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Direitos humanos, autorregulação e responsabilidade social empresarial: dos códigos de conduta das empresas transnacionais – cidadania ou inefetividade?

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Academic year: 2021

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DEPARTAMENTO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS E SOCIAIS PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO STRICTU SENSO EM DIREITO

MESTRADO EM DIREITOS HUMANOS

ANA LARA TONDO

DIREITOS HUMANOS, AUTORREGULAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: DOS CÓDIGOS DE CONDUTA DAS EMPRESAS

TRANSNACIONAIS – CIDADANIA OU INEFETIVIDADE?

Ijuí (RS) 2017

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ANA LARA TONDO

DIREITOS HUMANOS, AUTORREGULAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: DOS CÓDIGOS DE CONDUTA DAS EMPRESAS

TRANSNACIONAIS – CIDADANIA OU INEFETIVIDADE?

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu sensu – Mestrado em Direitos Humanos da Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI), como requisito parcial para obtenção do título de Mestre em Direito

Linha de Pesquisa: Direitos Humanos, Meio Ambiente e Novos Direitos.

Orientador: Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier

Ijuí (RS) 2017

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T663d Tondo, Ana Lara.

“Direitos humanos, autorregulação e responsabilidade social empresarial : dos códigos de conduta das empresas transnacionais – cidadania ou inefetividade?” / Ana Lara Tondo. – Ijuí, 2017. 214 f. ; 30 cm.

Dissertação (mestrado) – Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (Campus Ijuí). Direitos Humanos.

“Orientador: Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier”.

1. Responsabilidade Social Empresarial. 2. Direitos Humanos. 3. Empresas Transnacionais. 4. Códigos de Conduta Empresarial. 5. Teoria dos Sistemas Sociais.. I. Fornasier, Mateus deOliveira. II. Título. CDU: 658:347.7 Catalogação na Publicação

Ginamara de Oliveira Lima CRB10/1204

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UNIJUÍ - Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul Programa de Pós-Graduação em Direito

Curso de Mestrado em Direitos Humanos

A Banca Examinadora, abaixo assinada, aprova a Dissertação

DIREITOS HUMANOS, AUTORREGULAÇÃO E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL: DOS CÓDIGOS DE CONDUTA DAS EMPRESAS

TRANSNACIONAIS – CIDADANIA OU INEFETIVIDADE?

elaborada por

ANA LARA TONDO

como requisito parcial para a obtenção do grau de Mestre em Direito

Banca Examinadora:

Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier (UNIJUÍ): ___________________________________

Prof. Dr. Luciano Vaz Ferreira (FURG): __________________________________________

Prof. Dr. Luis Gustavo Gomes Flores (UNIJUÍ): ____________________________________

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Diante da vastidão do tempo e da imensidão do universo, é um imenso prazer para mim dividir um planeta e uma época com você.

Carl Sagan

Aos que vieram antes de mim e deixaram seus legados de dúvida e vontade.

Aos que dividem comigo o aqui e o agora. Aos que virão depois de mim, que nunca deixem de questionar minhas hipóteses.

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A ideia era fantasticamente, descontroladamente improvável. Mas como a

maioria das ideias fantasticamente,

descontroladamente improváveis, era pelo menos tão digna de consideração quanto uma mais mundana em que os fatos tenham sido vigorosamente dobrados para se encaixarem.

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RESUMO

O objetivo geral deste trabalho foi analisar a reflexividade entre as comunicações jurídicas não estatais e a efetivação de direitos humanos no âmbito da autorregulação empresarial, especialmente no que concerne à responsabilidade social empresarial daí decorrente. Para tanto, partindo da admissão dos códigos de conduta como instrumento normativo privado, o problema de pesquisa busca de que forma se pode compreender esses códigos de conduta no âmbito do sistema jurídico global, especialmente no que tange à sua reflexividade em relação aos direitos humanos no âmbito da chamada responsabilidade social empresarial. A hipótese apresentada considerou os códigos de conduta das empresas transnacionais como sendo comunicações jurídicas que podem ensejar decisões que digam respeito a Direitos Humanos. Diante disso, estabeleceu-se três objetivos específicos. O primeiro objetivo específico consiste em apresentar a sociedade globalizada como uma sociedade funcionalmente diferenciada, admitindo outras ordens jurídicas não estatais. O segundo objetivo específico é o de analisar como a Responsabilidade Social Empresarial pode facilitar a observação da reflexividade entre os sistemas jurídico, político e econômico da sociedade global. Finalmente, o terceiro objetivo específico tratará da possibilidade de aprendizado do direito a partir da observação da autorregulação empresarial para os Direitos Humanos. A metodologia consiste no método sistêmico-construtivista, pela abordagem de estudo monográfico e técnica de pesquisa bibliográfica-documental. Os resultados apontam, em primeiro lugar, para a necessidade de se distinguir a existência de ordens jurídicas para além da emanada pelo Estado, reconhecível, por exemplo, na conformação de um direito espontâneo e universal na autorregulação empresarial. No interior dessa autorregulação, a responsabilidade social empresarial auxilia a observação da reflexividade, especialmente na abertura de cognição do modo de operar do sistema jurídico, restando ao Direito o aprendizado dessa nova forma de comunicação do capital privado. As conclusões confirmam parcialmente a hipótese já que empresas transnacionais têm desenvolvido seus códigos de conduta internos no contexto da autorregulação independentemente de provocação estatal, muito embora ainda possam vir a sofrerem uma reflexividade principalmente no que diz respeito aos Direitos Humanos, sendo, portanto, importante como objeto de estudo, mas que padece de vícios de inefetividade.

Palavras-chave: Responsabilidade Social Empresarial; Empresas Transnacionais; Direitos Humanos; Códigos de conduta empresarial; Teoria dos sistemas sociais.

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ABSTRACT

The general objective of this study was to analyze the reflexivity between non-state legal communications and the implementation of human rights in the context of corporate self-regulation, especially with regard to the corporate social responsibility. Therefore, based on the admission of codes of conduct as a private normative instrument, the research problem seeks to understand how these codes of conduct can be understood within the global legal system, especially with regard to its reflexivity with regard to human rights in the the so-called corporate social responsibility. The hypothesis presented considered the codes of conduct of transnational corporations as legal communications that can lead to decisions that concern Human Rights. In face off, three specific objectives were established. The first specific objective is to present the globalized society as a functionally differentiated society, admitting other non-state legal orders. The second specific objective is to analyze how Corporate Social Responsibility can facilitate the observation of reflexivity between the legal, political and economic systems of the global society. Finally, the third specific objective will deal with the possibility of learning the law from the observation of corporate self-regulation for Human Rights. The methodology consists of the systemic-constructivist method, through the approach of a monographic study and a bibliographical-documentary research technique. The results point, in the first place, for the need to distinguish the existence of legal orders beyond that emanated by the State, recognizable, for example, in the formation of a spontaneous and universal law in corporate self-regulation. Within this self-regulation, corporate social responsibility assists in the observation of reflexivity, especially in the opening of cognition of the way of operating of the legal system, remaining to the Law the learning of this new form of communication of private capital. The conclusions partially confirm the hypothesis since transnational corporations have developed their internal codes of conduct in the context of self-regulation regardless of state provocation, even though they may still experience a reflexivity mainly in relation to Human Rights and is therefore important as object of study, but which suffers from ineffectiveness.

Keywords: Corporate Social Responsibility; Transnational Corporations; Human rights; Corporate Codes of Conduct; Social System Theory.

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RESUMEN

El objetivo general de este trabajo fue analizar la reflexividad entre las comunicaciones jurídicas no estatales y la efectividad de derechos humanos en el ámbito de la autorregulación empresarial, especialmente no que concierne a la responsabilidad social empresarial resultante. Para ello, partiendo de la admisión de los códigos de conducta como instrumento normativo privado, el problema de investigación busca de qué forma se pueden comprender esos códigos de conducta en el marco del sistema jurídico global, especialmente en lo que se refiere a su reflexividad en relación a los derechos humanos en ámbito de la llamada responsabilidad social empresarial. La hipótesis presentada consideró los códigos de conducta de las empresas transnacionales como comunicaciones jurídicas que pueden dar decisiones que afecten a derechos humanos. Por lo tanto, se establecieron tres objetivos específicos. El primer objetivo específico consiste en presentar la sociedad globalizada como una sociedad funcionalmente diferenciada, admitiendo otros ordenamientos jurídicos no estatales. El segundo objetivo específico es el de analizar cómo la Responsabilidad Social Empresarial puede facilitar la observación de la reflexividad entre los sistemas jurídico, político y económico de la sociedad global. Finalmente, el tercer objetivo específico tratará de la posibilidad de aprendizaje del derecho a partir de la observación de la autorregulación empresarial para los Derechos Humanos. La metodología consiste en el método sistémico-constructivista, por el abordaje de estudio monográfico y técnica de investigación bibliográfica-documental. Los resultados apuntan en primer lugar a la necesidad de distinguir la existencia de ordenamientos jurídicos más allá de la emanada por el Estado, reconocible, por ejemplo, en la conformación de un derecho espontáneo y universal en la autorregulación empresarial. En el interior de esa autorregulación, la responsabilidad social empresarial auxilia la observación de la reflexividad, especialmente en la apertura de cognición del modo de operar del sistema jurídico, restando al Derecho el aprendizaje de esta nueva forma de comunicación del capital privado. Las conclusiones confirman parcialmente la hipótesis ya que las empresas transnacionales han desarrollado sus códigos de conducta internos en el contexto de la autorregulación, independientemente de la provocación estatal, aunque todavía pueden sufrir una reflexividad principalmente en lo que se refiere a los derechos humanos, siendo, importante como objeto de estudio, pero que padece de vicios de inefectividad.

Palabras clave: Responsabilidad Social Empresarial. Empresas Transnacionales. Derechos humanos. Códigos de conducta empresarial. Teoría de los sistemas sociales.

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LISTA DE ABREVIATURAS

AAA American Arbitration Association

ACOA American Comittee on Africa

AIA Avaliação de Impacto Ambiental

ATCA Alien Torts Claim Act

BIRD Banco Internacional para Reconstrução e Desenvolvimento

BM Banco Mundial

Cal-PERS California Public Employees Retirement System CCI Câmara de Comércio Internacional de Paris

CEE Comunidade Econômica Europeia

CEPAA Council on Economic Priorities Accreditation Agency CONAMA Conselho Nacional do Meio Ambiente

CPJI Corte Permanente de Justiça Internacional ECNI Equality Commission for Northern Ireland

Eco-92 Conferência das Nações Unidas sobre Meio Ambiente e Desenvolvimento

ECOSOC Conselho Econômico e Social

ES Espírito Santo

Ethos Instituto Ethos de Empresas e Responsabilidade Empresarial

FEC Fair Employment Commission

FETO Fair Employment and Treatment Order 1989

FIFA Federação Internacional de Futebol

FMI Fundo Monetário Internacional

GATT Acordo Geral de Tarifas e Comércio

Gife Grupo de Institutos e Fundações Empresariais

GM General Motors

ICANN Internet Corporation of Assigned Names and Numbers

ICC International Chamber of Commerce

ICGN International Corporate Governance Network INCOTERMS International Commercial Terms

IRA Exército Republicano Irlandês

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ISO International Organization for Standardization

LCA London Court of Arbitration

MOSOP Movimento para Sobrevivência do Povo Ogoni

OCDE Organização para Cooperação e Desenvolvimento Econômico

OIC Organização Internacional do Comércio

OIT Organização Internacional do Trabalho

OMC Organização Mundial do Comércio

ONG Organização Não Governamental

ONU Organização das Nações Unidas

SA 8000 Social Accountability 8000

SAEE Serviço Autônomo de Água e Esgoto

SAI Social Accountability International

TAS Tribunal Arbitral do Esporte

TSAD teoria do sistema autopoiético do Direito TIAA-CREF College Retirement Equities Fund

Uncitral Comissão das Nações Unidas para a Legislação Comercial Internacional

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SUMÁRIO

1 INTRODUÇÃO ... 9

2 DIREITO GLOBAL, AUTORREGULAÇÃO E EVOLUÇÃO DA CIDADANIA ... 19

2.1 Diferenciação Social e Globalização: do Direito Interventivo ao Direito Reflexivo ... 21

2.2 Sistemas Sociais e Organizações: do Inter ao Transnacional ... 41

3.3 Entre Utopias e Emancipações: da Cidadania Estatal à Cidadania Corporativa ... 62

3 DE BHOPAL E CHERNOBYL À MARIANA: SISTEMAS E RESPONSABILIDADE SOCIAL EMPRESARIAL ... 84

3.1 O Que Bhopal, Chernobyl e Mariana ensinam sobre Responsabilidade Social Empresarial ... 86

3.2 Responsabilidade Social Empresarial e Reflexividade ... 103

3.3 Reflexividade e Ultraciclo: das possibilidades de evolução do sentido da Responsabilidade Social Empresarial mediante o aprendizado intersistêmico ... 117

4 DIREITOS HUMANOS E AUTORREGULAÇÃO ... 131

4.1 Direitos humanos e teoria do sistema autopoiético do direito ... 134

4.2 Reflexividade e códigos de conduta empresarial: do aprendizado sistêmico dos direitos humanos pelas ordens jurídicas não estatais ... 150

4.3 Da existência à efetividade: códigos de conduta e (im)possibilidades de promoção dos direitos humanos ... 169

5 CONCLUSÃO ... 186

REFERÊNCIAS ... 193

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1 INTRODUÇÃO

Uma torradeira elétrica. O conceito do aparelho eletrodoméstico parece simples: por meio de uma corrente elétrica um eletroímã é ativado, e uma fatia de pão que é inserida dentro do aparelho fica torrada. Seu uso é bastante simples: basta puxar uma alavanca. Todavia, mais do que uma estrutura usada para esquentar pão, as torradeiras possuem um funcionamento praticamente desconhecido. Parece ser evidente – ainda que nenhuma pesquisa epistemológica tenha sido levada a feito pela Academia científica – que a maior parte das pessoas que utiliza, diariamente, uma torradeira elétrica, não conhece esse funcionamento e, arrisca-se a dizer, sequer são capazes de esquentar um pão sem esse simples equipamento.

Viver no século XXI é viver num mundo cercado por eletrônicos e equipamentos vindos de terras distantes e desconhecidas, com sistemas de funcionamento e componentes minúsculos e complexos. A vida moderna depende desses equipamentos, mas quase ninguém sabe construir uma torradeira.

O escritor Douglas Adams, por meio do seu humor ácido e ironia característica, já havia notado esse peculiar desenvolvimento da sociedade contemporânea:

Sentia-se péssimo ao perceber que, embora viesse originalmente de um mundo com carros, computadores, balé e Armagnac, ele não sabia, por conta própria, como aquelas coisas funcionavam. Não era capaz de fazer nada daquilo. Sozinho, era incapaz de construir uma torradeira. O máximo que conseguia era fazer um sanduíche e olhe lá́.1

Inspirado pelo sarcasmo de Adams nessa passagem, onde o personagem principal do livro se vê isolado em um planeta desconhecido e percebe que com seu conhecimento (e dependência) tecnológico era incapaz de fazer sequer um sanduíche, Thomas Thwaites propõe o The Toaster Project,2 no qual tenta recriar uma torradeira, um objeto de uso cotidiano, utilizando-se de tecnologias pré-industriais.

Uma torradeira, quando observada sob a ótica proposta por Adams e Thwaites, é um exemplo que melhor pode representar a complexidade moderna da produção científica. A sociedade moderna assiste ao fortalecimento de uma nova racionalidade, na qual o cenário

1 ADAMS, Douglas. O Guia do Mochileiro das Galáxias: praticamente inofensiva. Tradução de Carlos Irineu

da Costa. São Paulo: Arqueiro, 2010, p. 74.

2 The Toaster Project é um conceito do designer Thomas Thwaiter, criado para a exposição Reset Modernity! No

ZKM. Nesse trabalho Thwaiter se propõe a construir uma torradeira, desde a mineração das matérias-primas até encerrar com o produto final. O criador disponibiliza mais informações na sua página oficial: <http://www.thetoasterproject.org/page2.htm>. THWAITER, Thomas. The Toaster Project. Disponível em: <http://www.thetoasterproject.org/page2.htm>. Acesso em: 20 nov. 2017.

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social se caracteriza pela complexificação da vida social, ocasionada pela emergência de novas demandas, o que acarreta no distanciamento das ações e técnicas jurídicas, políticas e empresariais, se tornando cada vez mais necessário (re)pensar a teoria tradicional acerca das relações sociais. A sociedade moderna se apresenta agora como mundial (ou global), desvinculada de organizações políticas territoriais – muito embora ainda se exponha na forma de Estados – onde a comunicação ultrapassa os limites das fronteiras territoriais, fazendo pouco – ou nenhum – sentido o envolvimento da ideia Estado-nação.

A noção da complexidade ganha enfoque nos estudos de diversos autores, mas principalmente na obra do alemão Niklas Luhmann em sua teoria dos sistemas sociais, na qual articula alguns conceitos fundamentais da teoria, remodelando-a consoante suas próprias construções. Nela, Luhmann parte de uma ideia de diferença e defende a incapacidade de encontrar uma base comum para todas as peculiaridades da sociedade, que vêm se manifestando na complexificação das comunicações dos sistemas sociais autorreferentes dessa sociedade.

A complexidade da sociedade, então, se torna um elemento central para a compreensão da sociedade como um sistema social abrangente, formado por todas as comunicações sociais, que se subdivide em subsistemas funcionalmente diferenciados, abertos em sua cognição, mas fechados em suas operações, sendo o que Luhmann chama de sistema autopoiético.

Dentre esses subsistemas funcionalmente diferenciados, pelo sistema do Direito é possível visualizar esse processo de diferenciação, a partir do desenvolvimento de diversas ordens jurídicas que, por meio de sua autorreferência, validam a si mesmas para cumprir a função de estabilizador das expectativas normativas. Todas essas ordens jurídicas atuam sobre o mesmo código binário do sistema (em conformidade com o Direito/em desconformidade com o Direito), mas cada uma possui um programa específico.

Esse sistema autopoiético parte de um fechamento radical e absoluto, o que não permite a intervenção de um sistema na autopoiese de outro. Partir dessa perspectiva significa encarar os modelos legislativos mais do que mera troca de informação entre sistema e sociedade, e que as normas jurídicas não produzem diretamente mudanças sociais. Nesse cenário, as intervenções do direito na economia devem ser encaradas como observações mútuas entre dois sistemas comunicativos fechados e autônomos. O direito vai “inventar” uma imagem da economia, criando suas leis de regulação com base nessa imagem. A economia, por sua vez, “inventa” uma imagem do direito, e processa os atos de pagamento com base nessa imagem. Ou seja, a informação é construída dentro do próprio sistema autônomo e autorreferencial, e não transferida de um sistema a outro.

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Nesse cenário, não se pode mais afirmar que o Estado é a única fonte de onde emana a normatividade, de forma que surgem atores sociais diferenciados, o que redunda na pluralidade de fontes normativas e de sujeitos destinatários de proteção. Além disso, recorda-se que o sistema jurídico é subdividido em outros subsistemas, que possuem recorda-seus próprios modelos, normas e princípios. Isso resulta numa maior complexidade da sociedade, que apresenta uma grande variedade de fontes de direito organizadas hierarquicamente.

Dessa insuficiência do Estado, surgem atores internacionais, inclusive empresas transnacionais, como causa e consequência da globalização. Para todos os países, a instalação de uma empresa transnacional em seu território pode significar a entrada de capital, criação de empregos e desenvolvimento. A movimentação social, que acaba estabelecendo “padrões”, e a capacidade limitada dos recursos ambientais naturais leva a modificações nas relações entre empresas e sociedades, e a responsabilidade social empresarial, mais do que mero fator de diferenciação estratégica, deriva de deveres impostos pelas comunicações sociais às empresas.

No entanto, sabe-se que a busca exclusiva pelo lucro dos acionistas foi o guia da conduta de muitas empresas por muito tempo, o que levou essas organizações econômicas a se esquivarem de quaisquer questionamentos éticos, sendo essa a diretriz dos empreendimentos empresariais. No entanto, outras responsabilidades, além das econômicas ou contratuais, começaram a serem imputadas às empresas a partir da década de 1970, de forma que a responsabilidade social empresarial correspondia às expectativas de todos os interessados relacionados às atividades empresariais. Ao mesmo tempo em que atitudes responsáveis surgem como alternativas atraentes como nicho de mercado, também se questiona os motivos que levam essas empresas a agirem de determinadas formas, especialmente no que tange aos direitos humanos.

Assim, este trabalho tem como tema de investigação as implicações na relação entre empresas transnacionais e Direitos Humanos, sob o viés da responsabilidade social empresarial e dos códigos de conduta de empresas transnacionais enquanto comunicação jurídica não estatal.

Pretende-se delimitar o âmbito de estudos à complexa reflexividade entre a efetivação dos Direitos Humanos e a conduta das empresas transnacionais, tendo em vista o mundo globalizado, tornando-se imprescindível, assim, a dimensão da responsabilidade dessas empresas, diante da sua atuação perante a sociedade e o Estado, buscando, assim, a garantia dos Direitos Humanos.

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Para o físico estadunidense Neil de Grasse Tyson,3 o universo não tem a obrigação de

fazer sentido. Aliás, o próprio sentido da vida dependerá de quem se questiona sobre isso: uma pessoa crente em alguma divindade poderá acreditar que o seu propósito na vida é servir a esse deus, enquanto que uma das milhões de bactérias que vivem no intestino grosso de qualquer ser humano talvez acredite que seja apenas sobreviver no seu meio. Desta forma, não é possível afirmar com total certeza que o Universo (físico, biológico, químico) possua um propósito, um objetivo ou qualquer sentido. Já para a Teoria dos Sistemas, o sentido é tratado como uma forma de organizar as informações do ambiente, e a sociedade, nessa metodologia, é compreendida como um espaço composto por uma rede de comunicações, que nada mais é do que a busca por essa construção de sentido. Todo o conhecimento é uma construção interna sobre um mundo externo, e por meio dela é possível acessar essa realidade “de fora” e qualquer atividade cognitiva é uma construção interna dessa unidade. Este caminho é o que será percorrido na pesquisa, ao lançar luz sobre novos fenômenos, sem pretensão de afirmar que a hipótese proposta seria a única aceitável para o problema.

Levando essa compreensão para o sistema jurídico, tem-se, então, um sistema autônomo, porém interdependente. Isso significa dizer que todas as normas que estão fora do sistema jurídico só alcançarão uma validade jurídica depois de passar pela seleção do código binário do sistema jurídico, e se as normas de outros sistemas “entram” no sistema do Direito, o fazem porque o código binário as julgou importantes para o sistema. Em outras palavras, essa teoria reflete a si mesma, voltando a acontecer em si mesma, baseando-se na observação do lugar de cada sistema dentro do sistema social abrangente, tematizando as construções sociais.

Essa matriz parece ser muito apropriada para analisar o problema proposto na pesquisa, uma vez que a crise do Estado moderno regulatório provém de uma visão aberta do sistema, que aceita as comunicações dos outros sistemas indistintamente. A solução, para tanto, seria tratar-se de um “Direito Reflexivo”4, baseado em relações inter-sistêmicas, com observação mútua, articulação de interferências inter-sistêmicas e comunicação pela organização. Na teoria do Direito Reflexivo, o sistema é guiado a proteger sua autorreferencialidade e autorreprodução, mas se torna conscientemente reflexivo quando reconhece os domínios da sociedade que pretende regular. A separação entre direito, economia e política gerou uma sociedade descentralizada, e possibilita o desenvolvimento do direito como

3 Neil deGrasse Tyson foi questionado pelo Templeton Foundation a responder a questão: “O Universo possui um

propósito?”. DOES the Universe Have a Purpose? feat. Neil deGrasse Tyson. [S.I.]: Minutephysics, 2012. (2min33seg.), son., color. Disponível em: <https://www.youtube.com/watch?v=7pL5vzIMAhs>. Acesso em: 21 nov. 2017.

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um sistema autônomo da sociedade, e a reflexividade surge das decisões tomadas por esse sistema autônomo, desenvolvendo normas de segunda ordem e reduzindo sua função como tomador de decisões com base na aplicação do código binário.

Diante do cenário globalizado, o Estado já não é o único detentor de produção jurídica e o fortalecimento de ordens jurídicas não estatais e transnacionais ganha cada vez mais espaço. Diante disso, então, o problema a ser enfrentado no decorrer dessa dissertação, pode ser resumido em uma questão: considerando-se os códigos de conduta como instrumentos normativos privados, que permitem às empresas transnacionais estabelecerem seus próprios padrões de conduta no contexto da autorregulação, de que forma se pode compreender esses códigos de conduta no âmbito do sistema jurídico global, especialmente no que tange à sua reflexividade em relação aos direitos humanos focando-se na chamada responsabilidade social empresarial?

Nesse diapasão, em face do problema apresentado, a hipótese pode ser delineada no sentido de considerar os códigos de conduta das empresas transnacionais como sendo comunicações jurídicas integrantes de um Direito Global Reflexivo, autônomas – porém não isoladas – em relação à figura do Estado. Esses códigos podem ensejar decisões que digam respeito a Direitos Humanos (tanto no sentido afirmativo quanto no negativo), eis que, dessa práxis autorregulatória, podem ser verificadas tanto a emergência de uma chamada Responsabilidade Social Empresarial quanto a conformação de uma espécie de cidadania em âmbito empresarial. No que tange a essa forma de responsabilidade e cidadania, tem-se que diz respeito a direitos de toda ordem trabalhista, de dignidade ambiental e de liberdades civis, de modo complexo (basta pensar na proibição do trabalho em condições análogas à escravidão, que diz respeito a mais de uma dimensão da dignidade humana ao mesmo tempo), manifestando-se, assim, como nova e importante ordem de comunicações jurídicas.

Os modos de observar a soberania estatal e sua exclusividade na produção normativa recaem sobre uma inevitável complexificação social, que obriga as comunicações jurídicas a se reorganizarem entre diversas ordens. Nessa nova organização, é possível, agora, identificar ordens estatais e não estatais. Dentre essas ordens não estatais, a possibilidade de autorregulação empresarial é um exemplo de destaque.

Assim sendo, como objetivo geral, este trabalho se refere a analisar a reflexividade entre as comunicações jurídicas não estatais e a efetivação de direitos humanos no âmbito autorregulação empresarial, especialmente no que concerne à responsabilidade social empresarial daí decorrente, haja visto que tal regulação se dá, principalmente, por entes privados, e não decorrente da imposição do Estado.

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Esse assunto se torna relevante para a Academia jurídica na medida em que, dentre os efeitos da globalização, há uma cada vez maior transnacionalização das empresas e, com isso, o cidadão mundial também desperta quanto ao questionamento da conduta dessas empresas, especialmente no que diz respeito à promoção dos direitos humanos na seara empresarial. Isso, de certa forma, obriga uma mudança na forma de observar da sociedade, a fim de considerar todo o dinamismo que se intensifica no crescimento da complexidade social. Diante dessa insegurança no tocante a empresas, governos e direitos humanos, a Responsabilidade Social Empresarial surge como uma deontologia relacionada à conduta empresarial responsável, que permite a expansão dos domínios empresariais, causando uma transformação na esfera pública. Assim, é indispensável que se execute uma observação envolvendo o papel das empresas, notadamente as que atuam em caráter transnacional, no resgate de uma noção de cidadania voltada para o campo empresarial e promoção e inclusão de direitos humanos.

Assim sendo, a partir do crescimento da complexidade social e emergência de novas demandas propostas por novos atores sociais, a sociedade se vê diante de uma nova racionalidade. A era clássica, com seu direito natural e a modernidade com seu jusnaturalismo racionalista, já não são mais capazes de absorver a compreensão da observação da sociedade pós-moderna. Essa sociedade funcionalmente diferenciada, então, marcada pelo excesso de possibilidades, apresenta uma complexa reflexividade entre normas jurídicas estatais e não estatais, que são fruto da própria autorregulação jurídica.

Tendo esse ponto de partida estabelecido, o primeiro objetivo específico, que será detalhado no primeiro capítulo dessa dissertação, foi delimitado a fim de analisar a construção da autorregulação e sua reflexividade para a ordem jurídica global, dimensionando as transformações da cidadania na complexificação de uma sociedade “internacional” para uma sociedade “globalizada”.

Esse primeiro capítulo, ao qual convencionou-se intitular de “Direito Global, autorregulação e evolução da cidadania”, além de introduzir o leitor a conceitos da Teoria dos Sistemas, também buscará demonstrar como a hipercomplexidade e a policontexturalidade da comunicação – que hoje circula praticamente livre por todo o planeta, graças aos avanços tecnológicos – deslocaram o Estado de centro dominante de comunicações jurídicas a apenas mais um emissor de normatividade.

Esse capítulo ambiciona apresentar a sociedade contemporânea como uma sociedade funcionalmente diferenciada segundo os conceitos básicos da moderna Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos. Para tanto, se apoia nas contribuições teóricas de diversos autores, tais como Niklas Luhmann, Ralf Rogowski, Gunther Teubner e Marcelo Neves, que publicaram

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trabalhos relevantes sobre o tema. Uma vez exposto o problema da contingência dessa sociedade diferenciada em subsistemas autopoiéticos, verifica-se mais claramente a dimensão da insuficiência da lei na forma estatal. Diante desse esgotamento, novos conflitos surgem nessa dinâmica, e o reconhecimento da existência de ordens jurídicas não estatais é fundamental, não para substituir a regulação jurídica do Estado, mas sim, como elemento capaz de reduzir o abismo que parece separar os interesses do mercado, que é guiado pela lógica do sistema econômico, dos direitos humanos. Ainda nesse capítulo introdutório, ganha espaço a discussão acerca do caráter político e social da noção de cidadania quando estendida às empresas.

Logo após, no capítulo intitulado de “De Bophal e Chernobyl a Mariana: sistemas e responsabilidade social empresarial” os acidentes paradigmáticos ocorridos nesses locais, respectivamente os maiores acidentes químico, nuclear e ambiental da história – que, como se verá, não são apenas acidentes – foram trazidos à baila com a intenção de provocar uma análise acerca do modo sobre como a Responsabilidade Social Empresarial pode facilitar a observação da reflexividade entre os sistemas jurídico, político e econômico da sociedade global, e de que forma sua variabilidade de sentido pode facilitar a compreensão da reflexividade entre tais sistemas, sendo este, portanto, o segundo objetivo específico desse trabalho.

Após apresentar os conceitos de responsabilidade social empresarial e verificar como tais preceitos são violados, o capítulo também se debruçará sobre a variabilidade de sentido da responsabilidade social empresarial, observando-a como uma noção que ultrapassa o cumprimento estrito da lei e é capaz de estimular ações que afetam a qualidade de vida de toda a comunidade e de que forma o sistema do Direito pode utilizar essas experiências para seu próprio aprendizado interno mediante sua reflexividade, observável a partir do modelo ultracíclico sistêmico.

O terceiro capítulo abordará o terceiro e último objetivo específico desse trabalho. Esse último capítulo que carrega o título “Direitos humanos e autorregulação” é movido em torno do objetivo de específico de tratar do significado dos direitos humanos para a teoria do sistema autopoiético do Direito (TSAD), analisando as condições de possibilidade de aprendizado do sistema do direito a partir da observação da autorregulação pelos Direitos Humanos.

Nesse último momento, a questão da confiança é introduzida como um elemento de compartilhamento de responsabilidade social empresarial que carrega em si também a noção de direitos humanos, na medida em que movimentos sociais, organizações não governamentais (ONGs) e consumidores em geral têm sua atenção voltada para a para a atuação das empresas transnacionais e podem valer-se da confiança concedida a essas empresas e criar estratégias de pressão a fim de coagir as empresas a adotarem um papel social e coibir violações de direitos

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humanos. A partir das comunicações jurídicas que extrapolam os limites territoriais do Estado e da emergência de um Direito Global, o estabelecimento de ordens jurídicas não estatais e o conceito de confiança, o Estado se vê incapaz de regular as corporações transnacionais em sua totalidade, abrindo espaço para uma regulação por essas empresas que, por seu turno, pode se revelar problemática caso incentive decisões que violem direitos humanos.

Por meio de uma epistemologia sistêmica, buscando-se evitar cair em lugares comuns e utopias, esse trabalho investiga como o estímulo à responsabilidade social empresarial pode gerar uma autorregulação empresarial num diálogo entre ordens jurídicas diferentes, não hierárquicas, mas reflexivas, assim como garantir o cumprimento dos direitos humanos nessa nova ordem não estatal. Nesse ponto, os códigos de conduta, idealizados a partir dessa autorregulação empresarial, aspiram um reconhecimento privado e externo, que geralmente é obtido por meio de programas de qualidade com fins de avaliar a efetivação dos próprios atores do mercado, por meio dos quais pode-se verificar uma convergência dos interesses de promoção de direitos humanos, buscadas por diversos motivos, tudo isso como exemplos de comunicação jurídica não estatal. Por um lado, eles são capazes de impulsionar a legislação internacional, mas por outro, códigos de conduta correm o risco de servirem apenas como propaganda das grandes empresas, haja vista a ausência de sanções, e não significar avanços reais em matéria de direitos humanos.

Neste tom é que a presente dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação Strictu Sensu, curso de Mestrado em Direito, na Universidade Regional do Noroeste do Estado do Rio Grande do Sul (UNIJUI) surge com um tema que merece destaque e estudo no círculo acadêmico, na medida em que se propõe a estudar a reflexividade entre a responsabilidade social empresarial das empresas transnacionais e as implicações dos Direitos Humanos em relação à sua postura.

Nesse sentido, o debate em torno do papel das empresas perante a sociedade se torna uma discussão de suma importância, na medida em que empresas transnacionais figuram cada vez mais com maior intensidade como novos atores internacionais isentos de um controle central unificado. Assim, é cristalino o entendimento de que devem ser fomentadas condutas voluntárias por parte das empresas transnacionais, em âmbito internacional, envolvendo a não-violação e promoção dos Direitos Humanos nas atividades por elas desenvolvidas. Nesse aspecto, também é inevitável a discussão que envolva a responsabilidade de tais empresas no relativo aos Direitos Humanos.

Trata-se, portanto, de uma temática que se enquadra perfeitamente na linha de pesquisa da instituição, “Direitos Humanos, Novos Direitos e Meio Ambiente”, uma vez que a proposta

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de fenômenos relativos à complexidade da sociedade atual também se debruça sobre a receptividade e conformidade de novas figuras jurídicas que prescindem do envolvimento da figura do Estado, reconhecendo novas ordens jurídicas como também fontes de normatividade, e como isso pode ressignificar (ou não) o próprio conceito de Direitos Humanos.

Não obstante, a pesquisa também se insere no projeto de pesquisa do professor orientador, Prof. Dr. Mateus de Oliveira Fornasier, “Direitos Humanos, Novas Tecnologias e Responsabilidade”, na medida em que, frente às inovações apresentadas no campo empresarial, o que se visa é estabelecer um elemento de intersecção entre os Direitos Humanos e a Responsabilidade Social Empresarial, que brota, principalmente, a partir do incessante aumento da complexidade social. Esta pesquisa, então, pretende discorrer a partir de uma observação diferenciada para tanto, sustentando-se no reconhecimento de uma nova ordem jurídica não estatal e autônoma no cenário internacional e globalizado, cujo personagem principal não é mais o Estado soberano, mas sim, atores privados transnacionais.

Para tanto, no que diz respeitos aos procedimentos metodológicos, optou-se por utilizar o método sistêmico-construtivista a partir da Teoria dos Sistemas Autopoiéticos. Tal método parte de uma observação de segunda ordem, para a qual a realidade é uma construção conforme a observação de um observador que observa sua própria realidade, aproximando esse observador do seu objeto de estudo. Por meio da Teoria dos Sistemas, a sociedade é identificada como um sistema abrangente, formada por uma rede de comunicações nessa sociedade complexa que faz, por sua vez, aflorarem subsistemas funcionalmente diferenciados, cada qual com seus códigos, programas e funções comunicativas peculiares.

Esses sistemas atuarão na tentativa de reduzir a complexidade social, cada um à sua maneira, por meio do seu código binário específico. Assim, a Teoria dos Sistemas se apresenta como uma matriz que, rompendo com o racionalismo dominante, possibilita que se compreenda a sociedade como um conjunto de sistemas que, por sua vez, são subdivididos em subsistemas. O objeto, que leva a um desenrolar linear e evolutivo do conhecimento é substituído por um processo não-linear e não-metódico.

Cada um desses subsistemas é, por sua vez, autopoiético, o que significa dizer que são fechados operativamente, mas abertos cognitivamente, de forma que são capazes de se organizarem conforme suas próprias referências. O Direito emerge como um desses subsistemas, cuja função é a de estabilizar as expectativas normativas contrafáticas, não necessariamente alteráveis conforme são decepcionadas, reduzindo a complexidade social, no qual compreende-se essa comunicação autopoiética a partir do código binário “conforme o direito/contrário ao direito”, específico do sistema, enquanto que seu programa é o conjunto das

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decisões anteriormente tomadas com o intuito de cumprir com a função inerente do sistema, a estabilização das expectativas normativas da sociedade.

A importância da análise sobre esse viés se constrói na medida em que, da proposta de uma observação mais complexa sobre o tema em discussão, surge a necessidade de uma teoria de base com categorias suficientemente complexas também. Dessa forma, ao compreender a situação de uma forma global, ao admitir que não há uma única verdade absoluta, permite-se uma reflexão onde o Direito é o observador de sua própria realidade.

Embora nas tradições sociais Ocidentais esse sistema jurídico se baseie no princípio moderno da soberania, entende-se aqui que esta apenas faz parte do programa de decisões do sistema, e não que seja sua estrutura fundamental. Esta percepção leva a afirmar que outras organizações, além do Estado, têm capacidade de produzir Direito, visto isso de acordo com o papel do observador, que constrói sua própria complexidade estrutural a partir de diferentes características, como sentido e autopoiese.

Além deste método de abordagem, o método de estudo é o monográfico, uma vez que o trabalho é direcionado e relacionado com a unicidade de um problema, na busca de proporcionar segurança e clareza sobre o tema. Nesse viés, a técnica de pesquisa bibliográfica-documental permite que se explore com riqueza inúmeras fontes, tais como textos doutrinários; livros; periódicos; artigos; documentos monográficos e sites confiáveis, acreditando-se que a revisão sistemática da literatura sobre o tema seja um método bastante confiável para reunir as informações acerca do objetivo.

Apresentada a proposta a partir do contexto sistêmico-construtivista, buscando estabelecer um diálogo entre diferentes ordens jurídicas não hierárquicas e encarar a necessária reflexividade entre a autorregulação não estatal e a promoção (ou não) dos direitos humanos, o momento derradeiro deste trabalho será questionar os encontros e desarmonias dessa nova regulação transnacional no contexto empresarial e o discurso dos direitos humanos, buscando elucidar como a adoção de práticas de responsabilidade social empresarial, de um lado, pode auxiliar na efetivação de direitos humanos e de outro, como esses direitos podem ser mitigados em prol dos interesses empresariais.

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2 DIREITO GLOBAL, AUTORREGULAÇÃO E EVOLUÇÃO DA CIDADANIA

Existe uma teoria que diz que, se um dia alguém descobrir exatamente para que serve o Universo e por que ele está aqui, ele desaparecerá instantaneamente e será substituído por algo ainda mais estranho e inexplicável. Existe uma segunda teoria que diz que isso já aconteceu.

Douglas Adams5

Quase como em uma confissão literária, o escritor Douglas Adams expõe a complexidade das sociedades contemporâneas: um período marcado por profundas evoluções e desenvolvimento tecnológico, científico e social. Isso leva a uma nova racionalidade na sociedade, marcada pela complexificação da vida social provocada pela emergência de novas demandas propostas por novos atores sociais.

A sociedade medieval era marcada pela perspectiva jusnaturalista, cujas premissas de universalidade abalizavam as “relações humanas”. Até o final do século XVIII o direito foi se definindo, o que acarretou na sua individualização em duas espécies: o direito positivo e o direito natural, que marcou a tradição do pensamento jurídico ocidental. Na era clássica, o direito natural era considera um direito “comum”, enquanto que o direito positivo se destinava ao civitas.6 Esse Direito Natural se relacionava com ideias do que é correto e justo na realização

da virtude, criando um instrumento que permitisse aos filósofos clássicos confrontarem as leis e costumes vigentes.7 Já na Idade Média, o direito natural se sobrepõe ao positivo na medida

em que era considerado como fruto da vontade do próprio Deus, como “[...] a lei escrita por Deus no coração dos homens”. 8

Na Modernidade, no entanto, aquele jusnaturalismo medieval teológico cedeu lugar a um jusnaturalismo racionalista. Entre esses novos jusnaturalistas, existiu uma sensível distinção no modo de encarar o ser humano e a sociedade. Nesse momento, passam-se a aceitar que existe um direito natural que é deduzido apenas da razão. Ainda é a natureza, mas agora decorre da natureza racional do ser humano social. Posteriormente, esse jusnaturalismo racionalista cedeu espaço ao positivismo, que seria posto pelo Estado. Assim, criações jurídicas ganham status de “razão pública” de um Estado, que se adaptam às necessidades e circunstâncias da vida social, evoluindo e variando nesse processo, se tornando a versão secular daqueles direitos

5 ADAMS, Douglas. O Guia do Monhileiro das Galáxias: o restaurante no fim do universo. Tradução de Carlos

Irineu da Costa. São Paulo: Arqueiro, 2010, p. 5.

6 BOBBIO, Noberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson

Bini e Carlos E. Rodrigues. São Paulo: Ícone, 2006, p. 25.

7 DOUZINAS, Costas. O fim dos Direitos Humanos. Tradução de Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009,

p. 48.

8 BOBBIO, Noberto. O positivismo jurídico: lições de filosofia do direito. Tradução de Márcio Pugliesi, Edson

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jusnaturalistas medievais, que agora são ditados pelo Estado.9 Com o aumento da complexidade

social, a pós-modernidade, distinta por revoluções e acontecimentos históricos, passou a exigir uma nova matriz teórica que absorva a compreensão de todos esses fenômenos.

Assim, a perspectiva de observação da sociedade deve ser construída sobre novas bases, dando espaço a uma epistemologia sistêmica, propondo-se aqui, antes de tudo, a mudança de uma teoria da sociedade para a teoria dos sistemas sociais que realize a análise da sociedade a partir de outros planos propostos e abarque toda a complexidade social, marcada pelo excesso de possibilidades. Ao considerar esse excesso de possibilidades como uma categoria conceitual que permite uma análise estrutural com base no desenvolvimento positivo, a matriz sistêmica surge como uma metodologia que permite a interpretação da diferenciação funcional na sociedade, que ganha significado como a maior característica da sociedade contemporânea, focada na posição do indivíduo nesse âmbito social.

A partir desse cenário apresentado, o presente capítulo tem a pretensão de expor a sociedade contemporânea como uma sociedade funcionalmente diferenciada, utilizando-se, para tanto, de categorias de base da moderna Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos, inicialmente reformulada por Niklas Luhmann, mas com diversas contribuições de outros autores sistêmicos, que se debruçaram sobre essa teoria para mostrar como o crescimento da complexidade na rede de comunicações aumenta a contingência social.

Essa observação se faz necessária para que se possa delimitar a complexa reflexividade entre normas jurídicas estatais e não estatais, considerando a Lex mercatoria, ou Lei Mercante, como uma ordem jurídica não-estatal, nascida a partir da autorregulação jurídica. Isso permite analisar sua construção e sua reflexividade para a ordem jurídica global, dimensionando as transformações da cidadania na complexificação de uma sociedade “internacional” para uma sociedade “globalizada”

Para tanto, este capítulo foi subdivido em três momentos: num primeiro momento, o que se pretende expor é que, com o aumento da complexidade, e consequentemente, da contingência, a sociedade funcionalmente diferenciada cria a si mesma a partir da rede de comunicação sistêmica, na qual diversos outros subsistemas sociais e autopoiéticos, tais como o direito, a economia e a política, desempenham funções específicas, com a finalidade de reduzir essa complexidade e gerar o próprio sistema social, utilizando-se, na apresentação desse quadro, de conceitos da Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos.

9 DOUZINAS, Costas. O fim dos Direitos Humanos. Tradução de Luzia Araújo. São Leopoldo: Unisinos, 2009,

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Com o avanço tecnológico que destruiu as barreiras territoriais, permitindo que a comunicação circule livremente por todo o globo terrestre, somado ao crescimento da complexidade, o segundo subitem pretende mostrar como a hipercomplexidade e a policontexturalidade dessas comunicações sistêmicas acabaram deslocando o Estado de único centro emissor de comunicações e relativizando a soberania estatal, permitindo que o pluralismo jurídico, com uma grande diversidade centros emissores de normatividade, desse à luz à ordens jurídicas transnacionais e não-estatais, cuja racionalidade não se limita às comunicações estatais, mas sim, compartilha seu papel como centro emissor de comunicação jurídica com organizações globais e internacionais

O interesse desse capítulo, então, converge no seu último subitem, que buscará tratar a evolução da cidadania, e sua relação na autorregulação e validade das ordens não estatais, verificando como a comunicação ocorre em âmbito jurídico e como esses sistemas de regulamentação não estatal produzem, normatizam, regulamentam e aplicam direito. A essa altura, o que se proporá é a extensão da noção de cidadania às corporações, a partir de uma compreensão da cidadania na ciência política e filosofia política, como comunicação política e não jurídica, examinando sua aplicabilidade às empresas. Este, como um primeiro passo nesse território, eleva a cidadania de um status submisso à autoridade estatal, contestando e ampliando os aspectos políticos, com lutas sociais de reconhecimento e redistribuição, articulando, então, a cidadania com seu caráter político e social.

2.1 Diferenciação Social e Globalização: do Direito Interventivo ao Direito Reflexivo

Para Bertrand Russel, “uma das mais dolorosas consequências dos avanços recentes da ciência é que a cada nova descoberta ficamos sabendo menos do que achávamos que sabíamos”.10 O desenvolvimento científico e tecnológico, cujos ecos alcançaram a matemática,

a cibernética, a química e a biologia, aliados ao cenário de evolução social ocasionado, principalmente, pela emergência de novas demandas propostas por novos atores sociais, caracteriza o estágio da sociedade atual, marcado pela complexificação da vida social, o que acarreta no distanciamento das ações e técnicas jurídicas, políticas e empresariais, se tornando cada vez mais necessário (re)pensar a teoria tradicional acerca das “relações humanas”.

10 RUSSEL, Bertrand. O Elogio ao Ócio. In: DE MASI, Domenico (org.). A economia do ócio. Tradução de

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A sociedade medieval era marcada pela perspectiva jusnatural, com premissas universais, e a era moderna, com grandes revoluções e acontecimentos históricos, passou a exigir uma nova matriz teórica que auxilie na compreensão de todas as novas movimentações sociais.

A partir do séc. XIX, identificou-se um declínio na confiança no progresso, resultando na substituição de uma análise estrutural com base no desenvolvimento positivo, para uma análise com base na diferenciação social, dependência da organização e estrutura dos papeis, onde ganha significado a análise da posição do indivíduo na sociedade moderna, o que permite uma maior compreensão dos problemas da sociedade, problemas esses causados por ela mesma.11 Dessa forma, a sociedade moderna se apresenta como uma sociedade mundial,

desvinculada de organizações políticas territoriais – muito embora ainda se apresente na forma de Estados – onde a comunicação ultrapassa com cada vez maior frequência os limites das fronteiras territoriais. 12

Assim, a perspectiva compreensiva da sociedade deve ser encarada sobre novas bases, dando espaço a uma epistemologia sistêmica, com a qual se propõe a mudança de uma teoria da sociedade para uma teoria dos sistemas sociais, que realiza a análise da sociedade de outros pontos de vista e abarca toda a sua complexidade, marcada pelo excesso de possibilidades.

O conhecimento sistêmico tradicional consistia no rompimento com o estilo analítico, herdado de Descartes, com uma substituição da diferença tradicional todo/partes (que compreendia o todo como formado por partes)13, para a diferença sistema/ambiente, que fora anteriormente desenvolvida por Ludwig von Bertalanffy. 14

A moderna teoria dos sistemas sociais foi delineada por Talcott Parsons e seria renovada a partir de contribuições de Niklas Luhmann. A reformulação luhmanniana da teoria é baseada numa mudança paradigmática, que defendia a independência entre os sistemas biológicos e sociais, de forma que os indivíduos formem sistemas biológicos (vida) e encara a sociedade como um sistema autopoiético formado pela comunicação, na qual as noções de

11 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de Mexico:

Universidad Iberoamericana, 2006, p. 7; 10.

12 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 15-26.

13 Edgar Morin refuta o pensamento unificador e se opõe a ideia de “[...] conhecer as partes pelo todo, conhecer o

todo pelas partes [...]”, alertando para um círculo vicioso que tal compreensão levaria. Morin considera o “todo” como uma macrounidade, que não é constituída por “partes”, mas sim de ações entre unidades complexas. MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 5ª ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 2001, p. 259-264.

14 LUHMANN, Niklas. Sistemas Sociales: lineamientos para una teoría general. Tradução de Silvia Pappe e

Brunhilde Erker. Rubí (Barcelona): Anthropos; México: Universidad Iberoamericana; Santafé de Bogotá: CEJA, Pontificia Universidad Javeriana, 1998, p. 30.

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sistema e ambiente se tornam essenciais para compreender a dita complexidade do mundo, vez que sua função é reduzi-la.15

A sociedade contemporânea é, pois então, uma sociedade complexa. Essa complexidade pode ser encarada como sinônimo de dinamicidade e indeterminação que se intensificou a partir da revolução científica do séc. XX, aumentando as possibilidades de escolhas, cujo impacto pôde ser observado na evolução social e nos processos naturais.16 A complexidade cresce na medida em que o número e diversidade dos elementos das interrelações entre sistema e ambiente crescem, e não pode ser resolvida a partir de princípios simples e leis gerais.17 Para Niklas Luhmann, o próprio mundo apresenta uma grande variedade de experiências e ações, que por sua vez, apresentam outras possibilidades, de forma que “[...] existem mais possibilidades do que se pode realizar” 18.

A representação clássica sempre se guiou na busca de uma Verdade absoluta e universal, caracterizando o paradigma moderno como sendo algo sólido e homogêneo, não apenas na filosofia clássica, mas também no que diz respeito à própria identidade da era moderna.19 As transformações na ciência e matemática no início do séc. XX colocaram em

dúvida a física newtoniana, que se relacionava com as ideias de um universo determinista, simétrico e regular, levando esse paradigma a uma crise. O impacto dessa mudança ecoou em outras áreas, como a Lógica, Cibernética, Química e Ciências Sociais.

Isso levou a uma alteração na forma pela qual a complexidade e o próprio mundo eram encarados, tornando o universo um espaço no qual diversas possibilidades imprevisíveis se apresentam, passando a complexidade a ser encarada como a totalidade de todos os acontecimentos do mundo, assim concebida a partir de um conceito de observação e descrição.20

15 NEVES, Clarissa Eckert Baeta; NEVES, Fabrício Monteiro O que há de complexo no mundo complexo? Niklas

Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 15, p. 182-207. Jan./Jun. 2006, p. 182. ROCHA, Leonel Severo. Da Epistemologia Jurídica Normativista ao Construtivismo Sistêmico. In: ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean (org). Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do

Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 17.

16 NEVES, Clarissa Eckert Baeta; NEVES, Fabrício Monteiro O que há de complexo no mundo complexo? Niklas

Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 15, p. 182-207. Jan./Jun. 2006, p. 182. ROCHA, Leonel Severo. Da Epistemologia Jurídica Normativista ao Construtivismo Sistêmico. In: ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean (org). Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do

Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 182-187.

17 MORIN, Edgar. Ciência com consciência. Tradução de Maria D. Alexandre e Maria Alice Sampaio Dória. 5ª

ed. São Paulo: Bertrand Brasil, 2001, p. 329.

18 LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1983, p. 45.

19 SCHÖPKE, Regina. Por uma filosofia da diferença: Gilles Deleuze, o pensador nômade. 1ª reimp. Rio de

Janeiro: Contraponto, 2012, p. 25-37.

20 NEVES, Clarissa Eckert Baeta; NEVES, Fabrício Monteiro O que há de complexo no mundo complexo? Niklas

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O sistema, por meio de suas estruturas, constrói sua própria complexidade, que permite que ele organize a autopoiese. A complexidade – que não é exclusiva do sistema, mas se encontra em todo o mundo – não é uma operação, mas sim, é um conceito de observação e descrição21, abarcando, dessa forma, todo o conjunto de possibilidades de experiências e ações que permitam uma relação de sentido. Uma vez reconhecida a complexidade da sociedade, Luhmann propõe uma observação de tal complexidade, apresentando o conceito de contingência, que se trata da expectativa de escolha, por um indivíduo, dentre todas as possibilidades apresentadas pela complexidade. A partir da contingência, assim compreendida como uma seleção forçada, surgem outras estruturas de estabilização dessas expectativas, que acabam se sujeitando às expectativas de um outro indivíduo, aumentando a complexidade. No momento em que uma expectativa se sujeita à outras expectativas, tem-se a dupla contingência.22

Um sistema é capaz de aumentar a própria complexidade de acordo com a complexidade do seu ambiente, que, por sua vez, poderá estimular mudanças na complexidade de outros sistemas que o observam, tornando possível uma evolução dos sistemas, realizada a partir da união entre o aumento da complexidade e mutações das suas próprias estruturas.23

Assim, a complexidade representa a totalidade dos possíveis acontecimentos e circunstâncias. Tamanha complexidade, no entanto, extrapola os sentidos humanos, criando, assim, uma lacuna entre essa complexidade do mundo e a consciência humana. Nesse momento, os sistemas sociais assumem uma função de redução dessa complexidade, intervindo na dificuldade do ser humano em trabalhar a extrema complexidade do mundo. Os sistemas sociais, ao operarem para reduzirem a complexidade também constroem sua própria complexidade ao se fecharem operacionalmente em relação ao ambiente, produzindo seus próprios elementos a partir da autopoiesis.24

182. ROCHA, Leonel Severo. Da Epistemologia Jurídica Normativista ao Construtivismo Sistêmico. In: ROCHA, Leonel Severo; SCHWARTZ, Germano; CLAM, Jean (org). Introdução à Teoria do Sistema Autopoiético do

Direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2013, p. 187.

21 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de Mexico:

Universidad Iberoamericana, 2006, p. 100-101.

22 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de Mexico:

Universidad Iberoamericana, 2006, p. 645.

23LUHMANN, Niklas. Sociologia do Direito I. Tradução de Gustavo Bayer. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro,

1983, p. 46. COMPLEJIDAD. BARALDI, Claudio; CORSI, Giancarlo; ESPOSITO, Elena. Glosario sobre la

teoría social de Niklas Luhmann. Tradução de Miguel Romero Pérez. Guadalajara: Universidad Iberoamericana,

1996, p. 43-45.

24 NEVES, Clarissa Eckert Baeta; NEVES, Fabrício Monteiro. O que há de complexo no mundo complexo? Niklas

Luhmann e a Teoria dos Sistemas Sociais. Sociologias, Porto Alegre, ano 8, n. 15, p. 182-207. Jan./Jun. 2006, p. 192.

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A perspectiva epistemológica autopoiética foi absorvida a partir dos estudos de Francisco Varela e Humberto Maturana, biólogos chilenos que propuseram um relatório sobre a biologia da cognição.25 Nesse estudo, destacava-se a circularidade da reprodução da vida, representado pela autopoiesis enquanto autorreprodução da vida por meio de elementos que são reproduzidos pela própria vida.26 Utilizando-se dessa construção conceitual, a partir da década de 1980, Luhmann inseriu a autopoiese no meio social, passando a encarar o sistema como o autorreprodutor das suas próprias possibilidades de operacionalização.27 Desta forma, por meio da autopoiese, é possível reduzir a complexidade social.

Extrapolando os limites do positivismo e do normativismo, Luhmann rompe com o pensamento tradicional sistêmico, que compreendia o os sistemas como unidades estruturadas, mas abertas, por meio de inputs e outputs pré-determinados.28 Agora, a nova Teoria dos Sistemas Sociais Autopoiéticos compreende que para um input pode haver inúmeros outputs, e o sistema autopoiético produz seus elementos no seu interior por meio de uma interação que é circular e fechada. Assim, os sistemas autopoiéticos não são apenas sistemas auto organizados, mas também, sistemas que são capazes de criar seus elementos, sendo independentes operativamente do ambiente em que estão.29

Dito de outra forma, a diferença entre sistema e ambiente é desenvolvida a partir da comunicação, na qual a autonomia sistêmica se concretiza. A partir da diferença, que se torna o centro dessa sociedade complexa, cria-se uma pluralidade de autodescrições da sociedade, que cria racionalidades parciais e conflitantes.30

A partir dos conceitos de observação e descrição pode-se chegar ao que Luhmann fala do paradoxo da complexidade, que nada mais é que o enlace entre elementos e sistemas, uma

25 A forma pela qual se dá o conhecimento é um assunto que há séculos instiga a curiosidade dos seres humanos.

As teorias de Maturana e Varela representam uma visão original dessa inquietação humana. A partir de A Árvore do Conhecimento, os biólogos chilenos partem de um convite de suspensão da certeza para estudar o fenômeno do conhecimento, mostrando como toda experiência cognitiva inclui um ponto de vista de um observador, que conhece essa experiência de uma forma particular, a partir da delimitação da sua própria estrutura biológica. MATURANA, Humberto; VARELA, Francisco. A árvore do conhecimento: as bases biológicas da compreensão humana. Tradução de Humberto Mariotti e Lia Diskin. São Paulo: Palas Athena, 2001, p. 22.

26 LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes. 2ª ed. Petrópolis:

Vozes, 2012, p. 79.

27 FLORES, Luis Gustavo Gomes. Resiliência jurídica: para pensar a inovação do Direito a partir de uma

perspectiva sistêmica. 272f., Tese (Doutorado em Direito) - Programa de Pós-Graduação em Direito, UNISINOS, São Leopoldo, 2014, p. 80.

28 LUHMANN, Niklas. Introdução à Teoria dos Sistemas. Tradução de Ana Cristina Arantes. 2ª ed. Petrópolis:

Vozes, 2012, p. 63 et seq.

29 ANTUNES, José Engrácia. Prefácio. In: TEUBNER, Günther. O direito como sistema autopoiético. Tradução

de José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. XI.

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relação entre os elementos e a organização seletiva da autopoiese do sistema.31 Esses paradoxos

se relacionam intimamente com a observação. Leonel Severo Rocha já dizia que não se pode observar o mundo. Na verdade, o que é observado é o mundo no qual o indivíduo vive, sempre a partir das suas perspectivas.32 Nesses casos, o que ocorre é que um observador pode descrever as descrições de complexidade de um outro observador.33 Nesse contexto, os paradoxos servem para separar as operações das observações.34

Compreendendo, então, a sociedade como um sistema comunicativo, autopoiético e autorreferencial, a complexidade dos sistemas sociais leva ao questionamento da tradicional concepção da sociedade, que encara os processos de mudanças históricas como processos evolutivos e lineares. Pelo contrário, uma perspectiva sistêmico-construtivista propõe uma diferenciação social juntamente com subsistemas que reproduzem funções específicas de acordo com o grau de complexidade que determina sociedade apresenta.

O conceito de policontexturalidade é resgatado por Gotthard Günther35, quando compara a monocontexturalidade da lógica aristotélica com a policontexturalidade da modernidade. O autor explica que, para Aristóteles, o Universo era monocontextural, e tudo que existia era contextura do Ser objetivo: a sociedade, mais simples, permitia a lógica do terceiro excluído (Tertium non Datur), que criava uma diferenciação absoluta, sem possibilidade de uma terceira escolha, um terceiro caminho. Tudo que É, era parte do Ser, tudo o que não É, era parte do Não-Ser. Ou se É, ou se Não-É. Não há um terceiro caminho.

A partir da modernidade, pensadores começaram a questionar a essa lógica, tais como Kant, Fichte, Hegel e Schelling. Hegel introduziu a ideia da pluralidade de contexturas, considerando um número ilimitado delas. Dessa forma, começa a ser impossível seguir essa

31 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de Mexico:

Universidad Iberoamericana, 2006, p. 102.

32 ROCHA, Leonel Severo. Observações sobre a observação luhmanniana. In: ROCHA, Leonel Severo; KING,

Michael; SCHWARTZ, Germano. A verdade sobre a autopoiese no direito. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2009, p. 38.

33 LUHMANN, Niklas. La sociedad de la sociedad. Tradução de Javier Torres Nafarrate. Ciudad de Mexico:

Universidad Iberoamericana, 2006, p. 103.

34 Para Luhmann, o conceito de operações merece mais atenção do que se lhe é dado. Nesse sentido, as operações

são acontecimentos que atualizam as possibilidades de sentido, que desaparecem quando executadas. Elas não possuem um tempo específico de duração, e também não podem ser alteradas, sendo produzidas no sistema, por meio de operações do próprio sistema. “Em outras palavras, não existe nenhuma determinação de estrutura externa. Somente o próprio direito pode dizer o que o direito é”. As operações, de forma geral, podem ser encaradas como produtos de uma diferença, observadas e descritas de inúmeras formas. Tendo em vista esse leque de possibilidades, a diferenciação entre operação e observação é importante na medida em que permite compreender que a observação é em si mesma uma operação, uma vez que cria uma condição do sistema. A observação não pode ser determinada arbitrariamente, mas sim, depende da característica da operação, por isso é mister sua diferenciação. LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. Tradução de Alexandre Agnolon. São Paulo: Martins Fontes, 2016, p. 67-68.

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