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Pós-modernidade, desconstrução e fluidez

CAPÍTULO 3 – POESIA E FLUIDEZ DA LINGUAGEM:

3.1 Pós-modernidade, desconstrução e fluidez

A palavra pós-modernidade, utilizada a partir do final dos anos de 1970, inicialmente na arquitetura, “bem depressa foi mobilizada para designar ora o abalo dos alicerces absolutos da racionalidade e o fracasso das grandes ideologias da história, ora a poderosa dinâmica de individualização e de pluralização de nossas sociedades” (LIPOVETSKY, 2004, p.51).

Para além de questões utópicas, distópicas35 e até mesmo de nomenclaturas, espera-se, entender, de alguma forma, o pensamento que vem se delineando no curso do tempo e fazendo a virada histórica que se denota com os desgastados termos pós-modernidade e pós-modernismo36 para, assim, obter melhores resultados nas investigações quanto a algumas questões que a arte tem manifestado, sobremaneira, na poesia. Assim, interessa o panorama geral de entendimento dessa época, bem como seu enfoque mais específico no que diz respeito à poesia digital. Ressalta-se que, pelo fato de se estar ainda tão dentro do que configura a pós-modernidade, a falta de distanciamento histórico dificulta o olhar, porém, para a presente pesquisa, tal esforço é necessário.

Embora a presente pesquisa não se guie por discussões dicotômicas, é uma tendência geral de pesquisadores (Fredric Jameson, Jean-François Lyotard, Henri Lefebvre, Gianni Vattimo, dentre outros) o enfoque do pós-modernismo, partindo do que ele apresenta de oposição em relação ao modernismo.

Nesse sentido, não é certamente a busca do novo que baliza a diferença. Ambos primam pela busca do inédito. O que muda de um para o outro é a investida. Assim, um dos modos de distinguir a modernidade da pós-modernidade em arte é a presença da busca de referenciais bem determinados na primeira e uma premente fluidez na segunda. É certo que os modernismos visavam à quebra de estruturas fechadas e de códigos conservadores. Porém, o faziam na defesa de uma nova e considerada verdadeira direção. Em contrapartida, embora seja um conceito ainda polêmico, o pós-modernismo, muito discutido na década de 1980, é encarado como a quebra da busca de um referencial em virtude da defesa de não lugares e, consequentemente, da reunião do saber.

Diversidade é a palavra de ordem numa época em que lidar com questões, conceitos e verdades fugidios se torna cada vez mais comum. Se um dos primeiros passos para a era moderna foi o conhecimento acerca do interior do corpo humano, como bem

lembram as aulas de medicina do século XV, talvez o passo mais importante da pós- -modernidade seja a abertura ao exterior, à diversidade de espaços com os quais se convive

atualmente.

São posturas típicas da pós-modernidade: a inconstância, a mobilidade, o questionamento acerca do estatuto do sujeito, a pesquisa das linguagens. Pragmatismo,

35 O niilismo, muito presente no enfoque do pós-modernismo, é enfocado por Vattimo no que diz respeito à conexão existente entre o pensamento de Nietzsche e Heidegger. Como ele afirma, “o que acontece hoje em relação ao niilismo é o seguinte: começamos a ser, a poder ser, niilistas consumados” (VATTIMO, 1996, p. 3). 36 Entende-se por pós-modernidade o conceito que agrega as grandes mudanças operadas no cenário histórico a partir da segunda metade do século XX, e por pós-modernismo o seguimento de premissas dessa mesma época.

existencialismo, marxismo, psicanálise, feminismo, hermenêutica e desconstrução são indicadores dessas posturas.

Sobre essa tendência à pesquisa e à experimentação com diversos tipos de linguagem, Lyotard afirma que “[...] assim, nasce uma sociedade que se baseia menos numa antropologia newtoniana (como o estruturalismo ou a teoria dos sistemas) e mais numa pragmática das partículas de linguagem” (LYOTARD, 2000, xvi).

Alguns dos pontos de observação recorrentes nas distinções entre modernismo e pós-modernismo podem ser sintetizados por meio dos seguintes tópicos a serem retomados: natureza, história, homem, meios tecnológicos e desconstrução.

Se havia uma preocupação do homem moderno com seu entorno, com a natureza, no pós-modernismo, vê-se o destaque do aspecto cultural. Como quer Jameson,

o pós-modernismo é o que se tem quando o processo de modernização está completo e a natureza se foi para sempre. É um mundo mais completamente humano do que o anterior, mas é um mundo do qual a ‘cultura’ se tornou uma verdadeira “segunda natureza” (JAMESON, 1996, p. 13).

O pós-moderno é norteado pelo consumo (nos vários aspectos que essa palavra pode assumir), contrariamente à premissa do moderno que era contra a mercadoria.

A proposição de construir uma história universal, tendência presente na modernidade, é substituída pelas descentralizações. Por isso, tornou-se sinônimo de pós- -modernidade o fim dos grandes relatos. Percebeu-se não haver possibilidade de unificação da narrativa, não só porque os eventos são múltiplos, mas também porque o discurso é multifacetado. Gianni Vattimo afirma que “de fato, uma das mais difundidas e confiáveis visões da modernidade é a que a caracteriza como a ‘época da história’, em oposição à mentalidade antiga, dominada por uma visão naturalista e cíclica do curso do mundo” (VATTIMO, 1996, viii). O fim da história está associado aos anúncios de possibilidade de aniquilamento do planeta, dadas as ações destrutivas empreendidas durante o século XX contra a natureza e, por conseguinte, contra a humanidade.

O que se experimenta hoje, em termos de padrões de comportamento, é resultado de uma série de transformações largamente discutidas, sobretudo aquelas que colocam em xeque o estatuto do sujeito e as influências por ele sofridas em relação ao seu entorno. Como quer Stuart Hall, “as velhas identidades, que, por tanto tempo, estabilizaram o mundo social, estão em declínio, fazendo surgir novas identidades e fragmentando o indivíduo moderno, até

respeito à fundação da identidade (como será visto no capítulo 7), que, de alguma forma, toca a multiplicidade da estética contemporânea, sobretudo quando se consideram os processos de devir que ela tem incutido nos objetos estéticos.

A trajetória em direção ao provisório e ao instável e as reformatações exigidas pelas mudanças advindas do cenário tecnológico tornam impossível o estabelecimento da permanência. Sem dúvida, as pesquisas em tecnologia resultaram e continuam resultando em mudanças não só nos hábitos e nas relações interpessoais, mas também na estética, que passa a investigar desde possibilidades de ampliação dos processos de criação e recepção até formas de manipulação da vida em laboratório, como nas pesquisas de Eduardo Kac, por exemplo.

Em se tratando de investidas em desenvolvimento de tecnologia da comunicação, percebe-se, como já apontado no capítulo anterior, o quanto os meios massivos interferiram na produção artística. Esse, inclusive, é um dos pontos discutidos quando se estuda a pós- -modernidade. Um dos resultados das fricções provocadas pela utilização desses meios para a construção de objetos estéticos foi a relativização das barreiras entre alta e baixa cultura, entre cultura popular e erudita, como já se viu no capítulo anterior.

A pesquisa na arte rasurou e reescreveu sob a forma do palimpsesto uma série de processos da modernidade. Se o modernismo foi marcado pela paródia, o pós-modernismo prima pelo pastiche, pela forma como trabalho o kitsch.

Vattimo chega a falar, inclusive, da morte da arte. Segundo ele, a arte pós- -modernista, sob certo aspecto, alcança sua maior profundidade quando mais nega a si mesma

enquanto obra. Diga-se de passagem, não é sem motivos que o ensaio de Walter Benjamin sobre a reprodutibilidade técnica da arte tenha repercutido tanto. Conforme reflexão feita no capítulo anterior, na tentativa de aproximar arte e vida, a primeira condição que o artista enfrenta é a destituição da sacralidade do objeto estético, e isso é um dos pontos fundamentais para entender o que Vattimo sugere quando enfoca a morte da arte. Se se observar bem, a autorreferência muito presente atualmente nos objetos estéticos ainda tem a ver com essa questão da morte da obra pensada conforme o modelo clássico, numa tentativa de definição de seus papéis.

Jameson aponta três elementos constitutivos do pós-moderno: falta de profundidade na história e na cultura da imagem, enfraquecimento da historicidade e novo tipo de matriz emocional (1996, p. 32). Desses, destaca-se a questão da profundidade exemplificada pelas práticas de Andy Warthol, citadas no capítulo 2.

Ao contrário de Jameson, não se quer aqui deduzir, na falta de profundidade das obras da Pop Art, uma ausência de crítica e consequente alienação. Fica patente na própria intenção de superficialidade em Warthol, por exemplo, que o objetivo é se posicionar criticamente, além de inserir a arte no cenário massivo que destacava. Diamond dust shoes, desse artista, é citada por Jameson como destituída de qualquer apelo informacional mais profundo. No entanto, o mesmo Jameson lembra que o referido autor, no início de sua vida profissional, trabalhava como vitrinista (1996, p. 35). Então, de alguma forma, há algo nesse objeto estético que ultrapassa o meramente banal e que se liga à experiência.

Uma questão de relevância para o presente estudo é a consideração de Jameson do espaço, e não mais do tempo, como uma das marcas mais profundas que a pós-modernidade imprime em suas manifestações (JAMESON, 1996, p. 52).

Diante da ambivalência do termo pós-moderno, para sair de posturas marcadas pela utopia ou pela distopia, Gilles Lipovetsky sugere a consideração de três momentos: a modernidade do modo comumente entendida, a hipermodernidade, correspondente à atualidade, e a pós-modernidade, que seria uma transição entre as duas.

Para o autor, os dois grandes elementos que marcam o contraponto entre a hipermodernidade e o pós-modernismo que lhe é anterior são o tempo e a queda dos sistemas de crença. “Do pós ao hiper: a pós-modernidade não terá sido mais que um estágio de transição, um momento de curta duração. E este já não é mais o nosso” (LIPOVETSKY, 2004, p. 59).

O pós-modernismo, para o autor, teria sua força maior por volta das décadas de 1960 e 1970, quando se podia falar em uma despreocupação otimista, fruto das melhores condições de vida oferecidas pela produção industrial (taylorização) crescente desde as últimas décadas do século XIX.

Nos anos de 1980 e, sobremaneira, nos de 1990, a marca é o presenteísmo relacionado à globalização neoliberal e à revolução informática que levam a lei do desempenho, do melhor resultado no menor tempo possível a imperar. Há uma contração do tempo pela lógica do urgente (LIPOVETSKY, 2004, p. 62). Como afirma o autor, a hipermodernidade é marcada pela “cronorreflexividade” (LIPOVETSKY, 2004, p. 77). O tempo fica rarefeito no aqui e agora, conforme as premissas da aceleração.

Os antagonismos de classe se enfraquecem, e as tensões temporais pessoais se generalizam e se acirram. Não mais classe contra classe, e sim tempo contra tempo,

A postura em relação ao passado é um ponto ressaltado por Lipovetsky. Antes de pensar em ruptura, na contemporaneidade, passa-se à reintegração do passado, e seu reconhecimento que leva, de certa forma, até a certa nostalgia. Não há mais a atitude de negação, mas de reformulação estética (como o pastiche já enfocado).

O enfoque do sujeito é outra questão abordada pelo autor (o que reforça ainda mais a necessidade de sua retomada no capítulo 7). Há um distanciamento para o qual as formas midiáticas contribuem no sentido de introspecção. “A hipermodernidade não se confunde com um ‘processo sem sujeito’: ela segue de mãos dadas com a ‘tomada de palavra’, a autorreflexividade, a crescente conscientização dos indivíduos, esta paradoxalmente acentuada pela ação efêmera da mídia” (LIPOVETSKY, 2004, p. 76).

Assim, Lipovetsky fala de uma segunda modernidade, agora consumada, não mais limitada como a outra – uma hipermodernidade que se soma a uma sequência de utilização do prefixo “hiper” num agigantamento dos conceitos.

Não se trata, claro está, de um pensamento pessimista que se entrega ao estresse próprio do presenteísmo, nem da falta de fé, mas de uma outra forma de viver dentro da qual o autor destaca o gosto pela sociabilidade, o voluntariado, a indignação moral, a valorização do amor.

Segundo Pierre-Henri Tavoillot,

para Lipovetsky, como se vê, a questão não é atenuar o papel da negatividade no retrato que ele traça da pós-modernidade, mas antes moderar o sentido dessa mesma pós-modernidade propondo encará-la como fenômeno não unidimensional, mas duplo. No fundo, trata-se de compreender que a pós-modernidade se apresenta na forma do paradoxo e que nela coexistem intimamente duas lógicas, uma que valoriza a autonomia, outra que aumenta a independência. O importante é entender bem que é a própria lógica do individualismo e da desagregação das estruturas tradicionais de normatização o que produz fenômenos tão opostos quanto o autocontrole e a abulia, o super-empenho prometeico e a total falta de vontade (TAVOILLOT, 2004, p. 21).