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Capítulo 3. – Os Intérpretes

3.2. Adriana Barreiro de Sousa

3.2.3. Investigadora

Quando, em 1963, Adriana acompanhou Rogério Nunes a Cambridge, não lhe identificamos qualquer objetivo para além dar apoio ao seu marido. Como pessoa ativa que era, não tardou a sentir falta da azáfama das aulas382. Pouco depois do casal se instalar no número 77 da Glisson Road383, Adriana encontrou, num anúncio de jornal, um curso de formação de professores do ensino secundário que iria decorrer no Cambridge Institute of Education, onde se veio a matricular384. Na Coleção Professor Rogério Nunes encontram-se os respetivos exames de certificação, realizados em junho de 1964, mas não temos dados para afirmar se os chegou a realizar. Sabemos, sim, que, entre 14 de janeiro e 14 de março de 1964, teve processo aberto no IAC, podendo ter sido recipiente de uma bolsa385.

A experiência que teve em Cambridge foi marcante para Adriana. Na altura, o ensino em Inglaterra começava a beneficiar das recomendações do Projeto Nuffield386,

desenvolvido pela Fundação com o mesmo nome. Aliás, os primeiros anos da década de 1960 foram um período em que vários países desenvolveram novos métodos de ensino. Entre todos eles, o projeto inglês terá sido o que teve, e continua a ter, maior impacto, com diversas versões a serem desenvolvidas um pouco por tudo o mundo.

Em Portugal, em 1964, foi criada uma Comissão de Atualização do Ensino da Química, presidida por Fernando Pinto Coelho387. No ano seguinte, esta Comissão começou a estabelecer contactos para se informar sobre os diferentes métodos de ensino que iam sendo desenvolvidos. Nesse mesmo ano, o presidente da Comissão Consultiva

382 PT/FCUP/SIRN/SC 01/SSC 01.03/SSSC 01.03.04/SR 01.03.04.03/SSR 01.03.04.03.01/45/15/ 383 Ibidem.

384 PT/FCUP/SIRN/SC 02/SSC 02.03/SSSC 02.03.02/SR 02.03.02.02/SSR 02.03.02.02.01/AV3/

385 Arquivo do Instituto Camões. Adriana Barreiro de Sousa. [PT/MNE/CICL/IC-1/00297/22] [em linha] [acedido a 7 de março de 2019] disponível em https://arquivo.instituto-camoes.pt/details?id=76472&ht= 386 Para mais informações consultar https://www.nuffieldfoundation.org/short-history-curriculum- development-nuffield-foundation.

387 Nasceu no Funchal (1912-1999). Licenciado em Ciências Físico-Químicas e doutorado pela UC. Foi professor na FCUC (1934-1982) e investigador na área da Química e a Física Nuclear. Foi consultor científica da Fundação Gulbenkian e membro da Academia de Ciências de Lisboa.

do Projeto Nuffield, Sir Ronald Sydney Nyholm388, veio a Portugal, proferir algumas

palestras em Coimbra. Dois anos depois, em 1967, Fernando Pinto Coelho retribuiu a visita, procurando observar os pressupostos do método Nuffield em ação. Só no início de 1968 é que o projeto foi apresentado em Lisboa e no Porto389.

Entretanto, antes dos métodos de ensino Nuffield serem considerados para o ensino em Portugal, Adriana Barreiro de Sousa havia já publicado dois artigos sobre o tema, baseando-se na sua experiência em Inglaterra. Uma professora portuguesa do ensino secundário, com experiência em Química a nível de Farmácia e Ciências Físico- Químicas, a frequentar um curso de formação sobre ensino no preciso momento em que, naquele país, se começava a introduzir o projeto Nuffield foi uma casualidade feliz. Ao regressar a Portugal, Adriana seria, possivelmente, a maior especialista naquele método de ensino em particular. Em 1966, na revista de ensino liceal Labor390, publicou um texto intitulado Preparação dos Professores de ensino secundário em Cambridge (Inglaterra), onde fala sobre a sua experiência de aprendizagem naquele país391. Dois anos depois, na mesma revista, publicou um segundo artigo, intitulado Novos Métodos para o Ensino da Química e da Física - O Projecto Nuffield, onde descreve o projeto em pormenor. Nesta segunda publicação, Adriana ressalva que este “programa de ensino foi firmemente baseado em trabalho experimental, feito pelos próprios alunos, na sua maioria, e nisso reside a novidade e a diferença essencial deste curso”392. Enquadrados nesta nova forma de ensino, os alunos eram incentivados a ter mais atenção àquilo que os rodeava, habituando-se a abordar problemas com espírito científico. Para a Química, como para

388 Químico australiano (1917-1971). Licenciado e doutorado em Química. Influenciou em parte a vertente das ciências do Projeto Nuffield, tendo sido nomeado presidente da Comissão Consultiva de Química. 389 FORMOSINHO, Sebastião J.(ed), Hugh D. Burrows (ed) - Fernando Pinto Coelho – O mestre e o professor universitário: no centenário do seu nascimento. Coimbra: Imprensa da Universidade de Coimbra, 2013, páginas 88-89.

390 Revista trimestral lançada em 1926 por José Pereira Tavares. Com alguns hiatos, foi publicada até 1973. Um marco no ensino em Portugal: a revista "LABOR". [acedido a 16 de agosto de 2019] disponível em: https://correiodaeducacao.asa.pt/133989.html.

391 NUNES, Adriana Barreiro de Sousa - Preparação dos Professores de ensino secundário em Cambridge (Inglaterra). Labor - Revista de Ensino Liceal. Ano XXXI (3ª Série), nº 250, de outubro (1966), páginas 3- 15.

392 NUNES, Adriana Barreiro de Sousa - Novos Métodos para o Ensino da Química e da Física - O Projecto Nuffield”. Labor - Revista de Ensino Liceal. Ano XXXII (3ª Série), nº 265, de abril (1968), página 357.

outras ciências, pretendia-se que a aprendizagem fosse baseada em exemplos práticos e não apenas na teoria393. Para Adriana Barreiro de Sousa era essencial excluir-se “do curso

toda a informação irrelevante que requeresse apenas memória, em lugar de observação, raciocínio e imaginação, e recorrendo-se ao bom uso da experiência dos professores”394, uma metodologia que ainda hoje nos parece válida. Ciente das limitações do ensino em Portugal, concluiu lembrando que, enquanto se espera pela “prometida melhoria dos anacrónicos programas vigentes. (…) podemos adoptar o «espírito Nuffield», se não no método de trabalho, pelo menos no que estiver ao nosso alcance.”395.

A partir de 1967, começou a adquirir livros de apoio ao ensino publicados, direta ou indiretamente, pelo projeto Nuffield, e usados em Inglaterra. Na Coleção Professor Rogério Nunes, existem 13 volumes deste tipo. No entanto, se consultarmos as faturas presentes na mesma Coleção, podemos verificar que a quantidade de livros comprados foi significativamente maior. Acreditamos que terá feito o possível para aplicar esta nova metodologia nas suas aulas. As diversas folhas com informação para os alunos que deixou, incluem instruções para a realização de experiências e outros trabalhos práticos. Existem ainda algumas referências a materiais audiovisuais para usar nas aulas, um bom exemplo do que hoje chamaríamos teaching aids396. Adriana terá sido uma das primeiras professoras a procurar introduzir novas estratégias e novas tecnologias na sala de aula. Em relação à presença do método Nuffield em Portugal e da sua aplicação prática, terá sido mesmo pioneira,

Para além do ensino, Adriana Barreiro de Sousa foi também autora. Caminho adicional por onde procurou contribuir para a melhoria do ensino secundário em Portugal.

393 BEATO, Carlos Alberto da Silva - A disciplina de Ciências Físico-Químicas na reforma liceal de 1947. Lisboa: Faculdade de Ciências, 2003, página 130. Dissertação de mestrado apresentada à FCUL. [em linha] [acedido a 4 de setembro de 2019]. Disponível em https://repositorio.ul.pt/handle/10451/11345.

394 NUNES, Adriana Barreiro de Sousa - Novos Métodos para o Ensino da Química e da Física - O Projecto Nuffield”. Labor - Revista de Ensino Liceal. Ano XXXII (3ª Série), nº 265, de abril (1968), página 357. 395 Ibidem, página 372.

Colaborou principalmente com José Augusto Teixeira397, e com Carlos Corrêa398. O

primeiro manual da sua autoria que identificamos data de 1972, um compêndio de Química para o 1º ano. O último, um livro de exercícios de Química para o 10º ano, data de 2004. Publicou sempre pela Porto Editora399. Na Coleção Professor Rogério Nunes existe alguma correspondência trocada com os seus coautores, nomeadamente com Carlos Corrêa, com troca de impressões, sugestões e outros comentários relacionadas com as suas colaborações. Talvez por ser autora, Adriana tinha uma relação com os livros completamente diferente do marido. Escrevia neles a caneta, dobrava cantos, recortava partes de folhas, entre outros pecadilhos. O rigor com que trabalhava, parece-nos, era comparável ao de Rogério, mas os métodos eram completamente diferentes.

Numa dedicatória de um manual de Física para o 12º ano, os autores, Luís Gonçalves da Silva e Jorge Valadares, enaltecem o valor de Adriana Barreiro de Sousa como autora, “exigente, competente e não pactuante com a degradação em qualidade dos conteúdos programáticos”400. Luís Silva acrescenta ainda que, enquanto docente, apenas recomendou os livros de Adriana. Um sinal do respeito granjeado ao longo de uma vasta e prolífera carreira, que ajudou a moldar o ensino secundário em Portugal.