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CAPÍTULO 1 PRESSUPOSTOS TEÓRICO-METODOLÓGICOS DO

1.6 Procedimentos de análise dos textos

1.6.2 Nível organizacional

1.6.2.1 Os tipos de discurso

Definido o conteúdo temático, apresentaremos nessa seção como o enunciador/autor/produtor organizou seu texto e privilegiou ou não determinadas temáticas,

seguiremos com a análise das relações que ele estabeleceu entre o conteúdo temático e o momento de produção, em outras palavras:

- se ele está implicado ou não com os fatos contados ou expostos;

- se os fatos acontecem no momento em ele enuncia (conjunto), ou em outro tempo (disjunto);

- se os fatos contados ou expostos pertencem/fazem parte a um mundo ordinário (verossímil) ou virtual (abstrato).

A identificação de tais relações entre enunciador, tempo-espaço e mundos é possível pelo reconhecimento dos tipos de discursos predominantes. O interesse do ISD, ao tratar dos tipos de discurso, é compreender/descrever as operações que o sujeito efetua para produzir um texto e dos possíveis modos que pode reconstruí-los. E, assim, verificar qual o papel dos tipos de discurso no desenvolvimento do pensamento consciente.

Ao produzirmos um texto estabelecemos associações que se estruturam em dois tipos de relações: as primeiras explicitam a relação existente entre o conteúdo temático de um texto e as coordenadas gerais do mundo ordinário (mundos representado pelos agentes humanos) que desenvolvem a ação de linguagem a qual o texto se origina.

Já, as segundas dizem respeito, mais especificamente, ao relacionamento entre as diferentes instâncias de agentividade (personagens, grupos, instituições, etc.) e sua inscrição espaço-temporal, tais como são mobilizados em um texto; e também os parâmetros físicos de ação de linguagem em curso (agente-produtor, interlocutor eventual e espaço-tempo de produção). É, portanto, a partir da concepção dessas segundas relações, que Bronckart (2007) discorre sobre as considerações de mundos da ordem do narrar e expor que veremos logo em seguida.

No mundo da ordem do narrar, as representações mobilizadas quanto ao conteúdo fazem referência a fatos passados e atestados (da ordem da História), a fatos futuros e a fatos plausíveis ou puramente imaginários, ou seja, segundo o que se defende, sua organização se realiza através de uma origem espaço-temporal. Os fatos organizados a partir dessa ancoragem são então narrados.

No mundo da ordem do expor, as representações mobilizadas não se ancoram em nenhuma origem específica, organizam-se em referência mais ou menos direta às coordenadas gerais do mundo da ação de linguagem em curso. Desse modo, os fatos são apresentados como sendo acessíveis no mundo ordinário dos protagonistas da interação da linguagem, portanto eles não são narrados, mas mostrados, ou expostos.

Para os textos da ordem do narrar, o mundo discursivo é situado em um “outro lugar” que, entretanto, deve permanecer verossímil, pois estará sujeito a avaliações e interpretações de seres humanos que o lerão. Tais textos, no entanto, estarão sujeitos a desvios da realidade – às regras em vigor no mundo ordinário, para isso, podemos distingui-los em um narrar realista, que aborda um conteúdo que está sujeito a uma avaliação e interpretação de acordo com o essencial dos critérios de validade do mundo ordinário, e um narrar ficcional, cujo conteúdo pode apenas ser parcialmente sujeito a uma avaliação.

Quanto aos textos situados na ordem do expor, verificamos que seus conteúdos temáticos dos mundos discursivos conjuntos poderão ser, a princípio, interpretados à luz dos critérios de validade do mundo ordinário.

Segundo Bronckart:

“Isso parece ser confirmado pelo fato de que a ficção que funciona nos mundos da ordem do NARRAR será considerada como uma característica normal do gênero adotado, enquanto a ficção nos mundos da ordem do EXPOR será geralmente objeto de uma avaliação baseada exclusivamente nos critérios de elaboração e de validação dos conhecimentos no mundo ordinário, podendo os elementos ficcionais expostos serem considerados, conforme o caso, como falsos, delirantes, ou ainda, como hipóteses heurísticas mais ou menos criativas e mais ou menos credíveis.” (Bronckart, 2007: 154)

Com base nas considerações realizadas até o momento dos mundos discursivos, podemos considerar a distinção/definição de cada um deles quanto à relação que eles estabelecem entre o conteúdo temático e o espaço-tempo de produção, a seguir:

MUNDO DO NARRAR MUNDO DO EXPOR

FATOS NARRADOS FATOS EXPOSTOS

CONTEÚDOS SUJEITOS A DESVIOS DA REALIDADE: NARRAR REALISTA E

NARRAR FICCIONAL

CONTEÚDOS INTERPRETADOS À LUZ DOS CRITÉRIOS DA VERDADE DO MUNDO

ORDINÁRIO

CONTEÚDOS ANCORADOS EM UM ESPAÇO-TEMPO DEFINIDO: PASSADO, FUTURO OU PURAMENTE IMAGINÁVEIS

CONTEÚDOS QUE NÃO SE ANCORAM EM UM ESPAÇO-TEMPO DEFINIDO

Além das escolhas acima citadas, o produtor de um texto pode explicitar sua relação com os parâmetros materiais da ação de linguagem, estabelecendo uma relação de implicação de agentividade. Ou pode não explicitar, estabelecendo uma relação de independência/indiferença com relação aos parâmetros da ação de linguagem em curso, sendo, portanto, uma relação autônoma.

Podemos perceber tais escolhas quando, no primeiro caso, o produtor faz referências dêiticas aos parâmetros os incluindo no conteúdo temático. Tal percepção se dá quando temos acesso às condições de produção textual. No segundo caso, na relação autônoma com os parâmetros, a interpretação do texto não requer um conhecimento das dimensões temporais e espaciais em que foi produzido.

De acordo com Bronckart (2007), podemos fazer uma segunda distinção geral dos mundos discursivos pela relação de implicação e autonomia com os parâmetros da ação de linguagem. E, tal distinção, dá origem à formação de quatro mundos:

a) Mundo do Narrar Implicado b) Mundo do Narrar Autônomo c) Mundo do Expor Implicado d) Mundo do Expor Autônomo

Tais mundos são identificados a partir das formas linguísticas que os semiotizam, os quais são seus dependentes. Os Tipos de discurso são:

as formas linguísticas identificáveis nos textos que traduzem a criação de mundos

discursivos específicos, sendo esses tipos articulados entre si por mecanismos enunciativos que conferem ao todo textual sua coerência sequencial e

configuracional. (Bronckart, 2007:149)

Os tipos discursivos ainda podem ser definidos como o “discurso tal como ele é efetivamente semiotizado no quadro de uma língua natural, com suas propriedades morfossintáticas e semânticas particulares” (Bronckart, 2007: 156).

Eles são de quatro tipos: discurso interativo, discurso teórico, relato interativo e narração; compreensíveis nas relações de conjunção/disjunção espaço-temporal e implicação/autonomia com os parâmetros de ação de linguagem.

COORDENADAS GERAIS DOS MUNDOS CONJUNÇÃO (tempo presente) DISJUNÇÃO (tempo passado) EXPOR NARRAR RELAÇÃO AO ATO DE PRODUÇÃO IMPLICAÇÃO DISCURSO INTERATIVO RELATO INTERATIVO AUTONOMIA DISCURSO TEÓRICO NARRAÇÃO

Quadro 3 – Tipos de Discursos e implicações (Bronckart, 2007)

O reconhecimento dos tipos discursivos se dá por um subconjunto de tempos verbais, determinados pronomes e determinados organizadores, assim como nos esclarecem Machado & Bronckart (2009).

Dessa forma, é possível fazer com que os tipos de discursos possam ser identificáveis em sua concretude linguística e, assim, “... fazer passar do nível do tipo abstrato, ou tipos psicológicos, para o nível dos tipos concretos ou tipos linguísticos.” (BRONCKART, 2007: 165). Abaixo seguem as descrições dos quatro tipos de discursos compreendidos dentro do quadro do ISD:

 Discurso Interativo: há marcas que exprimem a implicação do enunciador e possíveis coenunciadores no enunciado. Os verbos estão no presente, o que mostra a conjunção com o tempo da ação do mundo em curso. Exemplo: Pessoal, como vocês avaliam a aula de hoje?

 Discurso Teórico: não há implicação do enunciador, não há marcas identificáveis que demonstram a interlocução. No entanto, as marcas verbais demonstram uma conjunção com o mundo em curso, afinal é esse mundo que validará a veracidade do que é enunciado. Exemplo: “Flower (1983) aponta que enquanto protocolos de relatos-verbais são incompletos, porque muitos processos psicológicos importantes são totalmente inconscientes, a coleta de dados de relato verbal é ainda útil...”

 Discurso Relato-Interativo: Há implicação do enunciador e dos coenunciadores, no entanto, uma disjunção com o tempo enunciado, pois os fatos relatados já aconteceram. Exemplo: “Ontem fomos ao shopping procurar um presente para o sobrinho que nasceu.”

 Narração: Não há marcas que demostram a interlocução, agentividade, e os fatos narrados não pertencem ao momento da enunciação são, portanto, disjuntos. Exemplo: “Camilo teve medo, e, para desviar as suspeitas, começou a rarear as visitas à casa

de Vilela. Este notou-lhe as ausências. Camilo respondeu que o motivo era uma paixão frívola de rapaz. Candura gerou astúcia. As ausências prolongaram-se, e as visitas cessaram inteiramente. Pode ser que entrasse também nisso um pouco de amor-próprio, uma intenção de diminuir os obséquios do marido, para tornar menos dura a aleivosia do ato.” (ASSIS, Machado de. A Cartomante).

Aqui vemos que é narrada a história de outros personagens que não o enunciador, ou pelo menos, não há marcas que nos levem a inferir que ele está presente; e o tempo em que os fatos aconteceram é outro, pertencentes ao passado.

Além dos tipos de discurso, Bronckart (2007) teorizou, para a compreensão das diferentes formas de planificação do conteúdo temático, sobre as sequências textuais, retomando e reformulando as considerações feitas por Adam (cf 1990, 1991a, 1991b, 1992). Para este autor, as sequências são unidades estruturais autônomas, que integram e organizam macroproposições, as quais combinam diversas proposições sendo, desse modo, a organização linear do texto o produto da combinação e da articulação dos diferentes tipos de sequências. A partir dessa visão, é a diversidade das sequências e de suas modalidades de articulação que justifica a heterogeneidade composicional dos textos. A crítica lançada por Bronckart (2007) a essa proposta é que as descrições feitas por Adam são de caráter “técnico”, concebidas como modelos cognitivos preexistentes às sequências efetivas que os geram.

A proposta do ISD para a reformulação do conceito das sequências textuais consiste em reconhecer a importância e utilidade em definir protótipos, no entanto, devendo vê-los, primeiramente, como construtos teóricos elaborados após o exame das sequências empiricamente observáveis nos textos. Dessa forma, busca-se compreendê-las não como procedentes de uma competência textual inata, mas sim de uma experiência com o intertexto em suas dimensões práticas e históricas, sendo elas suscetíveis às mudanças permanentes.

Outra consideração realizada para as sequências textuais, e demais formas de planificação que veremos a seguir (script e esquematização), é o caráter dialógico que elas assumem em função da situação de interação que está em jogo e das representações que o enunciador tem do seu coenunciador. Ou seja, a escolha das diferentes formas de organização textual do conteúdo que está na memória do enunciador, se está de acordo com as representações construídas por ele sobre seu papel social assumido, o papel social do seu par na interação, dos objetivos e efeitos de sentido pretendidos, da posição de ambos frente ao objeto de discurso, etc.

A seguir, veremos como Bronckart (2007) propõe a discussão e compreensão das sequências textuais e de outras formas de planificação que podem ser identificadas em nossas análises.