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CAPÍTULO 5 – LEITURA DE LITERATURA NA ESCOLA:

5.3 Leitura e o texto dramático

Na seção anterior, abordamos a importância da leitura dos gêneros literários na escola e, nesta seção, abordaremos a leitura do texto dramático, e entendemos que seja importante situá-lo enquanto gênero literário, e considerar algumas de suas especificidades.

De acordo com Pascolati (2009, p. 109), nem sempre a literatura dramática tem tido o espaço que merece nos currículos dos cursos de pós-graduação e também no curso de Letras, sendo seu estudo, muitas vezes, exclusivo a disciplinas especiais ou cursos de extensão.

Segundo a autora, faltam materiais que facilitem o encontro entre o discurso teatral e o professor em formação e tornar mais significativa e estimulante a experiência de leitura. A consequência é que o texto dramático acaba ocupando um lugar periférico também em outros níveis de ensino e não faz parte dos hábitos de leitura de grande parte dos alunos e professores.

Pascolati (2009, p. 109) nos lembra que:

Historicamente, isso pode ser explicado pela prevalência, no ensino, de textos narrativos e poéticos sobre os dramáticos. Além disso, a literatura dramática sempre esteve associada à ideia de cena, de representação, disseminando a impressão de que o texto dramático é escrito apenas para ser encenado, como se a leitura fosse um processo insuficiente ou incompleto.

Dessa forma, defendemos a importância da leitura do texto dramático para o desenvolvimento de capacidades de linguagem, e como dissemos na introdução, veremos como o texto dramático se apresenta nos documentos oficiais, os PCN’s de Língua Portuguesa52, organizados em gêneros privilegiados para o trabalho da prática de escuta e leitura de textos, conforme quadro abaixo:

Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos

Linguagem oral Linguagem escrita

Literários De imprensa De divulgação científica cordel, causos e similares texto dramático canção comentário radiofônico entrevista debate depoimento Literários De imprensa De divulgação científica conto novela romance crônica poema texto dramático notícia editorial artigo reportagem carta do leitor entrevista charge e tira verbete enciclopédico        52

Parâmetros Curriculares Nacionais: terceiro e quarto ciclos do Ensino Fundamental. Língua Portuguesa. Brasília, 1998.

Publicidade exposição seminário debate palestra propaganda Publicidade (nota/artigo) relatório de experiências didáticos (textos, enunciados de questões) artigo propaganda

Quadro 4 – Gêneros privilegiados para a prática de escuta e leitura de textos, segundo os PCN’s-LP

Observando o quadro acima, que privilegia a leitura de vários textos fundamentais para o ensino de leitura na escola, e a sugestão dos PCN’s-LP para a prática de escuta e leitura de textos (linguagem oral/escrita), identificamos a ocorrência do gênero “texto dramático.” E, ainda, há uma seção chamada “A especificidade do texto literário”, que enfatiza o uso desse gênero de texto nas práticas escolares. Mas o que seria esse “texto dramático”?

Podemos encontrar pistas dentro do próprio texto que trata dessas especificidades, quando ao afirmar:

Como representação - um modo particular de dar forma às experiências humanas, o texto literário não está limitado a critérios de observação fatual (ao que ocorre e ao que se testemunha), nem às categorias e relações que constituem os padrões dos modos de ver a realidade e, menos ainda, às famílias de noções/conceitos com que se pretende descrever e explicar diferentes planos da realidade (o discurso científico). Ele os ultrapassa e transgride para constituir outra mediação de sentidos entre o sujeito e o mundo, entre a imagem e o objeto, mediação que autoriza a ficção e a reinterpretação do mundo atual e dos mundos possíveis.

A expressão em destaque no início do parágrafo “Como representação”, e o próprio corpo do texto, como entendemos aqui, permite inferir a encenação do texto dramático e seus desdobramentos, o que torna de extrema importância os estudos com o gênero tragédia que defendemos nesta pesquisa, e uma análise linguístico-estilística do texto dramático.

Pensar sobre a literatura a partir dessa relativa autonomia ante outros modos de apreensão e interpretação do real corresponde a dizer que se está diante de um inusitado tipo de diálogo, regido por jogos de aproximação e afastamento, em que as invenções da linguagem, a instauração de pontos de vista particulares, a expressão da subjetividade podem estar misturadas a citações do cotidiano, a referências indiciais e, mesmo, a procedimentos racionalizantes. Nesse sentido, enraizando-se na imaginação e construindo novas hipóteses e metáforas explicativas, o texto literário é outra forma/fonte de produção/apreensão de conhecimento.

Pelo que pudemos identificar, através dos PCN’s-LP, que o tratamento didático dado ao texto dramático (oral ou escrito) deve reconhecer as suas singularidades e propriedades exigindo um outro tipo de análise. E também, na seção que exemplifica a prática de escuta de textos orais e leitura de textos escritos, o documento cita:

Ensinar língua oral não significa trabalhar a capacidade de falar em geral. Significa desenvolver o domínio dos gêneros que apoiam a aprendizagem escolar de Língua Portuguesa e de outras áreas (exposição, relatório de experiência, entrevista, debate etc.) e, também, os gêneros da vida pública no sentido mais amplo do termo (debate, teatro53, palestra, entrevista etc.). Em seguida, os PCN’s-LP sugerem propostas de atividades que permitem explorar mais intensamente questões de variação linguística: análise da força expressiva da linguagem popular na comunicação cotidiana, na mídia e nas artes, analisando depoimentos, filmes, peças de teatro, novelas televisivas, música popular, romances e poemas.

Como vimos, nesse processo de ensino e aprendizagem de leitura, propostos nos PCN’s-LP e exemplificados por nós, o texto dramático ou teatral é de suma importância e faz parte da diversidade de gêneros propostos para a prática de leitura.

Contextualizando a linguagem do texto teatral, de acordo com Costa, apoiando-se em Barthes (1964), declara que o teatro é uma densidade de signos:

O que é a teatralidade? É o teatro menos o texto, é uma densidade de signos e de sensações, construídas sobre o palco a partir do argumento escrito, é esta espécie de percepção ecumênica dos artifícios sensoriais, gestos, tons, distâncias, substâncias, luzes, que submerge o texto na plenitude de sua linguagem exterior (1964, apud COSTA, 2002, p. 169).

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Todos os elementos extra-textuais influenciam na representação, formando uma outra obra. A partir do século XX, a moderna teoria do teatro vê com cautela uma definição do texto dramático que o identifique e o diferencie, pois a tendência contemporânea é a de que é possível utilizar qualquer tipo de texto para uma eventual encenação.

Para Patrice Pavis, “todo texto é teatralizável, a partir do momento que o usam em cena” (PAVIS, 1999, p. 405).

Apesar disso, o texto dramático, aquele escrito por um dramaturgo com vistas à leitura individual, à leitura coletiva ou a uma encenação, tem, geralmente, características próprias. O texto teatral traz, em sua estrutura, marcas específicas: diálogos, conflitos, situação dramática, noção de personagem e, muitas vezes, ausência de narrador. No modo dramático, há o uso exclusivo da cena: “por cena entenda-se a representação do diálogo das personagens, efetuada por meio do uso do discurso direto” (FRANCO JUNIOR, 2003, p. 41). No texto dramático, temos ainda a existência de várias personagens-locutoras, que dão suas réplicas independentemente de um narrador. A ausência de narrador ou de uma voz centralizadora que oriente a leitura é uma das principais diferenças em relação ao texto narrativo e pode trazer dificuldades para o leitor não iniciado no texto dramático.

No texto dramático, as personagens devem ter um universo do discurso comum, para que o diálogo seja inteligível, ou então estaremos diante do teatro do absurdo (não abordaremos aqui a questão do teatro do absurdo). Outra característica marcante do texto dramático são as indicações cênicas espaço-temporais, as indicações de movimentação e outras informações pertinentes às ações, mas que não constituem o texto que será dito em cena. Essas indicações são escritas em forma de rubricas, fazem parte do texto dramático, não podem ser ignoradas pelo leitor, mas nem sempre são respeitadas pelo encenador.

Patrice Pavis assim define a rubrica:

Todo texto (quase sempre escrito pelo dramaturgo, mas às vezes aumentado pelos editores como para SHAKESPEARE) não pronunciado pelos atores e destinado a esclarecer ao leitor a compreensão ou o modo de apresentação da peça. Por exemplo: nome das personagens, indicações das entradas e saídas, descrição dos lugares, anotações para a interpretação etc. (PAVIS, 1999, p.206).

Para Marta Morais da Costa (2002), a rubrica é o elemento de ligação entre texto escrito e a realização cênica, refletindo a posição crítica do dramaturgo a respeito do fazer teatral.

No presente trabalho, não consideramos as possibilidades cênicas do texto do gênero tragédia, mas tratamos do texto dramático enquanto gênero literário, enquanto leitura literária

e, nesse sentido, ressaltamos a importância da rubrica e das outras especificidades do gênero como elementos de indeterminação do texto, responsáveis por convocar o leitor a exercer sua participação e coautoria da obra. No entender de Anne Ubersfeld,

[...] como todo texto literário, mas mais ainda, por razões evidentes, o texto de teatro é esburacado [...] não somente nós não sabemos nada da idade ou do aspecto físico ou das opiniões políticas ou da vida passada das personagens [...] 54(UBERSFELD, 1978, p. 24).

Diante disso, passamos a refletir sobre a leitura do texto teatral. Se, por um lado, a leitura do texto dramático pode trazer dificuldades, por outro, pode proporcionar o prazer da descoberta e da criação. Marta Morais da Costa esclarece que:

Ao olharmos o espetáculo ao vivo, mergulhamos na interação, entre esses signos no momento mesmo em que se produzem, no calor da hora. Ao olharmos a página escrita, acionamos mecanismos imaginários que transformam em cores, luzes, sons, movimentos e magia as letras bidimensionais, silenciosas e monocromáticas (COSTA, 2002, p. 170). A indeterminação do texto dramático faz do gênero um terreno instável e esta é uma questão crucial para a leitura, visto que o texto fica aberto para concretizações divergentes. Locais, tempo, aspectos físicos variam em função da leitura e da elucidação do contexto social do leitor.

Como não há indicações, as ordens podem ser subvertidas.

O texto, e singularmente o texto dramático, é areia movediça e também ampulheta: o leitor escolhe clarificar um grão tirando o brilho de outro, e assim por diante, até o infinito. (PAVIS, 1999, p. 406)

Entendemos que essa instabilidade do texto dramático possa ser entendida como fator estimulante para o preenchimento dos vazios, exigindo um leitor inferencial, proporcionando leituras e releituras interessantes e, assim, atuar como fator importante na formação do leitor crítico. De outro ponto de vista, essa mesma instabilidade pode provocar, no leitor despreparado, uma desorientação. Essa dificuldade pode ser um dos motivos que tenham levado professores não habituados a essas leituras a um afastamento pessoal da leitura do texto dramático e, consequentemente, privando os alunos do contato com este gênero literário.       

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Tradução nossa do original: “... comme tout texte littéraire, mais plus encore, pour dês raisons évidentes, le

texte de théâtre est troué [...] non seulement nous ne savons rien de l’âge ou de l’aspect physique ou des opinions politiques ou de la vie passée de personages...

Dessa forma, podemos depreender do texto dramático um tipo de leitura bem específica.

Os PCN’s-LP tratam de algumas modalidades de leitura, como por exemplo: leitura autônoma, leitura colaborativa, leitura feita pelo professor, leitura programada e leitura de escolha pessoal.

Consideramos que todas elas possuem aspectos positivos em relação à formação de leitores e destacaremos duas modalidades citadas pelos PCN’s-LP, a leitura colaborativa e a leitura feita pelo professor, pois se identificam melhor com o gênero adotado nesta pesquisa.

A leitura colaborativa, segundo os PCN’s-LP (p. 45):

“a leitura colaborativa é uma atividade em que o professor lê um texto com a classe e, durante a leitura, questiona os alunos sobre os índices linguísticos que dão sustentação aos sentidos atribuídos. É uma excelente estratégia didática para o trabalho de formação de leitores, principalmente para o tratamento dos textos que se distanciem muito do nível de autonomia dos alunos. É particularmente importante que os alunos envolvidos na atividade possam explicitar os procedimentos que utilizam para atribuir sentido ao texto: como e por quais pistas linguísticas possibilitaram a eles realizar tais ou quais inferências, antecipar determinados acontecimentos, validar antecipações feitas etc. A possibilidade de interrogar o texto, a diferenciação entre realidade e ficção, a identificação de elementos que veiculem preconceitos e de recursos persuasivos, a interpretação de sentido figurado, a inferência sobre a intenção do autor, são alguns dos aspectos dos conteúdos relacionados à compreensão de textos, para os quais a leitura colaborativa tem muito a contribuir. A compreensão crítica depende em grande medida desses procedimentos”.

Já a leitura feita pelo professor, de acordo com os PCN’s-LP (p. 47) representa:

“Além das atividades de leitura realizadas pelos alunos e coordenadas pelo professor, há as que podem ser realizadas basicamente pelo professor. É o caso da leitura compartilhada de livros em capítulos que possibilita ao aluno o acesso a textos longos (e às vezes difíceis) que, por sua qualidade e beleza, podem vir a encantá-lo, mas que, talvez, sozinhos não o fizessem”. “A leitura em voz alta feita pelo professor não é prática comum na escola. E, quanto mais avançam as séries, mais incomum se torna, o que não deveria acontecer, pois, muitas vezes, são os alunos maiores que mais precisam de bons modelos de leitores”.

As duas modalidades de leitura descritas acima, presentes nos PCN’s-LP podem ser aplicadas na leitura do texto dramático, mas é importante ressaltar que, por se tratar de um texto dramático propriamente dito, o gênero tragédia exige especificidades para sua prática de

leitura, pois requer, amparado no arcabouço teórico-metodológico apresentando nos estudos da linguagem, nos estudos dos gêneros literários e na apreensão de capacidades de linguagem voltadas para a leitura, uma leitura dramática orientada, que é o que veremos na próxima seção.