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Da Corte portuguesa às Cortes europeias – as dinâmicas das embaixadas de D Sebastião

5.6. Grandes despesas e pequenos ordenados

Uma realidade extensível a todos os embaixadores da época (e que se estenderia pelos séculos seguintes) foi a falta de pagamento. Um empreendimento diplomático era bastante dispendioso, e grande parte das vezes era pago pelo embaixador791. D. Juan de Borja deu a conhecer a Gabriel de Zayas que o valor que recebia anualmente (2900 ducados) era inferior aos gastos reais anuais «sin hazer excesso ninguno». Tendo em conta «tierra tan cara como esta» (Portugal), e que Filipe dava o triplo do valor aos embaixadores oficiados em França792.

787 Vide recibo de Pero Fernandez Çedillo (Madrid, 31 de Maio de 1575). Lisboa, BA, Embaixada e

Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-2, fl. 37.

788 Vide carta de D. João da Cunha a D. Sebastião (Fuenterrabía, 4 de Julho de 1568). Lisboa, DGA/TT,

Gavetas, gaveta 20, maço 5, número 46, publicada em As Gavetas da Torre do Tombo, volume X, Lisboa, Centro de Estudos Históricos Ultramarinos da Junta de Investigações Científicas do Ultramar, 1974, pp.456-457.

789 Vide cifra de Londres, 13 de Dezembro de 1572. Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de

Castelo Branco, cód. 49-X-3, fl. 60.

790 Vide «Carta que se escreueo de bordeos a miguel de moura a xxiiijo de Junho de 72. He pessoa de

cõfiança q̃ aly está per mandado de Sua Alza». Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo

Branco, cód. 49-X-3, fl. 37. Propõe-se que essa pessoa de confiança fosse Domingos Leitão ou D. João da Cunha.

791 Isabel Cluny, op. cit., p. 61. Isto levava a frequentes pedidos de retorno à origem, por não ser compatível

com o interesse dos nobres a distância e a falta de influência na corte de onde eram originários, além do constante dispêndio monetário que a função exigia.

792 «Y darme a mi mas de la mitad menos hauiendo nascido con la mitad mas de obligaçiones». Vide

capítulos de carta de D. Juan de Borja a Gabriel de Zayas (Lisboa, 22 de Julho de 1572). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 390, fl. 11.

150 D. Francisco Pereira, embaixador em Castela, apelou a D. Sebastião que «Ho paguamento de meu ordenado me vem no fim deste mês», que inclusivamente pediu ao filho, que estava em Portugal depois de ter regressado de França, que lembrasse o monarca de lhe pagar «com breuidade por que me sera de muito trabalho A dilação se A nysso ouuer pella necessidade en que estou»793, notando-se algum desespero por parte do embaixador.

Dada a inflação a que Portugal (especialmente Lisboa794) estava sujeito em 1578, nas vésperas da partida para África, D. Juan de Silva clamava a Filipe II que necessitava de «ayuda de costa que pareciere será necesaria para ir com alguna decência, porque certifico a v.Md como cristiano, que no me queda cosa por vender de mi património»795. Em Junho, prestes a embarcar, o embaixador castelhano não tem armas nem bens que possa aportar consigo, e reclama que se soubesse o que iria passar, teria vendido propriedades em Toledo para concluir o serviço. Isto porque, segundo ele, em qualquer outra «nación» ter-se-ia deixado ficar em terra, mas como se trata de Portugal, resolve- se, a custo, a ir em jornada, porque «aqui no se puede rehusar [sic] la guerra»796.

Mesmo com o tesouro do reino enfraquecido, constava que a embaixada de Luís da Silva, em 1576, terá custado a Portugal cerca de 29 ducados797.

793 «escreuo A dom joão [Pereira Dantas] meu filho peço a vossa Alteza seja seruido de mo mandar Pagar

beijarey as mãos A vossa Alteza mandar que se me pague». Vide cópia de carta de D. Francisco Pereira a D. Sebastião (Madrid, 12 de Fevereiro de 1568). Lisboa, DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv. 210, fl. 150.

794 «Mais arreceavam os homens a guerra que se lhes fazia na rua-nova, que a que se esperava em África».

Exclamação de um fidalgo português, a propósito da avultada inflação nos produtos vendidos na Rua Nova nas vésperas da Jornada de Larache. Vide «Aspecto de Lisboa ao Ajuntar-se e Partir a Armada para a Jornada de Alcácer-Quibir», transcrita por Alexandre Herculano, Opúsculos, Tomo IV, edição crítica - organização, introdução e notas de Jorge Custódio e José Manuel Garcia, Lisboa, Editorial Presença, 1983, p. 362.

795 Vide carta de D. Juan de Silva a Filipe II (Lisboa, 13 de Março de 1578). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 396, fl. 25, publicada em CODOIN, tomo XXXIX, p. 526.

796 O desespero do embaixador era tal que preferia (e inclusive agradeceria se lhe atacasse em dobro) umas

tercianas a ir para a guerra. Mas representa um exemplo de extremo cuidado em definir as palavras e da preocupação na comunicação: «No quiero alargarme, porque cuando advierto el estado en que me hallo, temo de decir disparates». Vide carta de Juan de Silva a Gabriel de Zayas (Lisboa, 5 de Junho de 1578). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 396, fl. 62, publicada em CODOIN, tomo XL, pp. 34-36.

Três dias depois diria que «El sábado que viene nos embarcamos, y es hoy domingo […] Quédame esperanza de morirme en estos seis dias». Vide carta de D. Juan de Silva a Gabriel de Zayas (Lisboa, 8 de Junho de 1578). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 396, fl. 68, publicada em CODOIN, tomo XL, p. 40.

797 «[…] la verdade es que el rey tiene muy poco dinero; pero todavía la embajada de Luis de Silva le costó

xxix ducados justos, que fue caro embajador aunque honrrado». Vide carta de D. Juan de Silva a Gabriel de Zayas (Lisboa, 5 de Junho de 1578). Simancas, AGS, Estado, Portugal, leg. 396, fl. 62, publicada em CODOIN, tomo XL, p. 36.

151 5.7. Os problemas da vida quotidiana

Os homens que serviram no estrangeiro estavam sujeitos ao contexto dos reinos onde serviam. Ou apanhando em marcha um projecto bélico, tendo de acompanhar um exército à guerra para servir de correspondente informativo com o seu soberano (como o caso supracitado de D. Juan de Silva); ou num momento de conflito religioso, sendo surpreendido com uma invasão na sua própria casa, como aconteceu com Francisco Giraldes.

Alguns foram vítimas de roubo, como D. Francisco Pereira, que comunicara a Filipe II que fora saqueado em França798 e Manuel de Araújo, um agente bastante activo na regência do cardeal-infante, também notificou ter sido assaltado em Inglaterra, em Junho de 1572799. Francisco Giraldes, ao ir visitar o embaixador de França em Inglaterra no dia de Todos-os-Santos de 1574, sofreu uma queda aparatosa do cavalo800. Na sequência de um rebentamento de insubordinação ao poder castelhano, Nuno Álvares Pereira viu-se atrás das grades durante algumas semanas, em Antuérpia801.

Contudo, alguns momentos também seriam de felicidade ou descontracção. A presença de um secretário na embaixada permitia que os embaixadores usufruíssem de momentos de lazer. Assim se depreende pela informação de que, em Agosto de 1575, Francisco Giraldes se encontrava no campo e que o substituía o seu secretário, Benedito Spínola, que foi ordenado de o avisar sobre nova audiência requerida por Isabel I802.

Durante a sua embaixada, D. Duarte de Castelo Branco viu nascerem dois filhos. O parto de D. Catarina de Meneses, a esposa de D. Duarte de Castelo Branco, em Março de 1575, foi relatado à Corte portuguesa. A relação de estreita confiança com a realeza mostrou-se quando a rainha enviou os parabéns pela notícia803, ou mesmo quando o irmão de D. Duarte de Castelo Branco, D. Martinho, faleceu, e o cardeal-infante lhe enviou os pêsames, dizendo que «a morte de dõ martinho senti, e sinto, como merece a perda de hũ tã bõ amigo, e homẽ»804.

798 Vide carta de D. Francisco Pereira a Filipe II (Lisboa, 8 de Março de 1571). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 389, fl. 145. Fica por saber o que fazia D. Francisco Pereira em França e por que razão o comunicou a Filipe II.

799 Visconde de Santarém, Quadro Elementar[…], tomo XV, pp. 267-268. 800 Idem, ibidem, p. 284.

801 Diogo Barbosa Machado, Memorias […], parte IV, liv. I, cap. XIII, p. 112. 802 Visconde de Santarém, op. cit., pp. 285-286.

803 Vide carta de D. Catarina de Áustria a D. Duarte de Castelo Branco (Xabregas, 5 de Maio de 1575).

Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-1, fl. 218.

804 Vide carta do cardeal-infante a D. Duarte de Castelo Branco (Alcobaça, 2 de Outubro de 1573). Lisboa,

152 Na época em que D. Catarina tentava abandonar Portugal, em 1571, o embaixador contemplou a frequência com que D. Catarina correspondia com Filipe II, numa intensidade e resolução quase impróprias à sua saúde e idade. Nisto, explicou o sucedido ao monarca castelhano, pedindo-lhe que interviesse na vontade da Rainha, que não era propícia ao decoro do reino português, nem às relações da família real805.

A ida de João Gomes da Silva para França seria o sinal de se estar a «abrir mais a porta a seu casamẽto [de D. Sebastião]», mas que os actos da rainha-viúva portuguesa tinham vindo a desencadear um efeito que «ẽbaraça muyto» este negócio. D. Henrique requereu, portanto, a ajuda de Filipe II para que fizesse intermédio por D. Duarte de Castelo Branco e intercedesse junto da rainha806. Se foi jogo do cardeal-infante ou puramente intuição do embaixador é matéria discutível.

O próprio D. Duarte de Castelo Branco foi responsável por encaminhar uma relíquia enviada pela imperatriz Maria de Áustria para a tia, D. Catarina de Áustria807. Esta faceta de intermediário entre problemas e questões de cariz dinástico estava implícita no carácter pretendido de um embaixador, cuja dinâmica diplomática e cordialidade lhe garantiriam sempre uma posição confiável e próxima dos elementos da realeza. Por isso lidavam com eles diariamente, como se verifica no exemplo de uma carta que D. Sebastião enviou a D. Joana de Áustria, por D. Francisco Pereira, no dia da posse, lida pelo embaixador enquanto a princesa saía da missa no Mosteiro das Descalças808.

É curioso, no entanto, notificar que na cerimónia de juramento do príncipe Fernando, como sucessor de Filipe II à Coroa de Castela, que se realizou em Madrid, a 31 de Maio de 1573, consta que assistiram o núncio papal, dois embaixadores de Veneza e o de França. O porquê de não ter assistido D. Duarte de Castelo Branco não foi possível esclarecer. Teria falhado esse detalhe ao escriva? Não se crê, pois registou-se a presença do prior do Crato, D. António, com um «estoque desnudo», sentado no banco dos grandes809.

805 Vide cópia da carta de D. Duarte de Castelo Branco a Filipe II (Madrid, 4 de Julho de 1571). Simancas,

AGS, Estado, Portugal, leg. 389, fl. 152.

806 Vide carta do cardeal-infante a Filipe II (Lisboa, 27 de Março de 1571). Simancas, AGS, Estado,

Portugal, leg. 389, fl. 146.

807 Vide carta de D. Catarina de Áustria a D. Duarte de Castelo Branco (Xabregas, 20 de Dezembro de

1574). Lisboa, BA, Embaixada e Governo de D. Duarte de Castelo Branco, cód. 49-X-1, fl. 200.

808 Vide cópia de carta de D. Francisco Pereira a D. Sebastião (Madrid, 3 de Fevereiro de 1568). Lisboa,

DGA/TT, Tribunal do Santo Ofício, Conselho Geral, liv. 210, fl. 141v.

809 A cerimónia deste juramento encontra-se descrita em Lisboa, BA, cód. 46-IX-11, fls. 161-162v. Em

Dezembro de 1573, o prior do Crato estaria de volta em Portugal, para assistir à abertura do capítulo da Ordem de Cristo em Santarém, altura em que seria apontado para governador de Tânger. Esta retoma de D. António na Corte portuguesa provocou constrangimentos entre o rei e o cardeal-infante. Por outro lado,

153 Longe de casa, eram obrigados a lidar com as condições mais diversas: como climas distintos, ou com o desgaste provocado por viagens, como se queixava o já idoso D. Álvaro de Castro ao regressar da embaixada que fez em Roma entre 1564 e 1568, angustiando que «crese não poβa uir a azer Jornada»810.

O stress e pressão na resolução de questões de Estado, quando dificultosas, podiam suscitar casos extremos como a morte, caso que ocorreu com o Dr. António Lopes, em 1567, que morreu vítima de fadiga811. Havia, sem sombra de dúvidas, um grande desgaste físico e psicológico812.