• Nenhum resultado encontrado

Estratégias do processo de aprendizagem

Capítulo 3: Representações sociais

2. Representações sociais em Didática de Línguas

A noção de representação social toca diversos domínios e diversos objetos, sendo um dos principais domínios o científico. Este domínio científico contempla diferentes aspetos, entre os quais se conta a didática das ciências. Outros domínios tocados pela investigação sobre as representações sociais são o domínio cultural, social e institucional, o da produção, o ambiental, o biológico e o médico, o psicológico, o da educação, o do estudo dos papéis e dos atores sociais e o das relações intergrupos. São

136 muitos os elementos que atestam da fecundidade da noção, da maturidade científica e da sua pertinência para tratar de problemas psicológicos e sociais da nossa sociedade (Jodelet, 1994).

No caso da didática de línguas, esta inspirou-se sobretudo na noção de representação tal qual a psicologia social a define (Oliveira, 2011).

Desde os anos 90 do século XX, as representações assumiram-se como um aspeto de suma relevância no domínio da didática de línguas. Como já nos foi dado verificar, o conceito de representações sociais não é em si muito consensual e no âmbito da didática de língua não o é mais. Todavia, segundo Oliveira (2011), “duas das suas características parecem, no entanto, consensuais em Didáctica: [as representações sociais] são parte integrante do processo de aprendizagem e são mutáveis” (Oliveira, 2011, p. 128). Um dos aspetos que perturba a definição do conceito prende-se com a delimitação do mesmo, uma vez que, frequentemente, se confunde, ou é confundido, com conceitos próximos. No presente caso, os conceitos concorrentes podem ser por exemplo, “atitudes”, “estereótipos” (Moore, 2001) ou “imagens” (Andrade et al., 2006). O facto de este conceito ser um umbrella term contribui para a dificuldade em o circunscrever.

No âmbito da didática de línguas, as representações inscrevem-se no quadro de referência da psicologia social, como já foi mencionado, particularmente nas propostas conceptuais de Moscovici (1961). Para este autor, as representações alicerçam-se e constituem-se na confluência de três dimensões enquanto unidade funcional estruturada: a atitude face ao objeto, a informação sobre esse objeto e o campo de representação onde se organizam hierarquicamente uma série de conteúdos (Oliveira, 2011; Pérez, 2007) (Figura 20).

137 Figura 20

Três dimensões das representações sociais (Fonte: Moscovici, 1961; Pérez, 2007)

Pérez (2007) apresenta-nos as três dimensões enunciadas por Moscovici (1961). A atitude é o elemento afetivo da representação, manifestando-se por uma disposição mais ou menos favorável que um indivíduo tem face ao objeto da representação, expressando assim uma orientação valorativa em relação ao mesmo. Imprime um caráter dinâmico e orienta o comportamento face ao objeto de representação, dotando-o de reações emocionais de diversa intensidade e direção. Fazendo contrastar atitude e representação, podemos dizer que a primeira pressupõe um estímulo externo, emanado da realidade social ao qual se reage com determinada disposição interna, ao passo que as representações, por um lado, constituem o estímulo e, por outro, configuram a reação, a resposta dada por determinado indivíduo a determinada situação.

Já a informação refere-se aos conhecimentos em torno do objeto de representação, sendo a quantidade e qualidade da mesma variável, em função de diversos fatores, entre os quais se contam a pertença grupal e a inserção social, os quais desempenham um papel essencial, uma vez que o acesso às informações é sempre mediado por ambos. A proximidade ou distanciamento dos grupos face ao objeto de

REPRESENTAÇÕES

Campo de representação Informação

138 representação e às práticas sociais em torno dele constitui-se como fator igualmente importante.

Finalmente, o campo de representação prende-se com a ordem que tomam os conteúdos representacionais, que se organizam numa estrutura funcional determinada. O campo representacional organiza-se em torno do núcleo / esquema figurativo que constitui a parte mais estável e sólida da representação, composto por cognições que dotam de significado o resto dos elementos. No núcleo figurativo encontram-se os conteúdos de maior significado para os sujeitos, que expressam de forma vívida o objeto representado. De assinalar ainda que esta dimensão é “construída” pelo investigador a partir do estudo das anteriores dimensões (Pérez, 2007).

Podemos afirmar que têm vindo a ser realizados diversos estudos em didática de línguas sobre as representações, interessando-se sobretudo pelas representações das línguas. De acordo com Foerster (1993) há dois domínios privilegiados no estudo das representações no ensino-aprendizagem de línguas, sendo eles o aspeto intercultural e a dimensão metalinguística.

Ainda que à primeira vista possamos pensar que os professores estão “imunes” a criar representações sociais que podem condicionar a sua atitude face a uma determinada prática pedagógica, uma vez que se supõe que ao longo da sua formação profissional foram sensibilizados para ter uma atitude particularmente aberta, (auto)crítica, lutando contra estereótipos e preconceitos, se refletirmos sobre o que tem vindo a ser dito sobre as representações, no sentido de as descrever e definir no âmbito da psicologia social e, consequentemente, na didática de línguas, é próprio do indivíduo, na sua interação com o real e a partir de experiências pessoais ou “saberes” do senso comum que lhe foram transmitidos pelas anteriores gerações, ou pelo grupo socioprofissional em que se movimenta, construir representações, chave-interpretativa e guia orientador de ação, instaurando-se a criação de representações como inevitável e indispensável para gerir a realidade (Amossy & Herschberg Pierrot, 1997; Jodelet, 1994; Oliveira, 2011; Porcher, 1997). Como sabemos, qualquer representação preexistente ao encontro com o Outro28 vai (ou pode) influenciar atitudes e ações, ou seja, no caso de um professor, vai (ou pode) afetar a sua prática pedagógica (Oesch-

28

139 Serra, 1995; Oliveira, 2011). Donde a importância de conhecer as representações de todos os principais agentes educativos construtores-participantes de um determinado fenómeno pedagógico-didático, já que, como afirma Castellotti (2003) “le poids des paysages didactiques et des représentations des langues et de leurs apprentissage pèse lourdement sur l’état d’esprit” (p. 86), ou seja, na atitude face a uma determinada realidade.

A investigação sobre as representações sociais faz apelo a metodologias diversas, tendencialmente qualitativas, entre as quais se contam os inquéritos por questionários e entrevista, e a análise documental e de discurso (Jodelet, 1994), às quais se recorreu na presente investigação (cf. Parte II): “Podemos dizer, de um modo geral, que os estudos na área da Didáctica de Línguas utilizam metodologias de tipo qualitativo, no quadro do desenvolvimento de projetos de investigação-acção e de estudos de caso” (Andrade et al., 2006, p. 185).

Ao analisarmos as representações dos professores de EA na produção escrita, estamos a analisar a atitude, estando igualmente a analisar o conhecimento que os professores têm dessas mesmas estratégias (atitude e informação), já que, à semelhança de Andrade et al. “[…] pensamos que os formadores de professores de línguas, nem sempre estão conscientes das imagens educativas que atravessam o seu trabalho, [desconhecendo] o seu contributo para a mudança e para a educação em geral” (2006, p. 183).

O fator cultural também intervém na construção de representações neste domínio, já que sendo o Outro, o indivíduo-aprendente, originário de outra cultura e falante de outra língua, automaticamente evoca no ensinante ideias pré-concebidas sobre o perfil do aluno e sobre a sua forma de se posicionar no processo de ensino- aprendizagem. Não raro podemos ouvir colegas, quando não damos com nós próprios a produzir enunciados como: “Os alunos de nacionalidade X gostam muito de aprender por repetição”, “Os alunos de nacionalidade Y apreciam mais trabalhar individualmente do que em grupo” ou ainda “Os alunos de nacionalidade Z são muito trabalhadores e aprendem depressa”. Este tipo de juízos de valor assume que os alunos provenientes de uma determinada cultura ou de um contexto geopolítico determinado formam um grupo homogéneo, havendo uma padronização sóciocultural. Incorrer em generalizações, na

140 nossa perspetiva, não é uma forma adequada de apropriação da realidade, pela inverosimilhança da existência de grupos em que os indivíduos aí congregados são possuidores das mesmas características, sobretudo quando as generalizações são baseadas na proveniência cultural, linguística e geográfica, uma vez que esses indíviduos têm traços distintivos baseados nas suas vivências e idiossincrasias. Contudo, se, por um lado, representações deste tipo podem ser demasiado lineares, podendo levar a distorções redutoras, elas só surgem e se estabelecem como resultado do contacto direto ou indireto com a realidade, isto é, algum facto concreto levou à criação de uma imagem. Não podemos ignorar que as políticas educativas e as metodologias de ensino variam sincrónica e diacronicamente e que os alunos que têm uma mesma língua/cultura e que provêm de uma mesma área geográfica podem partilhar características e afinidades, advindas, nomeadamente, das suas experiências de vida nesses contextos (Griffiths, 2003).

Ainda que estas representações condicionem inevitavelmente a ação docente nas suas múltiplas vertentes de atuação, é impossível interagir com o Outro sem o categorizar, tentar definir para poder (re)agir. Assim, consideramos que a inevitabilidade de criar imagens sobre as realidades que nos rodeiam não deve ser ignorada, mas antes reconhecida e assumida como uma parte do conhecimento do real (Bourdieu, 1982), como mais informação a gerir sobre o fenómeno em foco, levando- nos a uma atitude de indagação, antidogmática e aberta. Desta feita, consideramos que as representações podem e devem perder o estigma que carregam.

No âmbito deste estudo, podemos fazer nossas as palavras de Andrade et al. (2006) no que diz respeito aos objetivos da nossa investigação junto dos professores:

Simplificando, acreditamos que aquilo que os professores ou os formadores fazem é um reflexo daquilo que sabem e em que acreditam, constituindo o seu conhecimento ou pensamento a matriz que lhes permite tomar decisões e construir situações educativas (cf. MacDonald et al., 2001: 951; Woods, 1996), sendo a globalidade destas dimensões aquilo que entendemos por conhecimento profissional. Tentamos, desta forma,

141 aceder às perspectivas dos educadores em línguas, enquanto fontes de interpretação e sentido das práticas de educação e de formação, de modo a contribuirmos para a compreensão do conhecimento e do desenvolvimento profissional (cf. Sanches e Jacinto, 2004) para sobre esse conhecimento e desenvolvimento podermos intervir, numa reflexão e reconstrução de práticas de formação em línguas (Andrade et al., 2006, p. 181).

É essencial conhecer as representações dos professores como forma de aceder ao seu conhecimento profissional e de compreender e conhecer as suas práticas. Só assim se poderá interpretar factos e práticas observáveis de forma fundamentada e esclarecida. Este é também o primeiro passo para a mudança de crenças e práticas, pois só conhecendo as conceções profundas do indivíduo se pode propor conceções alternativas, que entram ou não em choque com as representações do sujeito. Importa ainda conhecer as representações dos intervenientes no processo de ensino- aprendizagem, no presente caso, as representações de professores, já que

[o] acesso do sujeito a novas representações relativas à sua acção sobre o mundo tem […] um efeito na sua auto-imagem e no seu modo de ler o mundo (cf. Bonnet, 1994, p.160), mostrando-lhe como pode desenvolver-se na interacção com os contextos em que tem de actuar (Andrade et al., 2006, p. 187).

Conhecer como o Outro nos vê, a nós e às nossas conceções e práticas, assim como ter a possibilidade de participar em ações que promovem o autoconhecimento e a reflexão crítica potenciam uma maior objetividade e isenção por parte dos participantes no processo de ensino-aprendizagem, abrindo o caminho à mudança de conceções e práticas e a uma ação pedagógico-didática mais indagadora e crítica.

142 3. Síntese do Capítulo

O presente capítulo versa sobre as representações sociais, nomeadamente sobre o seu papel na didática de línguas, partindo-se da delimitação do conceito, o que se revela difícil pelo caráter misto, transdisciplinar, das representações.

Este conceito, que se impôs no âmbito das ciências sociais, reveste-se da maior importância, pelo facto de categorizar ser uma necessidade incontornável do ser humano, individualmente, e dos próprios grupos. Sem uma categorização que permita tornar toda a realidade inteligível, que converta em familiar o estranho, o desconhecido, permitindo a sua domesticação (Palmonari & Doise, 1986), não é possível ao ser humano compreender a sua envolvência e agir em conformidade com o que é expectável.

Desta feita, as representações sociais instauram-se como grelha de leitura sendo, simultaneamente, produto de construções elaboradas por indivíduos reunidos de forma sui generis, ou seja, por um grupo, e estando envolvidos no processo de criação de representações, uma vez que a troca entre indivíduos/grupos e representações é contínua, alimentando-se reciprocamente. As representações sociais são sistemas de exegese que orientam a nossa relação com o mundo e com os outros.

É ainda neste capítulo que reflete sobre vínculos de identidade e de pertença, já que partilhar representações sociais é pertencer a um grupo (Oliveira, 2011), o que reforça o seu caráter promotor de identidade. As representações sociais são produzidas por um dado grupo, refletindo a sua mundividência, enraizada nas representações transmitidas de geração em geração de forma inconsciente, saber de senso comum, inscrevendo-se nos conhecimentos preexistentes, por um lado, ao mesmo tempo que reforçam o sentido de identidade do grupo ao confrontá-lo com outros grupos portadores de mundividências diferentes.

O paradigma introduzido pelo conceito de representação social leva à ideia de homem enquanto processador e produtor de informação, de convenções e símbolos, tendo um papel mais ativo. O facto de o indivíduo estar envolvido na

143 reconstrução simbólica de objetos e acontecimentos leva a que tenha lugar um desfasamento entre referente e representações sociais, ou seja, um desfasamento do referente face ao significado, na tripartição referente, significado e significante (Eco, 2004, pp. 23-24). Esse desfasamento, de acordo com Jodelet (1994), pode ser de três tipos: distorção, acrescento e desfalque. No entanto, seja qual for o processo de desfasamento, este faz parte da relação com o Outro e da sua apropriação e integração nos esquemas internos preexistentes do sujeito. O desfasamento acentua o facto de as representações serem externas à realidade, fazendo, no entanto, parte dela, na medida que nada existe em si mesmo sem uma representação.

Essa recriação condicioná as suas (inter)ações com os Outros, indivíduos, grupos, acontecimentos, objetos, etc., e, consequentemente, a formação de outras representações. Por este facto, revela-se da maior importância conhecer as representações que um indivíduo tem da realidade que se pretende analisar de forma a melhor ter acesso a ela. Para que esse conhecimento da realidade seja ainda mais completo, será bom aceder ao maior número de representações de sujeitos intervenientes na realidade em estudo, como forma de enriquecer a perspetiva sobre o fenómeno.

No domínio da didática de línguas, as representações impõem-se como relevantes, permitindo conhecer em mais profundidade fenómenos que se inscrevem no âmbito pedagógico-didático. Para isso se lança habitualmente mão de ferramentas como o inquérito por questionário e a entrevista, e a análise documental e de discurso (Andrade et al., 2006).

É ainda fundamental no âmbito do ensino-aprendizagem que se encetem processos de autoconhecimento e de reflexão crítica dos agentes educativos, assim como de confronto com visões de si e das suas conceções e práticas, uma vez que lhes possibilita ganhar um maior distanciamento do fenómeno para que concorrem, dando-lhes, por este via, possibilidade de refletir e proceder a alterações conceptuais ou no âmbito das suas práticas.

145