• Nenhum resultado encontrado

Poesia e computador – primeiros passos

CAPÍTULO 2 – POESIA, ARTE E COMPUTADOR:

2.1 Poesia e computador – primeiros passos

Conforme Frank Popper (1993, p.78), as origens da computer art podem ser associadas a 1952, com a realização de Electronic Abstractions, de Ben F. Laposky, nos Estados Unidos. Geravam-se ondas eletrônicas que eram exibidas em osciloscópios de raios catódicos e depois as fotografavam para exibição.

Oscillographic art might be considered as a kind of visual music, as the basic waveforms resemble sound waves. I used sine waves, saw tooths, square waves, triangular waves, and others in various combinations, modulations, envelopes, sweeps, etc. Oscillons usually are not accidental or naturally occurring forms, but are composed by the selection and control of the oscilloscope settings and of varied input circuitry. I used especially modified oscilloscopes for this work, as well as some of my own specifically designed electronic instruments19 (LAPOSKY, s. d.).

As primeiras experiências envolvendo literatura e computador remontam a 1959, com o poema permutação “I am that I am”, de Brion Gusin. Trata-se de um texto estocástico, com variação randômica.

Em se tratando de pesquisa em poesia permutatória, o grupo OULIPO (Ouvroir de

Littérature Potencielle – França) é considerado o precursor com poemas feitos por cálculo de computador, ainda nos anos 1960/70. Interessados nas mudanças da linguagem poética, os escritores do grupo se dedicam a trabalhar a escrita literária por meio de regras e restrições: escrever sem a letra “e”, com apenas uma vogal, com recursos permutacionais, escrever um texto que mantenha a mesma estrutura sintática de outro. Por meio do cálculo matemático, demonstravam que o poeta, ao lidar com certos aparatos, passaria a arquitetar não só o verso, mas uma série de fatores e procedimentos na mediação texto/ leitor. Cent mille milliards de

poèmes, de Raymond Queneau, por exemplo, é composto por sonetos que, combinados entre si, geram milhões de poemas diferentes.

Outros exemplos de experimentos criados sob essa perspectiva são os “Inventários”, a “Anterima”, de Le Lionnais e os “Sonetos irracionais”, criados por Jacques Bens. Palíndromos, poemas cujos versos se iniciam com a mesma letra e poema com versos

19 “A arte oscilográfica pode ser considerada como um tipo de música visual, como as formas de ondas básicas lembram ondas sonoras. Eu usei ondas de seno, dentes de serra, ondas quadradas, ondas triangulares, e outras em várias combinações, modulações, envelopes, varreduras, etc. Oscillons geralmente não são formas acidentais ou que ocorrem naturalmente, mas são compostas pela seleção e controle das configurações osciloscópicas e do circuito variado de estímulos. Eu usei osciloscópios especialmente modificados para este trabalho, bem como alguns instrumentos eletrônicos específicos desenvolvidos por mim.” (Tradução nossa).

de tamanho progressivo (começando com uma sílaba e aumentando sucessivamente de tamanho) são largamente explorados pelo grupo OULIPO.

Os experimentos do grupo se pautam naquilo que Pedro Reis (2004a, p.49) denomina constrangimentos em relação às formas tradicionais da linguagem para o surgimento de estruturas novas, trabalhando o texto como virtualidade, como campo de possíveis para que o experimento se abra, materialmente, ao leitor.20 Há a busca pelo aleatório e pelo combinatório, o que é interessante para perceber que há uma lógica que envolve a produção de poesia em computador e não o computador ditando essa lógica.

Outras iniciativas se sucederam nessa linha oulipiana de investigação. Nanni Balestrini, poeta italiano, já na década de 1960, construiu um experimento, por meio de computador. Em Tape Mark I (FIG. 20) e Tape Mark II, há o processamento de reportagens jornalísticas, poemas e outras fontes compondo um todo fragmentário muito próximo ao que os poetas portugueses têm feito no projeto Po-ex21 numa exploração do probabilístico.

No Brasil, Décio Pignatari e Luiz Ângelo Pinto experimentaram, ainda na década de 1960, a elaboração de poemas por meio de computador, misturando textos já existentes e suprimindo letras de poemas. No Canadá, pode-se citar Jean Baudot, com La machine à écrire realizada em 1964 por meio da criação aleatória de frases geradas por uma gramática rudimentar instalada no programa.

Em se tratando da divulgação dessa estética ainda em nascimento, logo se começa a investir em publicação e estudos críticos. Já em 1973, é publicada nos Estados Unidos a antologia Computer Poems, editada por Richard W. Bailey, e, em 1974, na Alemanha, Carole McCauley lança seu livro Computers and Creativity.

Na mesma linha do Oulipo, surge na França o grupo A.L.A.M.O. (Atelier de

Littérature Assistée par la Mathématique et les Ordinateurs), formado pelos oulipianos Paul Braffort e Jacques Roubaud (1981), com o propósito de construir literatura com o auxílio do computador, numa tentativa de libertar o poema do papel. Como exemplo, tem-se a releitura para a informática dos Cent mille milliards de poèmes e, sobremaneira, a geração automática de textos.

Pedro Barbosa, cuja obra será retomada no capítulo 8, em 1975 já trabalhava com poesia combinatória via computador. Seu trabalho de maior destaque é o Sintex, um gerador de textos que tem apresentado ressonâncias na produção poética da atualidade.

Na França, a constituição do grupo L.A.I.R.E (Lecture, Art, Innovation, Recherche, Écriture) dialoga com essas possibilidades. Fundado por Philippe Bootz, Fréderic de Velay, Jean-Maire Dutey, Tibor Papp e Claude Mailard na década de 1980, o grupo integra imagem, som e texto num mesmo suporte, interfaceados pelo computador. Funda-se a revista

Alire, cuja importância no cenário da poesia é incontestável.

Como se percebe, há um apelo geral nas últimas décadas do século XX para a pesquisa poética envolvendo a máquina. E, mais que exercícios ao modo dadaísta de constituição do texto, que teria uma semântica sempre à deriva do ilógico, a pesquisa aqui caminha em direção à formulação de métodos para que a tarefa de organização da matéria poética possa ser delegada ao computador sem a perda do teor comunicacional que esse apresenta.

Por outro lado, a figura já insistentemente conclamada pelos textos das primeiras décadas do século XX – o leitor – continua sendo objeto de pesquisa. Essa investigação das possibilidades oferecidas pelo computador bem como a abertura do texto à participação são propostas também presentes nas outras artes, como se pode ver a seguir.