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Estratégias do processo de aprendizagem

Capítulo 4: Competência de escrita em LE

2. Especificidades da escrita

3.5 Modelos do processo de escrita

Segundo Fayol e Schneuwly (1988), a escrita é um processo linear que implica a ordenação em sequência da informação, o que exige relações do plano mental e o recurso a mecanismos linguísticos ajustados a essa expressão sequencial, deles dependendo, de acordo com Fonseca (1994), a coerência e a coesão textuais. O texto tem de ser sequenciado mas competentemente, o que implica uma competência textual, competência específica da aprendizagem da escrita, a qual é alvo de ensino- aprendizagem e treino. É necessário ainda o escrevente conhecer os objetivos do texto a produzir, o destinatário e o tipo de resultado que é esperado para poder planificar, numa fase de pré-escrita, o texto a redigir e poder ir monitorizando ao longo da redação e no fim, face ao plano inicial. Para realizar uma produção nestas condições, é necessário mobilizar técnicas e convocar competências e conhecimentos diversos, pelo que a metacognição é nuclear e incontornável.

White e Arndt (1991) descreveram o processo de escrita em que as ações que a formam – gerar ideias, estruturar, rascunhar, avaliar, rever, focar – se alimentam

166 reciprocamente, ilustrando bem o quanto a trama do processo de escrita é intricada (Figura 21).

Figura 21

Modelo de escrita (Fonte: White & Arndt, 1991, p. 11)

Este esquema dá a liberdade de combinar as ações que lhe dão forma, uma vez que “é composto por subprocessos que estão relacionados entre si de forma não-linear” (Figueiredo, 2005, p. 27), permitindo uma perpétua atualização do esquema em atividades e técnicas diversas.

A geração de ideias pode ser provocada por leituras, pela memória a longo prazo do aprendente, assim como podem ir surgindo ao longo do processo ou ir recriando algumas das ideias tidas no início da realização da tarefa. Posteriormente, estas ideias hão de ser estruturadas pelo seu agrupamento e sequenciação. Após o estabelecimento de um plano, o escrevente avança para a fase de rascunhar o texto, transpondo as ideias para um primeiro esquisso do que virá a ser o texto, envolvendo este momento a seleção de palavras e a elaboração de frases. Através da avaliação o escrevente assume uma postura crítica face ao seu escrito, ou ao (ainda) projeto do mesmo. Este passo pode ser tomado pela leitura do texto ou do plano.

Pela revisão o escrevente pode verificar se o texto está a ficar, ou ficou, de acordo com a intenção inicial, com os objetivos estabelecidos e o que lhe era requerido, através de uma verificação a nível sintagmático, formal e do conteúdo. A revisão é um processo omnipresente na produção de um texto, ocorrendo desde o início da realização

167 da tarefa até à fase em que o texto se dá por finalizado. Pode e deve surgir, quer durante a escrita propriamente dita, quer na pós-escrita, através da releitura e avaliação (ao longo) do processo e do produto, inclusivamente com recurso a instrumentos para esse fim, como grelhas e listas de verificação, atentando a aspetos de macro, super e microestrutura. O feedback dos pares e do professor, assim como os juízos dos próprios aprendentes devem ser integrados nesta fase: “O modelo recursivo considera a revisão como um processo motivador da escrita, por meio do qual o escritor avalia e aperfeiçoa a forma e o conteúdo de seus textos” (Figueiredo, 2005, p. 28).

Um processo tão complexo como o que vimos descrevendo não se coaduna com uma progressão sequencial. A escrita numa perspetiva processual é recursiva, e não sequencial, seguindo de forma rígida as fases de pré-escrita, escrita e pós-escrita. Sem que estas fases se apaguem, enquanto momentos cronológicos do cumprimento da tarefa, é importante sublinhar que não têm fronteiras, isto é, numa perspetiva como a da psicologia cognitiva, em lugar de orientarmos a nossa ação por fases orientámo-la por processos cognitivos e estes podem ter lugar repetidamente ao longo do processo. Através da planificação, textualização e revisão, a competência de escrita do aprendente vai sendo operacionalizada de modo dialogante. A tripartição que acabámos de mencionar não é de todo estática, enformando apenas três grandes processos da complexa engenharia da escrita. No caso da revisão, a título de exemplo, esta está presente desde o primeiro momento em que se começam a gerar ideias para a realização de um plano do que será o texto, no fim do processo.

O modelo de Hayes e Flower (1980) vai ao encontro desta ideia, ao pôr em causa uma conceção linear da escrita e enfatizar a sua natureza recursiva. Em 1980 estes investigadores propuseram um modelo de escrita que implicava o conhecimento e o contexto da tarefa na atividade de escrita. Este modelo assume-se como uma reação a uma visão estática e sequencial do processo escritural – pré-escrita, escrita e pós-escrita – uma vez que essa visão tripartida estática não dá conta de como os escreventes transitam de um estado para o outro, mas antes informa quanto ao posicionamento do escrevente no ato de redação, detendo-se sobre a progressão na criação do produto. Ao pôr em causa a conceção da produção de um texto escrito como uma sequência de fases, destaca “a natureza recursiva de cada uma das componentes do processo” (Carvalho,

168 2001b, p. 144). Os escreventes planeiam, escrevem e reveem constantemente, pelo que não é possível dividir a escrita em estados claramente marcados.

De acordo com os autores deste modelo (Flower & Hayes, 1981), a teoria do processo cognitivo da produção escrita alicerça-se nos seguintes primados:

1. The process of writing is best understood as a set of distinctive thinking processes which writers orchestrate or organize during the act of composing.

2. These processes have a hierarchical, highly embedded organization in which any given process can be embedded within any other.

3. The act of composing itself is a goal-directed thinking process, guided by the writer's own growing network of goals.

4. Writers create their own goals in two key ways: by generating both high-level goals and supporting sub-goals which embody the writer's developing sense of purpose, and then, at times, by changing major goals or even establishing entirely new ones based on what has been learned in the act of writing (Flower & Hayes, 1981, p. 366).

Desde logo, a finalidade que o escrevente tem, a funcionalidade do texto, os destinatários e a sua imagem enquanto escrevente são aspetos que condicionam o processo de escrita que se seguirá. De acordo com este modelo, o ato de escrita articula- se com o contexto da tarefa e os conhecimentos do aprendente. Este modelo descreve as principais componentes do processo escritural, explicando como as suas partes interagem, como é transferida a informação entre processos dentro do aluno, identificando fontes de informação externas ao próprio escrevente.

O processo de escrita, a partir de uma visão psico-cognitiva em que o aprendente é um ativo gestor das suas atividades e ações, envolve três tipos de atividade: (i) planificação; (ii) textualização; e (iii) revisão:

169 (i) Planificação: seleção, criação e organização do conteúdo a transmitir através da planificação da tarefa escrita a executar no processo redacional.

(ii) Textualização: passagem a uma sequência sintagmática do planeado: “A textualização consiste em passar da globalidade do sentido à linearidade da sequência discursiva. Mas para que o texto seja reconhecido como tal é necessário que, sob a linearidade, a globalidade persista […]”38 (Fonseca, 1994, p. 161).

(iii) Revisão: verificação dos resultados, intermédios e final, inclusivamente através do confronto com aos objetivos que se procuram atingir e que consciencializam para as dificuldades surgidas.

A utilização de procedimentos de autorregulação como a planificação e a revisão podem influenciar positivamente na tarefa de escrita, relativamente quer a assuntos conhecidos quer a desconhecidos (Almeida & Veiga Simão, 2007; Carvalho, 2012; Graham, Harris & Troia, 1998).

Estes subprocessos de escrita processual remetem-nos imediatamente para atividades metacognitivas. A planificação contempla a ativação e mobilização de conhecimentos, a elaboração de rascunhos, esquemas, planificação da tarefa, e ocorre, primeiro antes da textualização, podendo reincidir na textualização e mesmo na revisão, pelo seu caráter recursivo (Osório, 2007). Como já afirmámos, apesar de haver genericamente a possibilidade de marcar momentos de antes, durante e depois da escrita, estes são meras balizas cronológicas. Os processos cognitivos que ocorrem num desses momentos podem dar-se nos outros pelo reconhecimento do caráter dinâmico e recursivo do processo de escrita que apela a uma crescente metacognição. Na fase da textualização ocorre a organização sintagmática do texto, que se quer coeso e coerente, e é neste processo que se concretiza em texto o projetado na planificação. Quanto à revisão, esta prevê a releitura, avaliação e reformulação, entre outras ações. Poderá ocorrer desde o momento de planificação, passando pela textualização, e este processo

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170 pode recorrer, como mencionado, a instrumentos, como questionários, grelhas e listas de verificação39 e a técnicas de auto/heteroavaliação.

Mas atentemos com mais pormenor nas componentes do modelo:

(a) a envolvência da tarefa, contemplando: (i) o problema retórico, uma vez que

[a] school assignment is a simplified version of such a problem, describing the writer's topic, audience, and (implicitly) her role as student to teacher. Insofar as writing is a rhetorical act, not a mere artifact, writers attempt to “solve” or respond to this rhetorical problem by writing something (Flower & Hayes, 1981, p. 369);

(ii) e os textos produzidos até esse momento;

(b) a memória de longo prazo do escrevente, que inclui todos os conhecimentos do escrevente, nomeadamente os conhecimentos que este tem sobre o tema, sobre o(s) leitor(s), e sobre os planos de escrita, tal como conhecimento de outro material que possa ser usado para auxiliar no cumprimento da tarefa:

The writer's long-term memory, which can exist in the mind as well as in outside resources such as books, is a storehouse of knowledge about the topic and audience, as well as knowledge of writing plans and problem representations. Sometimes a single cue

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No presente trabalho de investigação, e porque nos debruçamos sobre o caso da narrativa, avançámos uma ficha de verificação que partiu de um questionário por nós elaborado (cf. Apêndice A – Questionário aplicado à amostra Grupo 1, Apêndice Q – Ficha de verificação de EA na produção escrita de narrativas em PLE (após a redação de uma narrativa) e Apêndice R – Ficha de verificação de EA na produção escrita de narrativas em PLE).