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Da Arte Postal ao computador: arte e rede

CAPÍTULO 2 – POESIA, ARTE E COMPUTADOR:

2.4 Da Arte Postal ao computador: arte e rede

Gilberto Prado (2003) faz um levantamento cronológico de obras de natureza telemática das quais se destacam aqui, sobremaneira, as implicações da Arte Postal e de algumas experimentações envolvendo lugares geograficamente remotos.

Da integração entre telecomunicações e informática surge o termo telemática (Simon Nora e Alain Minc, em 1978). A “arte telemática”, então, é configurada pela rede de experimentações que se constrói paulatinamente nas últimas décadas do século XX, cuja característica máxima é a circulação do objeto estético. De 1970 aos anos 90, percebem-se constantes avanços e investigações das maneiras como os artistas e os espectadores podem dialogar, inclusive de lugares remotos, para o surgimento do objeto artístico.

A Arte Postal, fundada pelo artista Ray Johnson que, já nos anos de 1950, começou a fazer circular esse tipo de arte nos Estados Unidos, é considerada o primeiro “movimento de história da arte a ser verdadeiramente transnacional” e uma espécie de pré- história da arte comunicação por Gilberto Prado (2003, p. 40).30 Como ainda quer Prado, Suas origens se encontram no Neodadá, Fluxus, Novo Realismo e no grupo japonês Gutai. Esse movimento antecipa aspectos do happening e da action painting (2003, p.40). Também apresenta intrínseca relação com o surgimento do grupo Fluxus no que diz respeito à aproximação dos acontecimentos artísticos ao cotidiano, quebrando estruturas hierarquizadas. Um ponto importante defendido pelo movimento é a democratização do processo de criação bem como do de recepção, explicitando a crítica ao pensamento de arte como propriedade e rompendo com as exposições fechadas e constituídas de modo conservador nos espaços estáticos dos museus. “A arte postal, nesse sentido, trazia a noção de circuito ao

campo da arte, rompendo com a apresentação tradicional de exposições e galerias, e acentuava a função comunicativa e interpessoal entre os artistas” (ARANTES, 2005, p. 92). Em meio à comunicação de massa, esse movimento surge como uma quebra também do poder de controle dos mass media.

Ray Johnson trocava material artístico com as mais diferentes pessoas e incentivava essa permuta, e quem trocasse correspondência com a New York Correspondance

School rapidamente tinha sua lista de envios expandida. Uma espécie de cadeia é instaurada quando um artista se ingressa no mundo das correspondências da Arte Postal. É a necessidade de circulação, parente próximo do que hoje se vê em termos de disponibilização do objeto estético. Nesse sentido, exigia-se a divulgação das obras e a sua desvinculação comercial, não havendo prêmios nem concorrência. De acordo com o pensamento de Johnson, todo material recebido deveria ser exibido e ter distribuição livre.

As obras divulgadas exploram o grafite, as colagens, as fotomontagens, as transposições textuais, as variações cromáticas e até mesmo a exploração de selos de artistas. Essa estética teve grande destaque na década de 1980 com a utilização de diversos meios de produção como fotocópia, polaroide e estruturas gráficas por meio da computação.

Pode-se perceber, por meio das trocas instauradas, como afirma Prado (2003, p. 40), que já havia o desejo dos artistas da década de 1970 de sincronicidade para seu trabalho da instantaneidade e da transmissão direta, além da pesquisa com signos mistos. Assim, da Arte Postal, como concebida no início do movimento, ao uso das tecnologias informáticas para sua realização foi só questão de tempo.

Com o passar dos anos, houve um desenvolvimento das primeiras técnicas de criação. Do correio comum ao fax, ao telex e, por fim, ao computador, houve uma releitura constante de procedimentos. A partir da década de 1980, a utilização artística das redes de computadores é sistematizada. É quando se começa a falar em Computer Art. Importante, nesse sentido, é o evento ARTBOX que, mais tarde, se torna ARTEX, proposto por Robert Adrian: uma rede artística de "correio eletrônico", que se torna pioneira das redes artísticas eletrônicas com acesso internacional. Permitia eventos telemáticos em textos coletivos (ASCII, e-mail) e quase sempre inacabados.

Gilberto Prado destaca que a arte em rede desenvolvida da década de 1970 à de 1990, basicamente se fazia por meio de aparelhos de fax e modem. N.E.Thing Co, Trans Usi

Connection Nscad-Netco (1969) foi um evento durante o qual houve troca de informações por telex, telefone e fax entre o Nova Scotia College of Art and Design e lain Baxter, do

N.E.Thing Co. Em 1970, o artista Stan VanDerBeek enviou, durante duas semanas, imagens por fax do Center for Advanced Visual Studies, CAVS, no Instituto de tecnologia em Massachusetts, para o Walker Art Center em Minneapolis. Essas imagens se tornaram a obra de arte exposta Panels for the Walls of the World (PRADO, 2003, p. 41). Uma observação que não se pode deixar de fazer é que o que se tem discutido em torno de uma “arte da transmissão”, de alguma forma, já estava na inerência desses projetos telemáticos.

A utilização de slow scan tv,31 que começa nos anos de 1970, permite a criação de eventos ligando várias cidades. Como exemplo, tem-se o projeto O Mundo em 24 horas (1982) que permitiu a conexão entre 16 cidades por meio não só desse equipamento, mas também de fax e computadores.

Em Good Mornning, Mr. Orwell (1984), Nam June Paik “produziu um trabalho via satélite com a colaboração de vários artistas de Nova York, Paris e São Francisco, tendo como base o romance de George Orwell, 1984.32 Como quer Kac,

o satélite possibilita ao artista gerar um fluxo bidirecional de signos em tempo real: em outras palavras, criar um fato estético que é consumido simultaneamente com a mesma carga informacional em dois locais distantes, em decorrência de uma troca e não de uma consulta (2004, p. 67).

No Brasil, Arte pelo telefone, de 1982, sob coordenação de Julio Plaza (com participação de Carmela Gross, Lenora de Barros, Leon Ferrari, Mario Ramiro, Omar Khouri, Paulo Leminsky, Régis Bonvincino, Roberto Sandoval), é pioneira na experimentação em rede. Plaza convidou esses artistas para produzir trabalhos planejados para videotexto. Depois, realizou uma exposição com o referido nome.

Como já se disse, a partir da década de 1980, começa-se a falar em Computer Art. Como o objetivo do presente capítulo não é dissecar historicamente os processos artísticos que se enfocam, retomam-se apenas dois nomes do movimento, no Brasil, de grande importância para o entendimento do percurso que aqui se deslinda: Waldemar Cordeiro e Erthos Albino.

Cordeiro, desde a formação do grupo Ruptura,33 já mostrava atitude inovadora e

subversiva. As ideias básicas do movimento eram romper com a arte representativa e até

31 Método de transmissão de imagens utilizado, sobretudo, por radioamador para transmitir e receber imagens estáticas.

32 “Contrariamente ao livro de Orwell, que enfatiza o aspecto negativo da mídia como instrumento de manipulação da consciência, o objetivo de Paik foi mostrar o potencial cultural e participativo do vídeo”

mesmo a abstrata, e, insistindo numa arte concreta que, antes de imitar o real, atua nele, propor interferências que visavam melhorar o meio urbano, modernizando-o por meio da atuação nas áreas do design, da arquitetura e do paisagismo.

No final da década de 1960, Waldemar Cordeiro e Giorgio Moscatti começaram a construir trabalhos em artes plásticas com o auxílio do computador IBM 360/44. Destacam-se

O beijo, de 1967 (considerada um marco), Beabá (1968), Derivadas de uma imagem (1969),

O Retrato de Fabiano (1970), A Mulher Que Não É B.B. (1971), (FIG. 23) a série Gente (1972/1973) e Pirambu (1973). Seu trabalho se tornou, então, referência para quem faz ou estuda arte eletrônica. Em A mulher que não é B.B. (1971), a fotografia de uma menina vietnamita, queimada pelas bombas de napalm – é transformada em milhares de pontos. Em

Derivadas de uma imagem (FIG. 24), Cordeiro traduz uma imagem fotográfica em modelo numérico.

Em 1972, Cordeiro organiza a mostra Arteônica – O uso criativo dos Meios

Eletrônicos em Arte, na Fundação Armando Álvares Penteado (FAAP), em São Paulo – marco importante da Computer Art no país.

Como se pode observar, o artista contribui para o cenário das artes, por meio de seus trabalhos, não só trazendo o computador para os meios de produção estética, mas também refletindo sobre a produção. Discutindo a crise da arte contemporânea, ele atribui como sua causa a “inadequação dos meios de comunicação, enquanto transporte de informações, e a ineficácia da informação enquanto linguagem, pensamento e ação” (CORDEIRO citado por GIANNETTI, 2006, p. 88).

A obra que implicitamente define o espaço físico de seu próprio consumo setoriza o ambiente, pressupondo uma zona específica para a fruição artística. (...) A setorização comunicativa e informativa conflita com o caráter interdisciplinar e integrado da cultura planetária. A utilização de meios eletrônicos pode proporcionar uma solução para os problemas comunicativos da arte mediante a utilização das telecomunicações e dos recursos eletrônicos, que requerem, para otimização informativa, determinados processamentos da imagem (CORDEIRO citado por GIANNETTI, 2006, p. 88).

Como é possível perceber, Waldemar Cordeiro antecipa algo interessante a respeito da interatividade e interdisciplinaridade, numa tentativa de conjugar arte e vida (propostas já de outros movimentos, como o próprio grupo Fluxus).

Um outro nome importante nesse cenário é Erthos Albino, que também trabalhou com Waldemar Cordeiro. Um dos seus trabalhos mais destacados é O Túmulo de Mallarmé. Albino

elaborou um programa de distribuição de temperaturas e o aplicou a um fluido aquecido que corre no interior de uma tubulação. Esse programa permitiu obter um desenho das diferentes temperaturas do fluido nas diversas secções da tubulação, mas como o poeta-engenheiro codificou o seu sistema gráfico de modo que cada fase de temperaturas correspondesse a uma das letras do nome de Mallarmé, o resultado é um gráfico em que as letras se dispõem no espaço formando configurações que lembram imaginariamente o ‘túmulo’ de Mallarmé (MACHADO, 2001, p. 175).

Albino é considerado por Kac o primeiro poeta brasileiro a pensar o poema eletronicamente (2004, p. 321). Outro trabalho interessante de Albino é o poema Ninho de

Metralhadoras (1976) (FIG. 25), em que há uma imbricação entre a exploração da visualidade com o conteúdo do texto.