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Capítulo 4. – Sistema de Informação Rogério Nunes

4.2. Da complexidade epistemológica: o Método Quadripolar

Na aplicação da teoria sistémica ao tratamento de arquivos, sobretudo a sistemas semifechados, o processo que melhor se aplica é o método quadripolar. Foi proposto em 1974, por Paul de Bruyne, como uma alternativa ao positivismo que defendia que o verdadeiro conhecimento só se conseguia através do uso de métodos científicos válidos, nomeadamente através das chamadas ciências exatas. As ciências sociais, para serem aceites em pé de igualdade, viviam obcecadas em justificar a sua cientificidade, muitas vezes sem argumentação minimamente credível. As perguntas colocadas, por exemplo, no âmbito da Arqueologia de teor positivista das décadas de 1950 e 1960, deveriam, obrigatoriamente, ser respondidas com a convicção de que tem um conhecimento absoluto. Daí que, frequentemente, perante uma questão sobre a função de um sítio ou objeto arqueológico, a resposta fosse um quase automático ritual. Com a Arqueologia Pós-Processual, desenvolvida na década de 1990, foi possível relevar o caráter subjetivo da Arqueologia, a impossibilidade de conhecermos o passado para além da teorização e a possibilidade de responder à pergunta acima mencionada com um “não sabemos!”. Também a Arqueologia desenvolveu um método quantitativo/qualitativo, com o apoio de disciplinas auxiliares científicas. É precisamente isto que Armando Malheiro defende quando diz que “as Ciências Sociais podem conquistar cientificidade sem ficarem presas a um método que não é próprio delas. Têm que criar o seu próprio método, ou seja, têm que ajustar a metodologia aos seus problemas”430. E continua afirmando que “o Método Quadripolar é pensado, sobretudo, para que o investigador use ferramentas, use técnicas que sejam mais adequadas à complexidade dos fenómenos que trabalha e os fenómenos que trabalha são fenómenos de natureza humana e social, que não são observáveis ou

430 ESPÍRITO SANTO, Sílvia Maria do - Entrevista Armando Malheiro da Silva. InCID: Revista de

Ciências da Informação e Documentação. [em linha] Volume 10, nº 1, de março/agosto (2019), página 332.

[acedido a 17 de setembro de 2019] disponível em http://www.revistas.usp.br/incid/article/view/155627/153419.

experimentáveis em laboratório”431.

E é precisamente aqui que surge o método quadripolar. Conforme o nome índica, este método divide-se em quatro polos, epistemológico, teórico, técnico e morfológico. As definições de cada polo podem ter, por vezes, pontos em comum. Tal como um sistema, os polos funcionam em conjugação. Juntos formam o processo metodológico transversal ao trabalho conduzido pelo profissional da informação. O maior ou menor desenvolvimento de um polo tem repercussões nos outros. As estratégias adotadas, as hipóteses formuladas, e as tarefas conduzidas afetam os resultados obtidos. A enunciação de um princípio científico, e a alteração das variáveis, conduz, tendencialmente, a resultados diferentes.

O polo epistemológico consiste na definição da problemática de investigação, na construção do objeto científico e nos critérios que orientam o processo de investigação, numa constante busca de pertinência em relação ao caso em estudo. Consiste ainda na tomada de consciência de que, como previne Armando Malheiro, “o investigador em Ciências Sociais é um sujeito/ator que vai condicionar a pesquisa, sempre. Não há objetividade pura. Há subjetividade sim, ela é um dado epistemológico, mas temos que fazer o autoexame no sentido de ir criando filtros para permitir que essa subjetividade não fique atuando perversamente no trabalho”432. Com a aceitação desta limitação vem o dever da constante autovigilância, do assumir de preferências e ideias pré-concebidas, que são inevitáveis, e pugnar por encontrar um ponto de equilíbrio que deve ser, continuadamente, alvo de reflexão. Na investigação, isto consegue-se pela procura do maior número de fontes possível. Pretende-se uma mais segura confirmação dos dados, que, mesmo contrários a uma hipotética posição inicial do investigador, devem ser refletidos na análise final. No caso da Coleção Professor Rogério Nunes, como já referimos, procuramos desenvolver uma pesquisa envolvendo várias fontes,

431 ROCKEMBACH, Moisés - Entrevista a Armando Malheiro da Silva. Em Questão [em linha] volume

23, nº 2, maio/agosto (2017), página 14. [Acedido a 17 de setembro de 2019] Disponível em:

https://seer.ufrgs.br/EmQuestao/article/view/70025/41068.

432 ESPÍRITO SANTO, Sílvia Maria do - Entrevista Armando Malheiro da Silva. InCID: Revista de

Ciências da Informação e Documentação. [em linha] Volume 10, nº 1, de março/agosto (2019), página 332.

[acedido a 17 de setembro de 2019] disponível em http://www.revistas.usp.br/incid/article/view/155627/153419.

salvaguardando a subjetividade de muita da informação. Os dados biográficos encontrados sobre os intérpretes, explanados no capítulo anterior, são justificados, precisamente, por fontes legítimas. Outros dados obtidos apenas pela teorização de hipóteses são identificados com tal.

O polo teórico expõe a racionalidade do sujeito conhecedor do objeto de estudo. Expressa ainda “a respectiva postulação de leis, formulação de conceitos operatórios, hipóteses e teorias (plano de descoberta) e subsequente verificação ou refutação do contexto teórico elaborado (plano de prova)”433. A construção de hipóteses, muitas vezes com origem em informação introdutória do investigador ao objeto de estudo, serve de apoio à condução dos trabalhos. A teorização deve acompanhar o trabalho desde o seu início, resultando da metodologia usada para a pesquisa da informação, e sendo, por sua vez, condicionada por ela. Deve ainda formar um conjunto com ligações lógicas entre si que facilite a identificação da dinâmica entre os elementos trabalhados. Com o aumentar da informação relevante e com o cruzar de dados intrínsecos e extrínsecos, as hipóteses podem ser confirmadas, ajustadas ou refutadas.

O polo técnico inclui as diversas tarefas realizadas para recolha de dados e para a sua transformação em informação pertinente para dar resposta às hipóteses levantadas sobre o objeto de estudo. Destacam-se, “neste polo, três operações maiores: 1ª Observação directa e indirecta (de casos e de variáveis); 2ª Experimentação; e 3ª Análise/Avaliação retrospectiva e prospectiva”434. Como parte mais prática de todo o processo é aqui que se analisa a validade da metodologia adotada, podendo ser necessário ajustar a mesma. Este processo deve levar sempre em consideração a formulação de hipóteses incluída no polo teórico e os ajustes que o investigador pode levar a cabo como parte do exposto no polo epistemológico.

Finalmente, no polo morfológico, “formalizam-se os resultados da investigação levada a cabo, através da representação do objecto em estudo e da exposição de todo o

433 SILVA, Armando Malheiro da - A Gestão da Informação Arquivística e Suas Repercussões na Produção do Conhecimento Científico. Seminário Internacional de Arquivos de Tradição Ibérica. Rio de Janeiro: CONARQ e ALA, 2000, página 16. [em linha] [Acedido a 26 de novembro de 2018] Disponível em: https://repositorio-aberto.up.pt/handle/10216/22537.

processo investigativo que permitiu a construção científica em torno dele”435. É neste

contexto que o todo o processo de investigação ganha forma, passando da abstração natural de um projeto em curso à sua apresentação, divulgação e partilha. Esta concretização pode abarcar todo o processo conceptual e prático que forma os restantes três polos. A justificação dos resultados pode incluir a explanação da metodologia, a evolução das hipóteses aventadas, e os motivos dos desvios do plano traçado inicialmente.

No caso do presente relatório de estágio, toda a informação pertinente à aplicação do Método Quadripolar está patente nos diversos passos que foram construindo o trabalho realizado sobre a Coleção Professor Rogério Nunes. Levantamos hipóteses, formulamos estratégias de identificação e validação da informação, e apresentamos resultados. Partimos de uma posição neutra sobre o tema, mas, inevitavelmente, desenvolvemos opiniões sobre os intérpretes. Acreditamos, no entanto, que as conclusões a que chegamos refletem o rigor do nosso trabalho e a avaliação que fizemos das fontes.