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Estratégias do processo de aprendizagem

Capítulo 4: Competência de escrita em LE

1. Da centralidade da competência de escrita

Pretende-se que os aprendentes se assumam enquanto escreventes conscientes e eficazes, através de uma escrita processual, numa perspetiva recursiva (Carvalho, 2001a), apenas sendo possível que os alunos atinjam esse grau de consciência se se apostar numa aprendizagem estratégica, focada na metacognição e na (auto)regulação (Figueiredo, 2008). Foi exatamente numa lógica de escrita processual e numa perspetiva recursiva que foi construído o instrumento de levantamento de EA usadas junto dos aprendentes (cf. Parte II)29.

Tenta-se, mais do que remediar, prevenir problemas a nível da competência de escrita30, uma vez que se verificou empírica e sucessivamente que os aprendentes revelam dificuldades a nível da produção escrita, sobretudo no que diz respeito ao cumprimento das fases da escrita e a aspetos textuais e discursivos, mesmo nos níveis mais avançados (nível C do QECR), além de estar amplamente documentado na literatura específica como uma área de particular complexidade – “A análise desta questão reveste-se de alguma complexidade, dada a multiplicidade de factores nela envolvidos” (Carvalho, 2001a, p. 80) –, tanto em LM como em LE, e apresentando por isso dificuldades aos aprendentes.

Outras competências poderiam ter sido selecionadas para desenvolver com recurso às EA. A eleição da competência de escrita deve-se ao facto de: (i) esta competência ser muito complexa, em termos psicológicos e cognitivos, (Bizarro, 2006;

29 A Parte II deste trabalho dedica-se à apresentação dos inquéritos por questionário (junto de alunos de PLE da FLUP) e por entrevista (junto de professores de PLE da FLUP) quanto às suas representações e práticas de EA na produção escrita de narrativas em PLE.

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Tomamos aqui competência de escrita enquanto a capacidade de comunicar coerentemente por escrito, produzindo textos de uma extensão considerável sobre um tema de cultura geral, recorrendo a procedimentos de caráter psicomotor e cognitivo, e a conceitos textuais, enformados por valores e opiniões do escrevente sobre a língua, a expressão escrita e cada um dos seus componentes (Cassany, Luna & Sanz, 1998).

146 Carvalho, 1999; 2011; 2012; Duarte, 2008; Osório, 2007; Pereira, 2009; Pinto, 2010; Veiga Simão, 2002b) e habitualmente se apresentar como de difícil realização, convocando muitos outros saberes e competências (Carvalho, 2001a; Duarte, 2008; Pinto, 2010), o que, não sendo obviamente exclusivo desta competência, é-lhe característico; (ii) a produção escrita requerer, pela sua complexidade, um grande acompanhamento, treino e feedback, nomeadamente no sentido de promover uma competência de aprendizagem da escrita cada vez mais autónoma (Figueiredo, 2004); (iii) ser uma competência transdisciplinar e transversal a toda a vida do aprendente, uma vez que toda a comunicação passa pela linguagem (Carvalho, 2011; Pinto, 1996; 2005; 2010; 2012), ainda que nem toda seja escrita; (iv) muito do que se aprende e comunica ser através de um canal escrito, pelo que, ao promover a competência de escrita, se está também, por esta via, a promover a potencialização de uma maior integração social, laboral e cultural na LE-alvo (Barbosa, 2012; Oliveira et al., 2010; Pinto, 2010).

1.1 Competência de escrita como fator de integração

A sociedade ocidental em que vivemos permite-nos e obriga-nos a estar em contacto constante com material escrito, quer através da leitura, quer através da escrita, e só a literacia nos permite tirar o melhor partido da situação em que nos encontramos31.

Não dominar a leitura e a compreensão e interpretação de enunciados escritos invalida ou diminui a capacidade de o indivíduo se manter atualizado, formar opiniões esclarecidas, adquirir novos conhecimentos e reduz mesmo as possibilidades de ocupação dos tempos livres e momentos de lazer32: “Tanto a leitura como a escrita

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Pérez Tornero (2007: 103) refere-se já, por exemplo, à literacia dos media, vendo-a não de modo isolado, mas como uma habilidade que implica e envolve outras literacias: a da leitura e da escrita, a audiovisual e a digital ou da informação (Pinto, 2010, p. 109).

32 Veja-se o caso do cinema e de alguns programas originariamente em LE. A política linguística em Portugal para estes casos é maioritariamente a de legendar esses registos vídeo, mantendo o áudio na língua original. Se por um lado permite uma maior familiarização da população com a pronúncia e realização fonética de outros sistemas linguísticos, fomentando uma maior sensibilidade e curiosidade linguística e a possibilidade de desenvolver algumas competências linguísticas em LE, mesmo que por vezes de forma inconsciente, para a maioria dos espectadores, é uma política altamente discriminatória para alguns segmentos da população, nomeadamente para os analfabetos ou analfabetos funcionais e

147 abrem as portas para o mundo da cidadania, permitem uma liberdade e autonomia nas decisões de cada um” (Pereira, 2009, p. 12). Barra igualmente o acesso à cidadania: “Ne pas faciliter l’entrée dans la langue, dès lors, c’est symboliquement ne pas donner droit à l’existence de l’autre. Il n’y a pas de citoyenneté sans la langue. Il n’y a pas d’accès au droit” (Candide, 2005, p. 45). Dificultar o acesso à LS/LE é coartar a possibilidade de ser.

O facto de o aprendente dominar a competência de escrita permite-lhe exprimir as suas opiniões em larga escala, como, por exemplo, em fóruns de discussão online, ajudando-o a elevar a sua autoestima e motivação, o seu grau de participação na sociedade hospedeira e/ou nas sociedades em que a língua-alvo é falada, permitindo diretamente a interação escrita. Este aspeto pode levar à desejada autonomia intelectual, criando-se as condições para que o aluno exponha e discuta as suas ideias, podendo levar a uma mudança de opiniões e mentalidades: “O saber-fazer redaccional, tem de, ao mesmo tempo, apoiar-se […] [no] domínio de saberes enciclopédicos e referenciais para sobre eles o aluno construir a sua identidade. Ao mesmo tempo que aprende, auto- estrutura-se e autonomiza-se”33 (Figueiredo, 2004, p. 89).

Habitualmente, quando se pensa em interação, associa-se imediatamente a ideia de oralidade. Todavia, no dia a dia, há muitas tarefas linguísticas de interação que são escritas e são fundamentais para uma maior integração e emancipação do aprendente. Escrever uma carta a um amigo ou a um serviço, redigir uma reclamação ou uma solicitação formal, exprimir agradecimento e apreço, participar em fóruns e redes sociais de assuntos de interesse público ou privado, escrever uma mensagem de telemóvel ou um email, fazer um relatório no âmbito laboral são disso exemplo: “A escrita assume também uma função social integradora para os alunos, um instrumento de participação ativa do sujeito na sociedade (Barbeiro, 1999; Roca de Larios et al., 2007; Verdelhan-Bourgade, 2002)” (Barbosa, 2012, p. 18).

Note-se ainda que a escrita goza de prestígio social (Tusón, 1997), já que o escrito tem a capacidade de imortalizar, fixando as palavras, mesmo que a sociedade em

indivíduos que não dominam a língua portuguesa, pelo menos ao nível da compreensão leitora, e não tenham conhecimentos (suficientes) na LE em que o registo vídeo é falado que lhe permitam a compreensão.

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148 que nos encontramos inseridos seja em essência paradoxal, de acordo com Fernanda Irene Fonseca (1994), já que

cada vez menos se escreve e se lê, na nossa sociedade do audiovisual e do imediato; mas, apesar disso, continua alta a cotação social e simbólica do escrito. […] Apesar da oralidade crescente das trocas linguísticas fomentadas pelos cada vez mais sofisticados meios de comunicação à distância, apesar do crescente poder da palavra oral como forma de acção e manipulação, nenhuma modalidade de discurso oral conseguiu ainda anular ou sequer mitigar o prestígio e o poder simbólico do escrito (pp. 147-148).

Concordamos apenas em parte com estas considerações, dado que atualmente nasceram novas formas de leitura e escrita, em virtude do seu canal de comunicação e da situação de produção e receção. Sem discutir o tipo de escrita que tem lugar na comunicação mediada por computador, telemóvel ou tablet, é possível afirmar que “[a escrita] tem vindo a ganhar” (Pinto, 2010, p. 109) terreno.

De qualquer forma, não podemos deixar de concordar com o facto de que dominar o registo escrito é facilitar a aceitação do indivíduo no seio da sociedade hospedeira ou junto de alguns falantes da língua-alvo.

1.2 Modalidade escrita e continuum linguístico

A interação e a integração não se realizam apenas pela linguagem escrita. O tipo de sociedade em que nos inserimos e de cultura que integramos valoriza e recorre muito à oralidade.

149 Ainda que sejam modalidades distintas, linguagem oral e escrita não são antagónicas, mas fazem antes parte de um continuum linguístico, são uma diferenciação gradual baseada numa conceção da linguagem e do texto que deve ser vista como um conjunto de práticas sociais (Carvalho, 2012; Marcuschi, 2001; Pinto, 2002; 2005; 2009; 2010). Além disso, dá-se

uma mútua influência entre oralidade e escrita. É que se, por um lado, a experiência linguística da oralidade traduz efeitos na compreensão do funcionamento da escrita, essa compreensão, por sua vez, vai contribuir para que enriqueça o funcionamento da língua oral (cf. Terzi 1995, p. 114) (Pinto, 2002, p. 109).

Todavia essa relação com outras competências, como com a leitura, não é espontânea:

Há também uma articulação óbvia a explorar entre a pedagogia da escrita e da leitura. Mas a relação entre a leitura e escrita deve igualmente ser uma articulação programada, provocada, não se limitando à constatação passiva de que se os alunos lerem bastante, acabarão por aprender a escrever.

Entre os vários objetivos da leitura e análise de textos deve estar também a observação das regras (sintácticas, semânticas e pragmáticas) do funcionamento textual. Um trabalho sobre o produto com a intenção de sensibilizar aos processos de produção. A sensibilização à estrutura do texto, à forma de construção textual, constitui um denominador comum aos exercícios de interpretação (recepção) e de redacção (produção) de textos escritos. Aprender a encontrar no texto as instruções textuais e saber

150 interpretá-las é um passo importante no sentido de as saber fornecer34 (Fonseca, 1994, pp. 170-171).

A articulação com outras competências no sentido do seu desenvolvimento mútuo tem de ser encarada de forma experimental, fazendo das aulas de língua “laboratórios”. Apenas uma abordagem planeada e consciente dos mecanismos psico- cognitivos envolvidos na aprendizagem e da relação entre competências poderá ser consequente, levando a uma aprendizagem significativa (Pinto, 2010). Tal como afirma Pinto (2012), “[u]ma familiarização crítica com diferentes tipos de escrita repercutir-se- á na qualidade da leitura e numa escrita por objetivos, não somente reprodutiva de conhecimentos” (Pinto, 2012, p.12).

José António Brandão Carvalho (2011) sublinha a relação estreita entre leitura e escrita, em LM, ao nível da apropriação de formas, estruturas e padrões da língua e dos próprios textos, apresentando a leitura como modelo potenciador do desenvolvimento da competência de escrita e como elemento que favorece a consciencialização do modo como a linguagem escrita funciona. Esta mesma relação se estabelece no âmbito da LE.