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Da Corte portuguesa às Cortes europeias – as dinâmicas das embaixadas de D Sebastião

5.5. Fontes de informação e redes de informadores

Ao embaixador requeria-se que se mantivesse o mais informado possível quanto ao panorama externo. Se não tanto, ao que estivesse directamente relacionado com o seu local de actividade e o reino que servia. D. Juan de Silva, o último embaixador castelhano em Portugal no reinado de D. Sebastião, agradeceu «por las nuevas que v.m. me envía del mundo le beso las manos: que de eso viven los embajadores»771.

Os embaixadores de D. Sebastião estavam conectados com fontes de informação e redes de informadores bem estruturadas e organizadas. É nos maços de correspondência da embaixada de D. Duarte de Castelo Branco (que estão extraordinariamente bem conservados na Biblioteca da Ajuda) que se constrói uma noção da rede de informadores à disposição, normalmente espiões772.

Maria da Escócia, «the house was let to the portuguese ambassador for some years». Em 1601 voltaria para as mãos do filho homónimo do duque executado. A Charterhouse encontra-se aberta e visitável ao público desde Janeiro de 2017. Cf. Christopher Hibbert, Ben Weinreb, John Keay e Julia Keay, The London Encyclopaedia, Londres, Macmillan Publishers Limited, 3ª edição, 2008 [1ª edição de 1983], pp. 151-153,

consultada em

https://books.google.pt/books?id=xa0D0PqiwfEC&printsec=frontcover&dq=the+london+encyclopedia& hl=pt-

PT&sa=X&ved=0ahUKEwjPgeGb3MbaAhVGORQKHU2xAFIQ6AEIKDAA#v=onepage&q&f=false, a 18 de Abril de 2018).

771 Vide carta de D. Juan de Silva a Gabriel de Zayas (Lisboa, 15 de Maio de 1578). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 396, fl. 51, publicada em CODOIN, tomo XL, p. 12.

772 É considerável o número de trabalhos historiográficos relativos à espionagem e diplomacia nas últimas

décadas. Inter alia, o interessante trabalho de Léa Benichou, «Informadores y confidentes de los embajadores de Felipe III en Roma», Tiempos Modernos, volume 8, nº 35, 2017 (disponível online em http://www.tiemposmodernos.org/tm3/index.php/tm/article/view/2364, consultado a 30 de Abril de 2018), que expõe de forma clara a rede de informadores extremamente complexa de que os embaixadores de Filipe III de Castela dispunham em Roma, a qual estudou minuciosamente em «La más dificultosa y trabajosa de todas las demás»: L’ambassade d’Espagne à Rome sous Philippe III (1598-1621), tese de doutoramento em Études Romanes, spécialité Études Hispaniques et Hispano-américaines apresentada à Universidade de

Montpellier, Montpellier, 2016, consultado em http://www.biu-

montpellier.fr/florabium/jsp/nnt.jsp?nnt=2016MON30024, a 30 de Abril de 2018. Mais recentemente, saiu à estampa outra obra de conjunto, coordenada por Gennaro Varriale, um precioso contributo da história recente italiana que tem vindo a revelar-se um dos maiores vultos no que toca à história de bastidores, como a História Diplomática e, sobretudo, da espionagem, em ¿Si fuera cierto? Espías y agentes en la frontera (siglos XVI-XVII), edição de Gennaro Varriale, Madrid, Universidad de Alcalá, 2018. Há, ainda, um

147 A máquina informativa que satisfazia o conhecimento do rei, a um ritmo de grande qualidade para a época, compunha-se pelos mais diversos espiões e informadores que se dividiam entre mercadores, artífices e artistas. Alguns, inclusivamente, estariam já ao serviço de outros elementos da realeza. Destaca-se o caso de Domingos Leitão, «hombre honrrado el qual fue críado de la Reyna de françia doña Leonor y estuuo en su seruicio el tiempo que alla estuuo La Reyna y despues Residio alla mucho tiempo en seruiçio de la señora infante doña maria»773. Foi o principal mentor do conselho que a infanta enviou a França774 para proceder à gestão do património, dado que recebera da mãe, em testamento, fartas propriedades do Sul do reino gálico775.

Domingos Leitão mantinha relação directa com o rei, actuando como informador776. A sua experiência no mundo da política externa fora acrescida pelo contacto estreito e a relação de confiança que mantivera com o embaixador Rui Fernandes de Almada777. Muito do que levou João Gomes da Silva a França foi, sobretudo, a manutenção do património da Infanta. Num momento fulcral, entre 24 de Setembro de 1575 e a morte da infanta D. Maria, ao mesmo tempo que D. Sebastião avançava com as suas diligências pró-Larache, os franceses do Languedoc puseram em causa os direitos da infanta portuguesa sobre as suas terras, o que suscitou um enorme movimento diplomático entre o paço de D. Maria e o Parlamento de Toulose, envolvendo, por arrasto, a Corte dos Valois e de D. Sebastião778.

trabalho interessante, embora antigo, versando a imensa espionagem castelhana do fim do século XVI, de Charles Howard Carter, The Secret Diplomacy of the Habsburgs: 1598-1625, New York, Columbia University, 1964, que originalmente foi tese de doutoramento apresentada à Columbia University, NYC, orientada por Garrett Mattingley da importante escola de História da Diplomacia europeia que desenvolveu naquela universidade, e que Carter continuou na Tulane University, New Orleans, Louisiana.

773 Vide carta de D. Juan de Borja a Filipe II (Lisboa, 28 de Maio de 1572). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 390, fl. 53.

774 A infanta D. Maria (1521-1577) emergia no plano político como «figura pública de primeira linha e

largos horizontes (…)». Enquanto «grande senhora da corte e figura de direito próprio» mantinha-se independente da Coroa e beneficiava de uma diplomacia paralela, como forma de resolução dos seus próprios negócios. Um exemplo concreto foram as diligências para selar o seu matrimónio com Fernando I do Sacro-Império. Cf. Carla Alferes Pinto, A Infanta Dona Maria de Portugal (1521-1577): o mecenato de uma princesa renascentista, Lisboa, Fundação Oriente, 1998, pp. 62-63.

775 Outro exemplo concreto em que D. Maria usufruía de um corpo diplomático próprio, autónoma da

Coroa. Veja-se, maxime, Joaquim Veríssimo Serrão, A Infanta D. Maria e a sua Fortuna no Sul da França: 1521-1577, tese de doutoramento em Letras, apresentada à Universidade de Toulouse em 1953, editada em Lisboa, Álvaro Pinto, 1955.

776 Vide «Auisos de domingos leyton» (Julho de 1572). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 390, fl. 17. 777 Maria do Rosário de Sampaio Themudo Barata, Rui Fernandes de Almada […], pp. 48-49.

148 Se urgia comunicar, os criados dos embaixadores serviam como correio779. D. Duarte de Castelo Branco serviu-se de Domingos Lopes, seu criado780. Numa das vezes, não cumprindo com a urgência da matéria, Miguel de Moura teria reclamado que a Domingos Lopes «sera Justo mãdar castigar […] cõ não ser mais despachado pera ca ou ao menos tão depressa, por q̃ soube q̃ vinha aguora despachado de lixboa pelo embaxador enguanou o mestre de postas ẽ mõtemor dizẽdolhe q̃ vinha por euora E acolheose por arrayolos E gabouse dysso no Caminho»781.

Um embaixador devia recorrer de todas as fontes necessárias para obter informação. Assim, quando lhe faltavam avisos da sua própria Corte, devia procurar informações noutras partes. Esta questão provocou algumas confusões, como quando Miguel de Moura se queixou de D. Duarte de Castelo Branco ter sabido, através de outrem, de um acidente sofrido por sua mulher, em Lisboa, o que lhe desgostou imenso782. D. Francisco Pereira, embaixador em Madrid, por exemplo, obteve informação pelo embaixador francês (ao tempo Raymond de Rouer783) do levantamento de 1568, em La Rochelle784.

À responsabilidade dos embaixadores estava a distribuição de recompensas e remunerações aos servidores da política externa portuguesa. O Dr. António Pinto destacou ter satisfeito Matias Bicudo, informador do Cairo, os judeus de Alepo que correspondiam regularmente com a embaixada portuguesa em Roma, Tomás de Carnoca, que informava de Veneza e ao Dr. Diogo de Paiva de Andrade, que se mantinha em Roma, com o numerário enviado da Corte lisboense e que lhe tinha chegado785. D. Duarte de Castelo Branco remunerou Pero Fernandez Çedillo786, um informador e tradutor a quem

779 Por vezes até pessoas mais comuns ou, inclusivamente, mercadores, transportariam correspondência

entre o emissor e o destinatário. Cf. Maria Augusta Lima Cruz Fagundes, “Contribuição para o estudo dos correios[…]”, p. 466.

780 Esta informação encontra-se ao longo de quase toda a correspondência trocada entre o secretário de

Estado português e o embaixador. Vide, como exemplo, a carta de Miguel de Moura a D. Duarte de Castelo Branco (Lisboa, 5 de Junho de 1572). Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-5, fl. 43.

781 Vide carta de Miguel de Moura a D. Duarte de Castelo Branco, (Évora, 18 de Maio de 1573). Lisboa,

BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-5, fl. 62.

782 Vide carta de Miguel de Moura a D. Duarte de Castelo Branco (Lisboa, 25 de Fevereiro de 1575). Lisboa,

BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-5, fls. 93-94.

783 Fleury Vindry, Les Ambassadeurs Français Permanents au XVIe Siècle[…], p. 18, edição digital em

https://gallica.bnf.fr/ark:/12148/bpt6k92325g/f24.item.r=%22fran%C3%A7A7ois+rougier%22.langFR.zo om, consultado a 1 de Outubro de 2018.

784 Vide cópia de Carta de D. Francisco Pereira a D. Sebastião (Madrid, 3 de Fevereiro de 1568). Lisboa,

DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv. 210, fl. 143.

785 Vide carta do Dr. António Pinto a D. Sebastião (Roma, 10 de Janeiro de 1569). Lisboa, DGA/TT, Corpo

Cronológico, parte I, maço 108, doc. 119.

786 O pagamento foi feito em nome do embaixador. Vide Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte

149 recorria regularmente. Um recibo mostra que se lhe deviam 87 reais pelos serviços praticados787.

D. João da Cunha recebera da Coroa portuguesa, remetidos por D. Francisco Pereira, a recompensa de «un collar y joyel» para a sua filha, D. Ana. O informador prometeu avisar sobre tudo o que acontecesse em França «que se tratare en perjuicio de la corona real» portuguesa, «esto estoy obligado de acer como portugues»788.

Não tratando apenas de endereçar informações em bruto, os informadores enviavam conselhos e estratégias para o procedimento diplomático, de acordo com a experiência. De Londres, um informador avisou D. Sebastião que devia ter «preposito por duuidar muito de certos mercadores q̃ do dito lugar [La Rochelle e Montgomery] erão vindos a esta cidade de q̃ o seu embaxador lhe dera daquy notiçia»789, e ainda sobre os franceses, que «hé esta gente tão acatasolada em seus neguoçios que não tem o entendimẽto luguar pera escolher o certo deles»790.