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320 PAOLI, Maria Célia. Empresas e responsabilidade social: os enredamentos da cidadania no Brasil, p. 373-420.

In: SOUSA SANTOS, Boaventura (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 408.

321 PAOLI, Maria Célia. Empresas e responsabilidade social: os enredamentos da cidadania no Brasil, p. 373-420.

In: SOUSA SANTOS, Boaventura (org.). Democratizar a democracia: os caminhos da democracia participativa. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 2002, p. 412-414.

Alfons Bora322 cria uma curiosa expressão para se referir à capacidade de adaptação

temporal dos sistemas sociais: denomina-a capacidade de lidar com o futuro. Embora seja questão de semântica, o termo suscita a tese envolvendo a responsabilidade referente à regulação, especialmente frente a inovações científico-tecnológicas e representa aprendizado quanto à competência de operar evolutivamente e de forma bem-sucedida respondendo às influências sociais.

Nesse aspecto, inovações podem ser consideradas resultado de um processo de significação social do produzido enquanto estado inovativo. Na sociedade contemporânea, marcada pela ausência de uma forma unificada e diversidade de sistemas sociais, a relação do sistema do Direito com a contingência produz expectativas normativas no formato de exigências de comportamento definidas em relação ao estado de coisas que, quando frustradas, adquirem o caráter de sanção, confirmando a expectativa originária. Nesse sentido, há que se indicar que a teoria do Direito – e principalmente dos Direitos Humanos – necessita aproveitar a abertura cognitiva sistêmica para melhor comunicar na sociedade.

Dessa forma, a inovação é resultado de um processo de significação, que resulta em uma alteração nas possibilidades de avaliação do desempenho social do conceito de responsabilidade.323 Assim, Bora reconhece três formas de conhecimento movidas pela

inovação:

a) o conhecimento de invenção, que é aquele que possibilita produções intelectuais ou materiais;

b) o conhecimento emergente, gerado com produção; e,

c) conhecimento de inovação ou significação, que produz a significação da produção como uma inovação.

Quando relacionadas, essas três formas de conhecimento resultam em um processo evolutivo complexo, a partir de uma regulação do conhecimento que se vê temporalmente situada. 324 Assim, essa capacidade de lidar com o futuro tem relação direta com o aprendizado

322 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 128.

323 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 127.

324 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

sistêmico, na medida em que é importante para a organização se apropriar de conhecimentos que agregarão valor às suas tarefas e processos de trabalho. Essas organizações aprendizes são capazes de reagir à mudanças, solucionar problemas e aproveitar oportunidades.

A reflexividade do direito oferece inúmeras alternativas, uma vez que, no posicionamento de Teubner,325 ela permite compreender a comunicação entre sistemas a partir da criação de mecanismos específicos, o que aumenta as possibilidades de comunicação e permite uma expansão da discussão em torno do papel das empresas no cenário social.

Nesse sistema também está presente, ainda que com menor frequência, a figura do aprendizado. Nesse caso, o aprendizado sistêmico do Direito aparece como uma espécie de regração interna do direito para a programação das ações legislativas. Desta forma, suscitam- se as medidas de adaptação e capacidade de lidar com o futuro.326 Nesse contexto,

enquanto possibilidades de futuro eu entendo, em seguida, as condições sociais de

possibilidade relacionadas à capacidade de operar evolutivamente de forma bem sucedida diante de influências sociais duradouras em um entorno mutável327.

Para Bora, isso leva à percepção de que os sistemas sociais não são estáticos, e seus fenômenos extrapolam a contingência dos acontecimentos. A aceitação de tais premissas conduz a um debate envolvendo o direito reflexivo e o “direito que aprende”. Nesse aspecto, a reflexividade, entendida como a sensibilização diante das condições do operar e dos efeitos no ambiente, conduz a um modelo de direito consciente de sua relação com ciência e tecnologia, o que resulta em um direito capaz de aprender.

Observando as dificuldades oriundas da responsabilidade social empresarial, o direito reflexivo oferece (ou deveria) métodos e processos de modelização do cenário, estimulando processos de auto-observação e aprendizado, tanto no capo específico do direito quanto nos campos regulatórios da sociedade. Juntamente com os modelos de autorregulação do mercado, que se encontram no ambiente do direito, o sistema jurídico também deveria acompanhar uma abordagem cognitiva nos limites entre o direito e os outros sistemas no seu ambiente, lançando,

325

TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p. 129-120.

326 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 138.

327 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

assim, processos de aprendizagem nesses sistemas. Isso tornaria possível que o mercado tivesse uma percepção mais apurada de temas ambientais e sociais, transferindo esse conhecimento para as empresas, funcionando como um raciocínio de expertise.328

Aliás, sob uma perspectiva futurística de conhecimento, que Alfred Schütz329 elabora seu ensaio Tiresias, or our knowlege of future events, descreve formas inerentemente sociais nas quais os membros de uma sociedade podem desenvolver sua compreensão de futuro. Uma de suas principais conceituações se refere ao “estoque de conhecimento”, desenvolvido a partir das atividades cotidianas dos membros de uma sociedade, cujo conjunto de conhecimentos é gerado de forma contextual e extremamente relevante para as tarefas em questão.330

Assim, esses conhecimentos são fundamentais desempenhando um papel nas formas que a sociedade antecipa, profetiza, prevê ou intui acontecimentos futuros, e como o planejamento desses acontecimentos determina o previsto. Esse estoque de conhecimento é específico e relevante por ser desenvolvido a partir das experiências passadas e presentes, podendo ser usado como uma previsão para o futuro, muito embora só estejam vinculados ao passado. Ou seja, para Schütz, as antecipações do futuro estão conectadas com os estoques de conhecimento do passado e do presente, e a forma pela qual a sociedade compreenderá o futuro se relaciona à forma como esse conhecimento se desenvolveu no passado. 331

A teoria de Schütz parece abstrata, no entanto, é muito útil para compreender alguns pontos quando se trata de tecnologias e o impacto que elas terão. Além disso, uma leitura de seu ensaio leva a questionamentos envolvendo as expectativas da sociedade sobre eventos futuros, e como essas expectativas são derivadas de um conjunto de tipificações passadas, que está sempre presente na construção das expectativas sociais do presente.

Desta forma, é possível entender o futuro como uma orientação para a comunicação no presente, servindo como um horizonte nas operações dos sistemas sociais no presente. Esse horizonte, para Luhmann332, é compreensível como uma construção comunicativa do futuro. Aplicando-se ao aprendizado, nessas relações entre experiências temporais e sociais pode-se compreender como o processo de comunicação contínua nos sistemas sociais na contemporaneidade é a perspectiva de que o presente cria sequencias que constituirão novos

328 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 140-141.

329 SCHÜTZ, Alfred. Tiresias, or our knowledge of future events. Social Research, v. 26, n. 1, 1959, p. 70-89. 330 SCHÜTZ, Alfred. Tiresias, or our knowledge of future events. Social Research, v. 26, n. 1, 1959, p. 76. 331 SCHÜTZ, Alfred. Tiresias, or our knowledge of future events. Social Research, v. 26, n. 1, 1959, p. 81-82. 332 LUHMANN, Niklas. The Future Cannot Begin: Temporal Structures in Modern Society. Social Research,

futuros e novos passados que permanecem presentes porque exigem uma integração simultânea das perspectivas dos diferentes atores.

Essa noção de aprendizado é predominante do sistema social, e não pode ser considerado um conceito linear, mas sim, possibilitador de comparativos entre estruturas funcionalmente equivalentes, tomados reflexivamente. A partir das mudanças ocorridas na sociedade e nos seus subsistemas sociais, o direito é capaz de evoluir reflexivamente alicerçado nessas mudanças. O sistema, então, pode evoluir por meio de irritações no próprio sistema, que serão interpretadas pelo Direito conforme suas próprias operações, estruturas e organizações.333

Este tipo de mudanças de estruturas com aprendizado são induzidas a partir de irritações, e não enquanto o esquema anterior de observação “adequada”. Este conceito de aprendizado relacionado a uma capacidade de solução de problemas preenche as anteriormente formuladas condições para um critério de capacidade de lidar com o futuro. Sistemas sociais, os quais são compreendidos como capazes de aprender, podem, em comparação com outros nos quais esta capacidade não existe, ser indicados como capazes de lidar com o futuro.334

A responsabilidade social empresarial se apresenta, assim, como um mecanismo de atribuição social e, por tanto, representa uma absorção dos riscos por meio da atribuição de atores, que se responsabilizam pelos riscos, uma vez que a economia e a própria sociedade se encaminham na direção da consolidação de formas criadoras de normatividade para além do Estado. Assim, o direito também deve aprender a considerar a responsabilidade social empresarial não apenas como uma ferramenta de marketing ou filantropia, mas também como um elemento jurídico, de forma que as normatividades geradas no seio de uma empresa, sob a ótica da responsabilidade empresarial, também deverão ter validade externa.

Essa atribuição não diminui o risco, e nem mesmo pode impedir sua ocorrência. No entanto, sob a ótica do Direito, ele é capaz de gerar um efeito de externalização do risco que, quando conectado a um ator específico, sai da esfera da comunicação do direito, sendo possível a recondução a esse sistema por meio de uma modificação do direito. “Se responsabilidades forem excessivamente transferidas a pessoas e/ou organizações, estas tentarão, novamente, pôr em marcha novas externalizações de risco”.335

333 TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1989, p.

164.

334 BORA, Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

temporalidade complexa. Tradução de Henrique Carvalho. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 142.

335 Alfons. Capacidade de lidar com o futuro e responsabilidade por inovações – para o trato social com a

A atribuição de responsabilidade se apresenta como um raciocínio pouco qualificado para afastar os riscos relacionados a decisões e mais como um modo de orientação para o futuro, embora arriscadas e desconhecidas, englobando outras ordens jurídicas – para além da estatal – que possuem capacidade para regular tais assuntos numa abrangência global, o que permite a perfeita constatação do desenvolvimento de dois espaços jurídicos independentes: o direito interno e privado das empresas e o espaço regulado pelo Estado.

Para Teubner336, uma vez que a sociedade é um sistema autopoiético de comunicação dentre outros sistemas autopoiéticos, composto por atos comunicativos que geram nova comunicação, alguns desses atos se fecham em si, criando um sistema autopoiético de segundo grau, cujo fechamento se trata de um fechamento estrutural mútuo, que surge a partir da limitação do espaço de validade – códigos privados se limitam aos integrantes das corporações transnacionais e códigos públicos se limitam aos estados contratantes – e da qualidade como norma vinculante de um lado e recomendação normativa de outro.

A validade acaba criando fronteiras entre os ordenamentos jurídicos, que tradicionalmente eram fomentados pelas barreiras territoriais entre Estados, regiões e cidades, mas que agora são definidas por uma interrelação entre duas redes de código, originando fechamentos operativos e estruturais entre as ordens jurídicas.337 Para compreender essa

interrelação entre os atores Estatais e não-estatais, a diferença entre hiperciclo e ultraciclo pode oferecer grande riqueza de detalhes.

O hiperciclo “surge quando operações comunicativas dentro de uma rede fechada formam ciclos que são, por sua vez, interligados de forma circular”.338 Na clausura hipercíclica,

então, os componentes do sistema se articulam entre si, de forma que os elementos do sistema produzam suas próprias estruturas.339 Ele se relaciona com a própria ideia de autopoiese, na medida da autorreferencialidade do sistema, que permite que todos os sistemas sejam

esferas e fragmentação do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora,

2012, p. 143.

336 TEUBNER, Gunther. Autoconstitucionalização de corporações transnacionais? Sobre a conexão entre os

códigos de conduta corporativos (Corporate Codes of Conduct) privados e estatais. Tradução de Ivar Hartmann. Revisão de Germano Schwartz. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das esferas e fragmentação

do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 121.

337 TEUBNER, Gunther. Autoconstitucionalização de corporações transnacionais? Sobre a conexão entre os

códigos de conduta corporativos (Corporate Codes of Conduct) privados e estatais. Tradução de Ivar Hartmann. Revisão de Germano Schwartz. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das esferas e fragmentação

do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 122.

338 TEUBNER, Gunther. Autoconstitucionalização de corporações transnacionais? Sobre a conexão entre os

códigos de conduta corporativos (Corporate Codes of Conduct) privados e estatais. Tradução de Ivar Hartmann. Revisão de Germano Schwartz. In: SCHWARTZ, Germano (Org.). Juridicização das esferas e fragmentação

do direito na sociedade contemporânea. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2012, p. 122.

339 TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa:

autoproduzidos. A partir disso, o ciclo da autoprodução deve alimentar a si mesmo, garantindo uma automanutenção do sistema, criando um ciclo. Esse primeiro ciclo, ao se conectar com um segundo ciclo, permite uma produção cíclica, caracterizando o hiperciclo,340 enquanto que a autopoiese jurídica surge da autorreferência circular nos componentes do sistema, nesse hiperciclo autorreprodutivo. Assim, a autonomia sistêmica é garantida por meio de uma escala evolutiva dividida em três momentos: direito socialmente difuso, direito parcialmente autônomo e, finalmente o direito autopoiético.

Figura 1: o hiperciclo de Teubner

Fonte: TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa: Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 78.

A fase inicial, com o direito socialmente difuso é difícil diferenciar o direito das outras comunicações sociais de caráter normativo e nem toda resolução de conflitos se dá por meio do direito (como por exemplo o uso da força, arbitragem), sendo heterorreproduzido por meio de influências externas. Na fase intermediária, o direito se torna parcialmente autônomo, A autodescrição e autoconstituição levam alguns componentes do sistema jurídico a adquirirem autonomia, permitindo que o sistema jurídico regule a seleção de outras estruturas no mesmo sistema; “direito do direito”.

340 TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa:

Finalmente, no último estágio, A autopoiese jurídica surge da autorreferência circular nos componentes do sistema, nesse hiperciclo autorreprodutivo.341

Assim, as normas sociais (“boa-fé”, “interesse público”) não são normas jurídicas, e com elas não podem se confundir. O sistema jurídico só se torna efetivamente autopoiético no momento em que suas fontes jurídicas são elementos internos ao sistema, como precedentes jurisprudenciais, sendo os componentes internos os pontos de referência desse sistema342.

Essa natureza cíclica pode ser analisada a partir do conceito de acoplamento estrutural do sistema, que ocorrem quando o sistema confia em certas características do seu ambiente. O acoplamento estrutural ocorre quando o sistema supõe determinadas características do ambiente, e confia estruturalmente nele, funcionando, também, como uma distinção. Isso facilita a influência do ambiente sobre o próprio sistema, muito embora um acoplamento estrutural jamais vá introduzir elementos – no caso do sistema jurídico, normas – do ambiente no sistema, apenas provoca irritação.343 Por isso, ele representa uma figura de ligação,

permitindo que dois sistemas se liguem entre si, produzindo elementos indispensáveis à sua própria existência, mas mantenham sua autopoiese própria.344

Essa ideia de acoplamento estrutural como um filtro que permite certas influências e impede outras facilita a existência de mecanismos de interpenetração, surgindo daí a noção de racionalidade transversal, proposta por Wolfgang Welsch, que concebe a sociedade moderna como multicêntrica partindo da heterogeneidade dos “jogos de linguagem”, o que implica na inexistência de um “discurso” supra-ordenado (metadiscurso) regulador dos demais discursos.345

Nessa esteira, a “razão transversal” é uma proposta de Welsch346, que nega a existência

de um discurso ordenado que possa regular todos os demais. Assim, nenhuma racionalidade é capaz de apresentar uma metanarrativa que seja capaz de orientar todas as demais racionalidades e estabelecer conexões entre elas. Dessa forma, por não existir uma metanarrativa pós-moderna que seja libertadora, isso garante a existência de uma diversidade dos jogos de linguagem.

341 TEUBNER, Gunther. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 77-80.

342 GUNTHER, Teubner. O direito como sistema autopoiético. Tradução de José Engrácia Antunes. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1993, p. 84-85.

343 LUHMANN, Niklas. O direito da sociedade. Tradução de Alexandre Agnolon. São Paulo: Martins Fontes,

2016, p. 591-596.

344 CLAM, Jean. Questões fundamentais de uma teoria da sociedade: contingência, paradoxo, só-efetuação.

Tradução de Nélio Schneider. São Leopoldo: Editora Unisinos, 2006, p. 275.

345 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 41.

346 WELSCH, Wolfgang. Reason and Transition: on the concept of transversal reason. Alemanha, 1999.

Dessa forma, para Neves, cada âmbito de comunicações, ao se conectar com um outro, pode desenvolver seus próprios mecanismos estáveis de aprendizado e influência mútuos, criando as racionalidades transversais particulares, que podem servir para construir as racionalidades particulares dos sistemas ou jogos de linguagem que estão em confronto.347

Identificando, assim, dois mecanismos de perturbação do sistema, Teubner348 destaca o acoplamento estrutural como um mecanismo de contato intersistêmico e a ligação como um conjunto de condições necessárias para que o acoplamento estrutural seja possível. Dessa forma, acoplamentos estruturais da lei e sociedade operam em sistemas fechados. Aliás, o próprio acoplamento estrutural se torna dependente dos mecanismos de ligação, que irão determinar a duração, qualidade, intensidade e institucionalização, criando uma regulação sistemática.349

O acoplamento estrutural permitirá, então, a ligação entre duas autopoieses sistêmicas por meio de uma infraestrutura social especializada para tanto. As organizações formais talvez sejam as mais importantes nesse meio, porque elas são responsáveis pela mediação entre os sistemas, ligando-os e obrigando-os a processarem suas próprias informações sobre os mesmos eventos de forma paralela aos outros. Isso assegura um desenvolvimento sincronizado entre as comunicações específicas da política, da economia e do direito, e não apenas aleatório ou tangencial350.

As possibilidades de interação entre sistemas aumentam com as ligações, e o acoplamento estrutural cria um campo que permite relações cíclicas. Como visto, a autopoiese do sistema não fica prejudicada com esse tipo de relação, havendo, não apenas uma reconstrução das operações do sistema, mas sim, uma catálise mútua do processo de crescimento.

Num acoplamento estrutural entre os sistemas jurídico e econômico, por exemplo, tem-se um contrato celebrado entre dois entes econômicos, mas que não foi respeitado. Nesse cenário, o discurso jurídico é perturbado pelo discurso econômico, reconstruindo a comunicação econômica na forma de um conflito numa linguagem jurídica. No Direito

347 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 42.

348 TEUBNER, Gunther. Autopoiesis and Steering: How Politics Profits from the Normative Surplus of Capital.

In: VELD, Roeland In't; SCHAAP, Linze; TERMEER, Catrien; VAN TWIST, Mark (eds.). Autopoiesis and

Configuration Theory: New Approaches to Societal Steering. Kluwer, Boston 1991, p. 134.

349

TEUBNER, Gunther. Autopoiesis and Steering: How Politics Profits from the Normative Surplus of Capital. In: VELD, Roeland In't; SCHAAP, Linze; TERMEER, Catrien; VAN TWIST, Mark (eds.). Autopoiesis and