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Da antiguidade grega ao surgimento da classificação dos textos em gêneros

CAPÍTULO 4 – A TRAGÉDIA GREGA E OS GÊNEROS LITERÁRIOS

4.1 Da antiguidade grega ao surgimento da classificação dos textos em gêneros

A história grega é caracterizada nos séculos V e IV a. C., a época clássica. É um período de grande esplendor artístico e cultural e intensa agitação política, no qual se constroem as bases do conhecimento do Ocidente e que fundamentam as produções intelectuais de grande parte do mundo ocidental produzidas até hoje.

Nesse período, Atenas reina soberana e por volta de 510 a.C., Clístenes, cidadão de origem aristocrática, mas de tendências populares, é encarregado de proceder à revisão das leis de Sólon, dando-lhes um caráter democrático e realizando inúmeras reformas, trazendo a paz para Atenas, o que leva ao desenvolvimento do comércio e da indústria.

Assim, inicia-se a era de prosperidade ateniense, momento em que consolidou-se a democracia através de Péricles que, entre outras realizações, desenvolve ao máximo o sistema de tribunais criando no lugar da corte suprema, tribunais populares com autoridade para julgar todos os tipos de causas.

Nessa época, em Atenas, um cidadão pode ao mesmo tempo, atuar como se fosse um comerciante e um deputado, podendo ainda, em certos casos, ser magistrado, empregado de menor categoria ou oficial do exército, sempre por sorteio.

Nesse sentido, todos os cidadãos são iguais em direitos e tomam parte no governo e na administração pública, onde o povo exerce a soberania, chamada de democracia e todos os cidadãos legislam ou julgam como membros de uma assembleia: é uma democracia direta.

Nessa sociedade democrática, as letras e artes florescem e a ciência, em parte de origem oriental, é produzida com alto grau de abstração e, por meio de poderoso raciocínio, atinge a perfeição das generalizações.

Destacam-se, nesse período, a ciência e a filosofia, que caminham juntas e em algumas áreas, é o que se pode constatar na Medicina e na Biologia.

O espírito inquieto e reflexivo do ateniense leva-o a refletir sobre os problemas do homem e do universo, produzindo, assim, o desenvolvimento da Filosofia, dentre os quais se destacam nessa área: Sócrates, Platão e Aristóteles.

A arte grega simboliza o humanismo, considerando o homem como a mais importante criatura do universo, e essa arte, tendo como manifestações principais a arquitetura e a escultura, coexistindo os ideais de harmonia, ordem e moderação. Ela é a expressão da vida nacional, tendo não apenas fins estéticos, mas também políticos e representa o orgulho do povo pela sua cidade.

Nesse contexto, em que democracia e orgulho da cidade unem-se, exercer a cidadania tem características específicas e implica o uso da palavra em público, seja para participar de atividades políticas, jurídicas, ou festivas. É esse espírito de época que possibilita o desenvolvimento e a sistematização dos gêneros de textos poéticos e oratórios.

A caracterização, explicação e a normatização dos gêneros ocorrem, pela primeira vez, na Grécia em dois ramos de atividades socioculturais - literatura e oratória - para, posteriormente, estenderem-se a outros campos humanos de ação.

Esta exposição inicia-se pela oratória, em uma das obras em que Aristóteles focaliza os gêneros, a Arte Retórica.

Para o filósofo, a retórica é um conjunto de conhecimentos de categorias e regras do qual apenas uma parte diz respeito aos aspectos linguísticos, é uma técnica entendida como “a faculdade de ver teoricamente o que, em cada caso, pode ser capaz de gerar a persuasão” (Retórica, s/d: capítulo II, p.33), em outras palavras, a retórica tem em vista a criação e a elaboração de discursos com fins persuasivos.

Segundo Ricoeur (1983, p.13), a retórica aproxima-se da filosofia e se divide em três partes: uma teoria da argumentação, uma teoria da elocução e uma teoria da composição do discurso. E é a partir dessa concepção que Aristóteles apresenta uma tríplice divisão dos gêneros: o jurídico, o deliberativo e o epidítico.

Esses discursos seriam definidos pelas circunstâncias em que são pronunciados, determinando, do mesmo modo, a categoria de seus ouvintes.

O gênero jurídico tem por objetivo a acusação ou a defesa, caracterizando-se como o discurso pronunciado por um advogado perante o tribunal em casos de processos penais, sempre com vistas à persuasão.

Baseia-se no critério do justo e do injusto e a base da sua argumentação é o entimema29. Quanto ao tempo, esse discurso, focaliza um fato passado.

O gênero deliberativo tem por objetivo aconselhar ou desaconselhar, caracterizando-se como o discurso pronunciado pelo representante de um partido político aos membros de uma assembleia popular. Baseia-se no critério do útil e do nocivo para a cidade e a base da sua argumentação é o exemplo. Quanto ao tempo, destaca um fato futuro.

O gênero epidítico ou demonstrativo tem por objetivo o louvor ou a censura, caracterizando-se como o discurso pronunciado em situações festivas, homenageando ou vilipendiando pessoas dignas de louvor ou de crítica/injúria diante do grande público. Baseia- se no critério do belo e a base de sua argumentação é amplificação, exaltando a virtude ou o vício. Quanto ao tempo, esse discurso trata de um tema de interesse atual, presente.

Segundo Lausberg (1972, p. 84), os dois primeiros têm em vista uma alteração da situação realizada pragmaticamente, ou seja, no decorrer dos acontecimentos, que é exterior e socialmente relevante, a mudança ocorre no nível do pensamento. Para que se dê essa alteração, concretizada pelo árbitro da situação – juiz ou assembleia popular – os preceitos processuais devem ser rigorosamente obedecidos.

Quanto ao epidítico, o objetivo de alterar a situação deve estar posto na intenção do orador que busca a confirmação de uma situação pressuposta como constante, atribuindo-lhe um valor ou de louvor ou de censura.

Sendo a Retórica, uma techné30, que tem por objetivo a formação do cidadão, desempenhando, portanto, uma função pragmática por preparar o indivíduo para a ação,       

29 Entimema é uma forma de silogismo ou argumentação em que uma das premissas ou um dos argumentos fica

subentendido. Na Retórica, Aristóteles descreve esta disciplina como constituindo uma contrapartida ou um ramo da dialética, à qual se liga porque trata de argumentos que não pressupõem o conhecimento de qualquer ciência em particular, antes podem ser utilizados e seguidos por qualquer indivíduo. Fonte consultada E-

Dicionário de Termos Literários (EDTL), coord. de Carlos Ceia, ISBN: 989-20-0088-9,

característica essencial da cidadania no contexto da cidades-estado gregas e para atingir esse objetivo, o domínio dos gêneros textuais é uma ferramenta fundamental para se obter a adesão de um auditório em relação ao ponto de vista defendido. Dessa forma, percebe-se que, na Grécia, em relação aos gêneros houve uma reflexão teórica representada por Platão, na República e por Aristóteles na Poética. A seguir, as origens do conceito de gêneros literários.