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Como visto, o Estado já não é mais o único sujeito legalmente obrigado por normas internacionais e nem o único emissor de normatividade. Dentre todas as mudanças perpetuadas nas últimas décadas no cenário da globalização, a extensão de normas de direitos humanos a sujeitos não estatais e, em particular, às organizações empresariais, levou a teoria a considerar, de modo muito mais incisivo, a eficácia horizontal de direitos humanos,483 em contraposição à eficácia vertical, estabelecida nas relações entre Estados e particulares.484

No que se refere aos direitos humanos, uma boa parte do debate sobre a possibilidade da imposição de sanções para empresas que transgredirem esses direitos foi estimulada pelo Pacto Global da ONU,485 programa criado para a promoção dos direitos humanos e preservação ambiental cuja adesão foi espontânea, mas que se apresentou como estratégia de ajuste da atividade das corporações a interesses coletivos e, particularmente, direitos humanos, mediante o uso de instrumentos de soft law ou códigos empresariais de conduta.

Esse debate levantado pelo avanço da responsabilidade social empresarial e direitos humanos mediante o livre engajamento de empresários provoca uma divisão, conforme demonstra Zanitelli,486 entre “voluntaristas”, entusiastas dos projetos de promoção espontânea

483 A eficácia horizontal dos direitos humanos pode ser melhor compreendida a partir da análise do caso Lüth, o

mais emblemático julgado pelo Tribunal Constitucional alemão. O caso se deu na Alemanha pós-segunda guerra, quando um boicote foi organizado para o lançamento do filme Amada imortal, do cineasta Veit Harlan, conhecido por ter servido ao regime nazista. A repercussão negativa contra o filme foi tanta que o filme se tornou um fracasso financeiro e de público. Diante disso, Eric Lüth, o principal organizador da campanha de boicote e diretor do Clube da Imprensa da Cidade Livre e Hanseática de Hamburgo, foi condenado a reparar os prejuízos sofridos pelo diretor e empresários. O caso foi parar na Corte Constitucional alemã, onde foi reconhecido que os Tribunais comuns deixaram de aplicar a “dupla dimensão” dos direitos fundamentais, o que significa dizer que os direitos fundamentais, além da dimensão subjetiva que é voltada para os indivíduos, também possuem uma dimensão objetiva que deve ser perseguida por toda a sociedade. Nessa perspectiva objetiva, portanto, os direitos fundamentais encontram sua validade no valor da dignidade da pessoa humana, fixando a ponderação de bens jurídicos para estabelecer qual direito fundamental deve prevalecer caso haja colisão entre diferentes princípios. A Corte Constitucional alemã, então, julgou o recurso de Lüth procedente, tendo como base a dimensão objetiva e eficácia horizontal dos direitos fundamentais e a necessidade de ponderação em colisões de diferentes direitos. Passados mais de 50 anos, o caso Lüth continua sendo um dos mais importantes envolvendo direitos fundamentais, e continua sendo objeto de discussão ainda nos dias atuais. MIGLIAVACCA, Luciano de Araujo; BOLESINA, Iuri. Harmonização do direito privado aos valores constitucionais. Revista de Estudos Jurídicos da UNESP. São Paulo, a. 17, n. 25, p. 231-248. 2013, p. 237-239.

484 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 38.

485 ORGANIZAÇÃO DAS NAÇÕES UNIDAS – ONU. O que é. Pacto Global Rede Brasil. Disponível em:

<http://www.pactoglobal.org.br/artigo/70/O-que-eh>. Acesso em: 26 nov. 2017.

486 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 42.

de direitos humanos pelas corporações, e “obrigacionistas”, que veem esse desenvolvimento com desconfiança.

[...] Convém esclarecer que se trata aí de um debate repleto de nuanças, longe de ser constituído por dois blocos de opinião homogêneos. Há, de um lado, entre os voluntaristas, aqueles que não se opõem à ideia de sujeitar as corporações, inclusive internacionalmente, a sanções pela violação de direitos humanos, mas que, não obstante, enaltecem propostas como a do Pacto Global e até sugerem que elas sejam um meio para chegar a normas vinculantes. De outro lado, há, entre os que se podem designar como obrigacionistas, os que não deixam de reconhecer serventia aos códigos de conduta de adesão livre e outros instrumentos de soft law, sem deixar, no entanto, de sustentar a insuficiência desses meios e ressaltar, assim, a necessidade de uma ordem legal sancionadora.487

Embora os voluntaristas destaquem que soluções espontâneas, como o Pacto Global e a edição de códigos de conduta são baseadas no diálogo e persuasão e que, portanto, conquanto não sejam as melhores, são as únicas viáveis para a promoção dos direitos humanos no âmbito empresarial, os obrigacionistas partem de uma descrença nas atividades voluntárias das corporações econômicas. Estes últimos creem que, muito embora as ações de autorregulação e o próprio Pacto Global estimulem medidas louváveis na aplicação gradativa de princípios de responsabilidade social empresarial, suas disposições são mais maleáveis do que o necessário, e o próprio conteúdo das obrigações atribuídas voluntariamente se modifica consoante as circunstâncias de produção,488 destacando que o comportamento empresarial, inevitavelmente,

buscará apenas a maximização do lucro.489

Diante dessa inclinação da atividade empresarial – o lucro – na falta de uma regulação normativa ou de outro incentivo informal, como a ameaça de boicote dos consumidores, as empresas obedecerão aos direitos humanos apenas na medida em que isso se mostre conveniente para a realização desse objetivo.490 Acredita-se, então, que a inclusão de considerações iniciais obrigatórias, principalmente com teor de direitos fundamentais de

487 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 42.

488 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 42.

489 SJÅFJELL, Beate, Companies, Society and the Environment. Towards a Sustainable European Company

Law: A Normative Analysis of the Objectives of EU Law, with the Takeover Directive as a Test Case, Chapter 1,

Kluwer Law International; Nordic & European Company Law Working Paper, n. 10-11. 2009, p. 4.

490 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 43-44.

trabalho, no comportamento empresarial, é uma auto-percepção do mercado como sendo uma medida de economia sustentável.491

Nesse embate, a questão da confiança parece assumir um papel de motivação para a escolha entre determinados comportamentos. Nesse novo cenário, a complexidade social alcança um nível incontrolável, permitindo que as pessoas escolham entre ações – e posicionamentos – completamente diferentes. Nesse cenário, a confiança emerge como um mecanismo de redução dessa complexidade.492

Luhmann493 observa a confiança como uma operação reflexiva – ter confiança e confiar na confiança –; como expectativas compartilhadas entre os indivíduos e sistêmica, envolvendo aspectos psíquicos e as relações individuais, se estruturando como expectativas generalizadas em indivíduos e organizações.

A confiança, em seu sentido mais amplo, é um dos efeitos mais básicos da vida social, pois permite que os seres humanos vivam em harmonia, sem estarem tomados por um sentido vago de medo. A confiança, assim, é uma categoria que integra os limites cotidianos da vida humana. Desta forma, sua lógica pode ser vista como um ponto de partida correto de onde derivam as regras de conduta que evitam o caos. Na medida em que a confiança evita o temor paralisante, pode-se concluir que o ser humano precisa outorgar a confiança, ainda que não o faça cegamente em determinadas condições. Uma vida sem confiança seria uma vida ansiosa.

A partir desse ponto de partida, ela possui uma relação com o tempo, se apresentando como uma antecipação de um futuro incerto, em uma problemática relação com o próprio tempo, encarando esse futuro incerto como se fosse certo. Nessa visão, a confiança é um mecanismo que se orienta para o futuro, buscando reduzir a complexidade social. Ao confiar, um indivíduo se compromete com a ação como se houvesse apenas determinadas possibilidades no futuro. O ator une o futuro ao presente com o presente no futuro. De fato, o passado é uma complexidade já reduzida, e um evento já ocorrido é uma escolha já feita e aceita, permitindo que o passado seja referência para as ações no futuro. Com isso se consegue tanto influenciar

491 SJÅFJELL, Beate; WIESBROCK, Anja. Why Should Public Procurement Be About Sustainability? In:

SJÅFJELL, Beate; WIESBROCK, Anja (eds.) Sustainable Public Procurement Under EU Law: New Perspectives on the State as Stakeholder. Cambridge University Press; University of Oslo Faculty of Law Research Paper, n. 2017-17. 2015, p. 20.

492 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 39-40.

493 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

as ações dos indivíduos quanto compreender as ações de terceiros, criando expectativas sobre as reações destes sobre aqueles.494

No entanto, para que seja possível a redução dessa complexidade social através da confiança, é necessária uma estrutura social cada vez mais organizada, pois parece ser impossível que todas as ações se guiem por predições de confiabilidade. As incertezas que restam devem se ajustar, e para isso, é importante que se tenha categorias - tais como de um político ou de um gerente ou através do crédito de capital - cuja tarefa seja esta.495

A confiança se funda na motivação da conduta, e a conduta é a experiência da qual depende a confiança, que emerge como uma expressão e reafirmação da personalidade.496 Já nos sistemas que precisam ou devem ganhar a confiança, e não apenas outorgá-la, o cerne da questão gira em torno das condições internas de merecimento dessa confiança.

A confiança em ambientes complexos e instáveis deve ser levada ao nível máximo de reflexividade, senão experimentará contínuas decepções, não sendo um assunto de outras pessoas, mas sim, a continuação da própria auto-apresentação. Quando a reflexividade se torna consciente, a confiança pessoal se converte em uma variante da confiança do sistema, podendo, apenas por meio da reflexividade, considerar a outra pessoa como sendo alguém verdadeiramente livre, e não apenas um ser com determinadas características.

A base da confiança é a representação do próprio indivíduo como uma identidade social que se constrói por si só, através da interação a que corresponde o seu ambiente. Desta forma, quem que seja que queira ganhar a confiança deve participar na vida social e estar numa posição em que crie expectativas nos outros, de uma forma bastante geral.

Dessa forma, uma certa qualidade social pode convencer, se for fundamentada em afirmações cuidadosas e reservadas e não exageradas. Para tanto, a estratégia é reconhecer as possibilidades funcionalmente equivalentes e cuidar dos seus limites, relacionando a confiança com expectativas individuais que somente como características da personalidade individual poderão ser satisfeitas.

A questão da confiança, então, se desenvolve em torno do compromisso – ainda que antecipado – de submissão às condições da confiança. O ator que deseja ganhar a confiança se apresenta como alguém interessado nela como estratégia para ganhar essa confiança. Esse

494 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 33.

495 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 42.

496 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

interesse, por ser óbvio, acaba se tornando uma ferramenta de manipulação, por meio da qual aquele que confia pode controlar as condutas do ator confiado por meio do seu interesse, delimitando as condições para a continuação ou encerramento da confiança.

Assim sendo, nas grandes organizações, que possuem um grau mais elevado de responsabilidade (e que excede a responsabilidade individual), as relações de confiança que surgem são mais importantes entre superiores e dependentes, entre executivos e subalternos; de forma que um lado se vê obrigado a outorgar confiança enquanto o outro se apodera dela, utilizando-a como uma base para a influência pessoal, mantendo uma simbiose vantajosa para ambos os lados.497

Aquele que confia exerce um controle simbólico de curto prazo de sua confiança, o que faz com que quaisquer discrepâncias a longo prazo entre a aparência e a realidade excepcionalmente tediosas para a pessoa a quem a confiança é concedida para se manter e, como regra geral, sem recompensa.498

Numa leitura sistêmica, é possível perceber que aquilo que a empresa transnacional comunica por meio do sistema de mídia de massa, se reflete no mercado como uma imagem merecedora do fluxo de comunicações econômicas fundadas no investimento por acionistas e no consumo pelos consumidores, caracterizando uma irritação intersistêmica.

A confiança alivia a complexidade daquele que confia e quem quer ser confiado deverá lidar com essa complexidade, atendendo demandas complexas do comportamento do outorgante, correndo o risco de cair sob a pressão dessa complexidade. Esse processo acaba estabelecendo normas para as expectativas de conduta. A persistência de expectativas, mesmo quando desiludidas, se origina como um subproduto da vida em uma comunidade social. As normas criadas desta forma adquirem estabilidade por meio da proteção no passado. A inovação é posta em movimento pela reflexividade, como na positivação da lei costumeira.499

Desta forma, enquanto a confiança reduz a complexidade social, simplificando a vida por meio da aceitação do risco, quando falta disposição ou a confiança é negada a fim de se evitar os riscos, a sua função fica incompleta. De fato, a complexidade impõe muitas exigências

497 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 105-109.

498 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 110. Tradução nossa, texto original: “El que confía ejercita un control simbólico a corto plazo de su confianza, lo cual hace que cualesquiera discrepâncias a largo plazo entre la aparência y la realidad sean excepcionalmente tediosas para la persona a quien la confianza es otorgada para mantenerse, y así como regla general, sin recompensa”.

499 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

ao indivíduo, e quando a confiança é negada, o indivíduo deve voltar a outras estratégias de redução de complexidade, mudando suas expectativas para negativas, tornando-se desconfiado. É por meio dessas estratégias negativas que a desconfiança transforma os semelhantes em inimigos atacáveis, dando a consciência da desconfiança autonomia às estratégias de redução dessa desconfiança, convertendo-as em uma perspectiva habitual de vida, em rotina.

Então, a confiança cria uma necessária relação com a desconfiança em si, pois a própria vida moderna, com sua complexidade inerente cria o ambiente favorável para a geração de grande quantidade de desconfiança. A confiança busca reverter esse ambiente e criar segurança, necessária para enfrentar as incertezas e os riscos.

Confiança e desconfiança, assim, são dois conceitos íntimos e relacionados, sendo equivalentes funcionais, sendo necessária, portanto, a escolha entre um ou outro. Ambos servem para reduzir a complexidade social – no entanto, enquanto a confiança observa seu objeto com expectativas positivas, a desconfiança o faz com expectativas negativas. 500

Diante da possibilidade de escolher não confiar, não estariam os movimentos sociais se valendo dessa desconfiança, implementando políticas de boicote e desinvestimento como estratégias de demonstrar a ausência dessa confiança?

Pressupondo uma resposta afirmativa, a autorregulação empresarial surge como uma estratégia para restabelecer a confiança, por meio da abertura cognitiva para trocas de confiança. De fato, muitas empresas adotaram políticas e práticas formais tentando evitar um regulamento sobre o tema, mas em não raros casos, essas medidas podem ter sido adotadas apenas como resposta à irritação do mercado ou dos consumidores.

A busca pela manutenção da confiança parece uma motivação para os atos empresariais. A motivação, que pode ser extrínseca (quando há a expectativa de uma recompensa) ou intrínseca (quando as escolhas de conduta são determinadas pelo valor que essa conduta possui em si mesma) pode provocar uma alteração do comportamento. Assim, em comportamentos observáveis pelo viés da motivação intrínseca que passam a ser recompensados, como pela premiação ou sanção de algum comportamento, há uma alteração na conduta do agente que, então, não atua mais como um exercício de sua autonomia, e aquela conduta que era interna se torna externamente controlada, perdendo a motivação intrínseca para tanto.501

500 LUHMANN, Niklas. Confianza. Tradução de Amada Flores. Rubí (Barcelona): Anthropos Editorial; México:

Universidade Iberoamericana; Santiago de Chile: Instituto de Sociologia, 2005, p. 121-124.

501 ZANITELLI, Leandro Martins. Corporações e direitos humanos: o debate entre voluntaristas e obrigacionistas

e o efeito solapador das sanções. SUR - Revista Internacional de Direitos Humanos. São Paulo, Rede Universitária de Direitos Humanos, v. 1, n. 1, p. 37-58. Jan. 2004, p. 45-46.

A criação de códigos de conduta pelas empresas representaria uma resposta externa às reinvindicações apresentadas contra essas organizações empresariais, principalmente nas áreas de direitos humanos e ambientais. Tais códigos – compromissos voluntários assumidos pelas empresas – apresentam padrões para as atividades empresariais, que buscam garantir que seus processos internos de tomada de decisão reflitam seus compromissos para com o ambiente externo (outros sistemas, meio ambiente natural, outras organizações, etc.).502

A confiança assume o papel de mecanismo implícito de controle dentro das empresas, uma vez que as relações de confiança incondicional geradas nas relações familiares ou sociedades de pequena escala não podem ser transferidas para sociedades mais complexas. Dessa forma, as relações de confiança vão reconstruir as instituições sociais e relações hierárquicas baseadas na autoridade.503

Do viés econômico, a confiança pode ser vista apenas como puro motivo econômico, como mecanismo de coordenação e controle, mas se for observada da ótica das relações interpessoais baseadas na reciprocidade, a confiança gerada dentro de sistemas pode ser uma fonte de informações e conhecimento.504

O aparato jurídico, nesse contexto, tem um papel crucial a desempenhar no processo de transformação para a sustentabilidade, pois é o direito que fornece um quadro jurídico para o funcionamento interno da empresa. Assim, questiona-se se a adoção de códigos de conduta e os insights derivados do direito internacional no campo empresarial têm lições para ensinar, principalmente sobre a internalização das externalidades sociais e ambientais na tomada de decisão das empresas.505 Até esse ponto, quando há a interiorização das transações, não há necessidade de antecipar as contingências, pois podem ser geridas no interior da organização econômica (ou seja, da ETN).506

Essas relações são bem observáveis com a mudança dos discursos das empresas e adoção desses novos padrões nos códigos de conduta, que buscam poder explicar os efeitos de

502 RATNER, Steven R. Corporations and Human Rights: a theory of legal responsibility. Yale Law Journal.

Connecticut, n. 111, p. 443-545. Dec. 2001, p. 532.

503 ZANINI, Marco Tulio Fundão. Relações de confiança nas empresas da nova economia informacional – uma

avaliação dos efeitos da incerteza sobre o comportamento organizacional. Cadernos EBAPE.BR. v. III, n. 4, p. 1-21. Dez. 2005, p. 1.

504 ZANINI, Marco Tulio Fundão. Relações de confiança nas empresas da nova economia informacional – uma

avaliação dos efeitos da incerteza sobre o comportamento organizacional. Cadernos EBAPE.BR. v. III, n. 4, p. 1-21. Dez. 2005, p. 6.

505 SJÅFJELL, Beate; WIESBROCK, Anja. Why Should Public Procurement Be About Sustainability? In:

SJÅFJELL, Beate; WIESBROCK, Anja (eds.) Sustainable Public Procurement Under EU Law: New Perspectives on the State as Stakeholder. Cambridge University Press; University of Oslo Faculty of Law Research Paper, n. 2017-17. 2015, p. 21.

506 GRANOVETTER, Mark. Ação econômica e estrutura social: o problema da imersão. Tradução de Cristina

seu controle sobre problemas ambientais e sociais não atendidos. Os episódios de Brent Spar e da Nigéria, se tomados como exemplos disso, não surgiram como consequência de nenhum desastre industrial, como em Bhopal, Chernobyl e Mariana. A Shell não havia praticado – ainda – nenhuma atividade reconhecida como “ruim” num sentido popular, mas sim, estava envolvida