• Nenhum resultado encontrado

O contexto de produção textual da tragédia grega

CAPÍTULO 4 – A TRAGÉDIA GREGA E OS GÊNEROS LITERÁRIOS

4.4 O contexto de produção textual da tragédia grega

Na seção anterior, apresentamos o contexto sócio-histórico das tragédias gregas e situamos a sua origem e importância, tanto para o desenvolvimento da linguagem, como para o desenvolvimento da civilização grega.

Nesta seção, objetivamos apresentar os elementos contextuais que configuram a produção dos textos do gênero tragédia na época, e que se enquadram a partir dos estudos desenvolvidos por Machado & Bronckart (2009) que serão descritos mais detalhadamente na seção 4.6.1..

Salientamos, porém, que nossa análise recai sobre o texto da tragédia adaptada e não nos aprofundaremos nas análises dos elementos contextuais, organizacionais, enunciativos ou semânticos da tragédia original, o que não desmerece o nosso olhar para os níveis de textualidade enfocados neste trabalho.

Vários são os elementos contextuais que podem influenciar a produção do texto, tais como: o contexto sócio-histórico (como já vimos), o suporte em que o texto está sendo veiculado, o contexto linguageiro imediado, o intertexto, os contextos físico e sociointeracional.

Primeiramente, descreveremos o contexto físico de produção (lugar físico, emissor, receptor) no momento da produção do gênero tragédia.

As tragédias nasceram juntamente com o culto a Dionísio (o deus do vinho), na Grécia, em Atenas, no século V a. C. aproximadamente em 535 a. C., quando tiranos antiaristocratas elevaram a adoração de Dionísio a culto oficial, cabendo a Pisístrato (600-527 a. C.), responsável por erguer aos pés da cidade, um templo dedicado ao deus e instituir em sua honra diversas festas, sendo as Grandes Dionísias Urbanas, que aconteciam na primavera.

Seu emissor principal é Ésquilo (nasceu em Elêusis/Atenas, em 525 a. C. ou 524 a. C., e morto em 456 a. C.), o primeiro dramaturgo grego e para muitos o fundador das tragédias e que lhe deu formas definitivas. Escreveu cerca de noventa peças, das quais menos de dez chegaram até nós, muito provavelmente escreveu, neste período, a tragédia grega de Prometeu Acorrentado, nosso objeto de análise e mais duas: Prometeu Portador do Fogo e Prometeu Libertado, das quais restam somente alguns poucos fragmentos.

Seu destinatário inicial (receptor) eram as populações submetidas pelos gregos, especialmente as agrícolas e também mulheres, escravos e estrangeiros.

Nesse segundo momento, discorreremos sobre o contexto sociointeracional de produção ou contexto sociossubjetivo. A produção das tragédias de Ésquilo ocorria na Grécia, precisamente em Atenas, onde no século V a. C., a produção trágica expressou seu maior relevo e qualidade. Essa atividade de formação social – as produções teatrais – tornaram-se evento oficial e se desenvolveram, e devido ao seu interesse surgiram os concursos de tragédias, que contava com o patrocínio do Estado.

A regulamentação destas representações teatrais em festas populares tinha um forte caráter político, pois o apoio popular estava em jogo. As próprias cidades se encarregavam dos preparativos da realização destas representações teatrais e a cada dia (os concursos tinham duração de três dias seguidos) eram apresentados um drama satírico e uma trilogia clássica de um autor previamente selecionado.

Durante a organização do evento, o cidadão mais importante de Atenas era chamado de arconte (magistrado) e designava para cada autor um corega, que seria o responsável pelas representações, e tinha a função de escolher e supervisionar, às suas expensas, os ensaios

escolhendo assim, jovens coreutas que formariam o coro (os atores) e para esses papéis eram selecionados apenas pessoas do sexo masculino.

O papel social principal do emissor (que lhe dá o estatuto de enunciador, no nosso caso Ésquilo), é o de dramaturgo, ou seja, autor de peças teatrais. Outros papéis sociais poderiam ser desempenhados por Ésquilo, como o de diretor, por exemplo.

No caso do papel social do receptor (coenunciador), é o de expectador, ou seja, quem assiste ao espetáculo ou o leitor do texto escrito.

No contexto sócio-histórico (que abordaremos resumidamente) a tragédia surge e desenvolve-se em Atenas, num período que começa com o início do desenvolvimento político, econômico e social que a cidade conhece nos finais do século VI a. C., período que se prolonga pelo século seguinte. Sabemos que as representações trágicas se inscreviam no calendário das festas cívico-religiosas celebradas nas Grandes Dionísias, no início da primavera, e também, posteriormente nas Dionísias Rurais, durante o inverno.

Patrocinadas pelo Estado, as representações trágicas eram custeadas por impostos chamados de khoregía40. Os coros trágicos eram formados exclusivamente por cidadãos atenienses em gozo de seus direitos políticos, e havia isenção de serviço militar para quantos estavam envolvidos nos ensaios visando às representações.

Confluíam ainda, na tragédia, o legado da epopeia, que contribuía com os temas legendários e as personagens heroicas, além do legado da poesia lírica coral, cuja linguagem e espírito foram incorporados aos coros trágicos. Através desse legado e nesse contexto político, configuram-se na tragédia as forças do passado aristocrático ou tirânico, cujas lembranças ainda perduram temidas no interior da polis, e as forças do presente democrático.

Em relação ao suporte41, que é o elemento físico que transporta o texto, no caso das tragédias, em sua época diversos tipos de materiais foram utilizados para a escrita no mundo antigo: tábuas de argila, pedra, osso, madeira, couro, metais diversos, fragmentos de cerâmica (ostraca), papiro e pergaminho. No entanto, de todos esses materiais, os mais eficazes para a feitura de documentos que pudessem ser manuseados e transportados até o leitor/ouvinte foram, num primeiro momento, as tábuas de argila e depois o papiro e o pergaminho. A

       40

No teatro da Antiga Grécia, corego era o título honorário para um cidadão rico ateniense que assumia a

coregia (khoregía), ou seja, o dever público do financiamento das despesas da preparação do coro e outros

aspectos da produção dramática que não eram cobertos pela pólis. Os custos que cabiam ao corego podiam incluir as roupas usadas no teatro, máscaras, custos de pesquisa, coro, cenários ou pinturas dos cenários, efeitos especiais, exemplo: som, músicos (exceto o flautista, que era pago pelo Estado). Os prêmios do teatro eram destinados aos dramaturgos e ao corego (VASCONCELLOS, 1987, p. 196).

41

Publicação consultada “Do manuscrito ao livro impresso: investigando o suporte. In: PG Letras 30 anos, 2006, Recife, de Benedito Gomes Bezerra.

escrita em pergaminho tem uma história bem mais recente que a do papiro, embora o couro de animais deva ter sido de alguma forma utilizado como material de escrita já há muito tempo.

O termo grego περγαμηνη (pergaminho) deriva-se, ao que parece, da cidade de Pérgamo, que se notabilizou por produzir pergaminhos de alta qualidade, eventualmente chegando a nomear o produto a partir de sua procedência. E como o suporte se configurava na época das tragédias?

No mundo greco-romano, as obras literárias usualmente eram publicadas na forma de rolos de papiro ou pergaminho. Para formar o rolo, folhas eram coladas lado a lado no sentido horizontal, formando uma longa tira presa a um bastão, em torno do qual ela era enrolada, formando um volumen.

Segundo Metzger (1968), o rolo literário grego raramente ultrapassava os dez metros de comprimento, uma vez que o tamanho excessivo dificultava o manuseio para a leitura.

Obras de grande extensão eram geralmente divididas em vários “livros”, cada um deles ocupando um rolo específico. O texto era disposto em colunas de cinco a oito centímetros de largura, no sentido paralelo ao bastão que segurava o rolo. A altura das colunas correspondia aproximadamente à altura das folhas do respectivo manuscrito.

Nesta seção, apresentamos os elementos contextuais da tragédia original e na próxima seção, apresentaremos o plano organizacional geral42do gênero e que pode nos fornecer informações relevantes para a análise da tragédia adaptada de Prometeu Acorrentado, objeto de nossa análise.