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Da Corte portuguesa às Cortes europeias – as dinâmicas das embaixadas de D Sebastião

5.3. Procedimentos protocolares

Para sair do reino, em primeiro lugar, o embaixador necessitava de um passaporte autenticado pela chancelaria do destino. António Fogaça aguardou em Calais, França, pela aprovação régia de Isabel I para com o documento atravessar o canal da Mancha753.

Os embaixadores que seguiam para França necessitavam de autorização para transitar por Castela. D. Nuno Manuel recebeu um primeiro passaporte, provavelmente aquando da sua nomeação, em 1574. Mas, com a delonga da partida, foi necessária reformação do seu passaporte «per ser o tempo passado»754. Já antes, Miguel de Moura prevenia D. Duarte de Castelo Branco de que «he neçessario q̃ V.M. aja passaporte pera joam guomez e pera os que cõ Elle forem E cousas q̃ leuarẽ»755.

O atraso de um ano no arranque da embaixada a Roma, entre 1573 e 1574, deveu- se à doença de João Gomes da Silva. D. Henrique, regente no Verão de 1574, requisitou

753 Vide carta de Hernando Carrillo de Mendonza a Filipe II (Évora, 30 de Novembro de 1569). Simancas,

AGS, Estado, Portugal, leg. 386, fl. 77, parcialmente publicada em Joaquim Veríssimo Serrão, op. cit., p. 128.

754 Vide carta de Miguel de Moura a D. Duarte de Castelo Branco (Almeirim, 10 de Fevereiro de 1575).

Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-5, fl. 84v. De facto, partiu a 18 de Março.

755 Vide carta de Miguel de Moura a D. Duarte de Castelo Branco (Lisboa, 16 de Fevereiro de 1571). Lisboa,

143 ao sumo pontífice que lhe desse consolo, sentindo-se o embaixador «desconsolado por tardar tanto a sua ida», por ser «honrado de sangue e de bons costumes»756.

Na execução da missão propriamente dita, os embaixadores realizavam a sua entrada pública – um dos mais antigos fenómenos das relações diplomáticas na Cristandade757. Contudo, não se encontrou registo algum deste género, relativo ao período em estudo.

Competia ao agente apresentar à Corte as credenciais e os cumprimentos por parte do seu soberano, em audiência. Caso se tratasse de uma missão extraordinária, o enviado mostrar-se-ia à Corte acompanhado pelo embaixador residente (se o houvesse)758.

Sobrevive um relato de como Filipe II recebia os embaixadores de D. Sebastião. De acordo com D. Francisco Pereira, «ElRey os espera em pee Arrimado A hũ buffete q̃ tem en todolas Casas de q̃ se serue tiralhes o barete toda A largura do braço e Com a mão direita Cobreram a esquerda me toma A mao e mo faz Cubrir Juntamente as delle e desta maneira, tratou dom aluaro de Castro e don Jeronymo de atayde»759.

Recebido com honras de Estado, o agente estrangeiro era reconhecido com um presente por parte do rei. O duque de Buendía, enviado de Filipe II para congratular D. Sebastião pela sua tomada de posse, em Fevereiro de 1568, recebeu «hum firmal que valia 2 mil cruzados»760. D. João Teles de Meneses foi extremamente bem recebido pelo papa Pio V, em 1569, com «paternal affecto»761, que elogiou e gratificou a oratória do embaixador762.

756 Vide carta do cardeal-infante (2ª regência) a Gregório XIII (Lisboa, Julho de 1574). Vaticano, ASV,

Nunziatura di Portogallo, vol. 4, fl. 34 apud José de Castro, D. Sebastião e D. Henrique[…],pp. 73-74.

757 Garrett Mattingly, Renaissance Diplomacy […], p. 33.

758 «[…] o dia que tiverdes licença […] para ir ao Paço, o fareis, e perante Joaõ Gomes da Sylva (que será

presente a todos os officios, que fizerdes)». A presença permanente, dada a posição já estabelecida na Corte estrangeira, conferia-lhes uma maior relevância e avultava o impacto da enviatura. Vide Instrução de D. Sebastião a D. Dinis de Lencastre, já citada.

759 Vide cópia de carta de D. Francisco Pereira a D. Sebastião (Madrid, 22 de Fevereiro de 1568). Lisboa

DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv. 210, fl. 151v.

760 Vide Lisboa, BNP, Fundo Geral de Manuscritos, cód. 886, fl..960. Deixa-se aqui um pequeno

apontamento face à personalidade do rei, importante para o contexto em análise. Ao receber os embaixadores de outros Estados, saudava-os, tirando-lhes o barrete. Todavia, abstinha-se de lhes dar a mão. Isso mesmo consta em todos os recebimentos de embaixadores que se fizeram em Lisboa, a partir, pelo menos, de 1560. Vide o códice da Biblioteca Nacional de Portugal infracitado, entres os fólios 950-960. Este gesto poderia ser visto como sinal de desagrado ou, muito mais credível para este caso, reconhecimento de uma situação de paridade com o monarca castelhano. Cf. Ana Maria Alves, Iconologia do Poder Real no Período Manuelino – À procura de uma linguagem perdida, Lisboa, Imprensa Nacional – Casa da Moeda, 1985, p. 68.

761 Diogo Barbosa Machado, Memorias […], parte III, liv. I, cap. XIV, pp. 136-137.

762 Vide breve do papa Pio V a D. Sebastião (Roma, 27 de Junho de 1569), publicado em Idem, ibidem, pp.

144 Se os reinos se encontrassem em vias de negociação, o número de audiências seria maior. A título de exemplo, os representantes de D. Sebastião em Inglaterra estiveram em constante movimento na Corte londrina. Até à assinatura do tratado em 1576, foram frequentes as visitas dos embaixadores a Isabel I. A maioria das vezes procuravam-se justificações aos consecutivos ataques do corso inglês ao comércio português763.

Francisco Giraldes foi o que mais audiências teve na Corte isabelina. Entre 1571 e 1576, encontrou-se na posição de diligenciar directamente com a rainha que não lhe facilitava a missão – ou por não concordar com os artigos propostos, ou por questões de saúde que obrigavam a rainha a apartar-se dos assuntos de Estado764. É um caso bastante elucidativo do processo das reuniões negociais entre embaixadores e regentes.

O contacto com os elementos do governo de outros Estados pressupunha uma série de fórmulas protocolares, a par da etiqueta da época. Ressalve-se que D. Sebastião se referia a Isabel I Tudor e aos reinantes de França como «irmãos» e «primos». A rainha de Inglaterra empregava os termos «much beloved Brother» para o monarca português. Igualavam-se, assim, na intrincada teia de relações e dinâmicas intermonárquicas quinhentista.

Alguns casos revelavam-se complexos pela raridade que representavam – como quando Giacomo Buoncampagni (filho de Gregório XIII) se correspondeu com D. Sebastião. Não havia historial de alguma vez se haver correspondido com um filho de um papa. Nisto, o conselho em Lisboa decretou que só lhe responderiam se Filipe II o tivesse feito, porque não se conhecia outro procedimento igual. Recorreu-se, então, ao

763 Visconde de Santarém, Quadro Elementar […], tomo XV, p. 193. Foi o caso da audiência que o Dr.

Manuel Álvares teve com Isabel I Tudor, a 24 de Abril de 1568, exigindo que o reino inglês pagasse seiscentos mil ducados pelo prejuízo.

764 Em 1571, o embaixador depara-se com uma situação favorável, e procura ajustar o restabelecimento do

comércio entre os reinos, bem como restituir as fazendas e propriedades embargadas; a rainha inglesa aceita as condições e proíbe o ataque aos territórios ultramarinos portugueses. Daí que em 1572 já se encontrem formuladas uma série de alíneas para um tratado. Há um desentendimento em alguns aspectos, o que virá a prolongar a assinatura por mais quatro anos, entre os quais Giraldes se dedica a procurar ser recebido por Isabel I com vista a negociar um tratado que favoreça e proteja as possessões ultramarinas portuguesas. Cf. Visconde de Santarém, Quadro Elementar […], tomo XV, pp. 241-299. Vejam-se as páginas em que o autor desdobra a matéria numa objectiva análise da embaixada de Francisco Giraldes em Inglaterra. Idem, ibidem, pp. CXLIII-CLXIV.

145 embaixador em Castela765, como de resto se voltou a fazer quando precisaram de conhecer os estilos para o duque de Sabóia ou para o rei da Hungria766.

Para o filho do sumo pontífice, a informação viria a ser proveitosa aquando do seu casamento, em 1577. O monarca português ordenou a João Gomes da Silva que fosse congratular os nubentes ofertando uma jóia «para sua mulher» e «que lhos va dar a sua casa […] e que saiba o Papa como ElRey manda a joya a sua nora»767.

Um erro na fórmula de tratamento poderia levar a mal-entendidos. O cardeal- infante expôs a D. Duarte de Castelo Branco que recebera uma carta de resposta do seu homólogo (enquanto inquisidor-geral) de Castela, onde este se queixava do «stylo da minha carata [sic=carta], assy do principio, e sobrescripto, como do contexto d’ella». Deste modo, requereu ao embaixador português que lhe enviasse os estilos que se utilizavam na Corte castelhana de modo a evitar mais constrangimentos768.