que o impediam de deixar a rainha-viúva abandonar Portugal. Houve, então, movimentação diplomática no sentido dinástico.

Em segundo lugar, é importante falar de D. Catarina de Áustria porque a rainha jamais deixou de estar no topo da orientação das diligências matrimoniais de D. Sebastião, especialmente a partir de 1572 como adiante se justificará. Algumas teses defenderam a «castelhanófilia» de D. Catarina de Áustria139, mas a historiografia mais recente, desvinculada do nacionalismo pujante da História de meados do século XX português, pôs de parte a ideia de uma rainha homóloga às ideologias iberistas de Carlos V e Filipe II – efectivamente, nada mais interessaria à rainha-viúva que manter a imagem de um Portugal próspero, independente e seguro como era quando aí chegou, já rainha, em 1525140. Foi já exposto neste texto que D. Catarina tinha uma grande vinculação ao sangue dos Habsburgo, daí que tenha sido intensa defensora de um casamento do neto em Castela.

136 Vide carta de D. Sebastião a Filipe II, ou carta de creditação a Fernão Martins de Mascarenhas (Lisboa,

21 de Junho de 1571). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 389, fl. 117. No apêndice, documento nº 22.

137 Desde meados da década de 1540. Ana Isabel Buescu, D. João III 1502-1557, Lisboa, Círculo de

Leitores, Universidade Católica Portuguesa, Centro de Estudos dos Povos e Culturas de Expressão Portuguesa, 2005, p. 283.

138 Bem ao jeito do que fez o irmão, Carlos V, em Yuste, quinze anos antes, em modo de retirada da vida

política, e suas irmãs que depois da viuvez regressaram a Castela: Leonor de Áustria em 1547 de Francisco I de França e Maria da Hungria em 1526 de Luís II da Hungria.

139 Queiroz Velloso, principalmente em “A Política Castelhana de D. Catarina de Áustria”. Estudos

Históricos do Século XVI, Lisboa, Academia Portuguesa da História, 1950, pp. 37-133. Também Francisco de Sales Loureiro sustenta essa leitura, em D. Sebastião e Alcácer-Quibir[…], p. 53.

140 Ana Isabel Buescu e Annemarie Jordan, as principais biógrafas da rainha, reflectem-no nas respectivas

30 Com a morte do padre Borja e do papa Pio V, ambos em 1572, a rainha viu que pouco mais havia que fazer, perdendo com o primeiro um dos seus principais aliados141. Para seu alívio, a influência dos irmãos jesuítas sobre a pessoa de D. Sebastião tinha os dias contados.

Contudo, D. Catarina de Áustria não foi a única que desejou afastar os Gonçalves da Câmara da privança de D. Sebastião. D. Hernando Carrillo de Mendonza chegou a comentar com Filipe II que achava ser obra da influência do confessor e escrivão da puridade a irresolução matrimonial do rei, e que o assunto necessitava de cautela e rapidez de decisão142. Em 1570, D. Sebastião e o seu séquito foram recebidos pelos alunos da Universidade de Coimbra com um pateado, enquanto pasquins eram distribuídos pela cidade, denunciando a política do «mancebo» D. Sebastião, mal orientada por «um velho [cardeal-infante] sem saber e dois irmãos sem consciência [que] deitam este reino a perder». Estas manifestações marcaram o começo do declínio dos três eclesiásticos no quotidiano régio143. Não deixa de ser irónico o facto de a viagem ter sido idealizada pelos irmãos jesuítas144. Em 1573, numa viagem realizada pelo rei, os cortesãos que iam contra os Gonçalves da Câmara, aproveitaram para mostrar o quão danosa fora a acção destes sobre o reino, marcando, irreversivelmente, a posição dos Gonçalves da Câmara junto de D. Sebastião145.

Neste contexto, foram progressivamente afastados, e D. Catarina foi reintegrando o elenco governativo pelos bastidores. O cardeal foi manifestamente apartado não só pela reaproximação do neto à avó, como por ser contrário às políticas de intervenção militar contra o Turco, a partir de 1571, vindo a recolher-se ao mosteiro de Alcobaça. Muito embora o cardeal tivesse mandado erguer o seu túmulo em Évora, esperando morrer nos anos seguintes, viu-se constantemente chamado ao cerne do governo português, nomeadamente durante a primeira jornada a África de D. Sebastião, em 1574, e na sua curta estada no Algarve em 1576146.

141 Maria Augusta Lima Cruz, op. cit., p. 210.

142 Vide carta de D. Hernando de Carrillo de Mendonza a Filipe II (Évora, 6 de Dezembro de 1569)

publicada em CODOIN, tomo XXVIII, p. 560.

143 Maria Augusta Lima Cruz, op. cit., pp. 187-188.

144 Augusto Mendes Simões de Castro, “Notas acerca da vinda e estada de el-rei D. Sebastião em Coimbra”,

Coimbra, Imprensa da Universidade de Coimbra, 1922, p. 4.

145 Francisco de Sales Loureiro, op. cit., pp. 152-156. Muito embora os dois favoritos não tivessem

comparecido na viagem, um outro irmão, João, integrava o séquito. Sobre a dita jornada, veja-se Idem, Uma Jornada ao Alentejo e ao Algarve, Lisboa, Edições Horizonte, 1978.

146 Amélia Polónia, D. Henrique. O cardeal-rei, Lisboa, Círculo de Leitores, Universidade Católica

31 Foi no seguimento destes conflitos internos e do casamento de Margarida de Valois com Henrique de Bourbon que se assistiu a uma grande viragem nas orientações matrimoniais de D. Sebastião.