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O que hoje se conhece por direitos humanos é resultado de um complexo processo histórico-semântico, movido pela necessidade de encontrar novas formas de descrever a sociedade, principalmente desde a forma de diferenciação social moderna.365

Na tradição ocidental, o termo “direitos humanos” surgiu com a visão contratualista da fundação do direito e da política, com a busca por um fundamento jurídico anterior a qualquer forma de direito, que acabou pressupondo a noção de direitos humanos como direitos naturais, que se mostrou, por sua vez, paradoxal. A paradoxalidade surge quando, a partir da tríade liberdade-igualdade-propriedade inerente à ideia de contrato social, se aceita a humanidade dos indivíduos como uma manifestação intrínseca da natureza humana que, por sua vez, é uma natureza de direitos, de forma que os “direitos humanos” não ocorreriam apenas com indivíduos fundando um contrato social, mas também a partir do direito natural fundando os indivíduos. “O contrato pressupunha os indivíduos e seus direitos humanos, assim como a condição humana dos indivíduos pressupunha, por sua vez, o contrato”.366 Com as revoluções

365 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito –

UFPR. Curitiba, n. 52, p. 31-48. 2010, p. 32.

366 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

liberais do séc. XVIII rompeu-se com a noção de um vínculo natural ao poder, inventando-se as Constituições e criando um vínculo jurídico positivo.367

Segundo Juliana Magalhães368, ao se pesquisar os direitos humanos, a teoria tradicional encontra tradições diferentes, sob as quais a moderna noção de direitos humanos é construída: as tradições inglesa, americana e francesa. Para a autora, essas tradições representam tentativas de busca por soluções para problemas que não eram específicos espacial ou temporalmente. Dessa forma, analisar as especificidades de cada uma delas é interessante como um auxílio para compreender a universalidades dos problemas que foram resolvidos, na modernidade, pelos direitos humanos. Essa universalidade surge na medida em que esses são problemas da sociedade mundial. Nesse contexto, as tradições inglesa e americana traduziram a universalidade dos direitos humanos na tradição do common law, enquanto que, na tradição francesa, os direitos humanos se traduzem na ideia de direitos naturais e futura constitucionalização desses direitos, sendo expressados como “direitos fundamentais” após essa fundamentação.

Assim, os direitos, que antes eram vistos como um vínculo natural ao poder, passaram a ser positivados por meio de uma Constituição, pensados como vínculo jurídico. As Constituições, então, vieram representar um acoplamento estrutural entre o direito e a política, atuando, do ponto de vista jurídico, como um substituto funcional ao Direito Natural, na medida em que o “positiva” e, do ponto de vista político, como um limitador do exercício do poder do soberano, dando origem, desta forma, à diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais.369

Os direitos humanos, que antes apareciam vinculados ao contrato social, por sua vez, ganharam um texto de direito positivo cuja fundamentação estava na supralegalidade da Constituição. Isso permitiu, por exemplo, que a Constituição Francesa de 1791 recepcionasse em seu preâmbulo a Declaração de Direitos do Homem e do Cidadão, de 1789.370 Em sua criação, então, os direitos humanos se distinguiram do conceito de cidadania, pois, enquanto os primeiros se referiam aos direitos de qualquer pessoa, os da cidadania se destinavam apenas aos

367 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

– UFPR. Curitiba, n. 52, p. 31-48. 2010, p. 37.

368 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

– UFPR. Curitiba, n. 52, p. 31-48. 2010, p. 32-33.

369 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

Cidade. Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 908-933. 2016, p. 911.

370 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

membros de uma determinada coletividade política, muito embora a noção de direitos humanos também inclua os direitos de qualquer pessoa em ter uma cidadania.371

Com o desenvolvimento das Constituições, a diferença entre direito divino, natural e positivo não é mais suficiente para resolver a questão da diferença entre direito e política. Dessa forma, a Constituição passa a ser encarada como o substituto funcional da noção de direito natural, pois o positiva e cria espaços de liberdade para os sistemas jurídico e político.

Sob essa ótica, a diferenciação entre direitos humanos e direitos fundamentais também se manifesta como uma diferença temporal, considerando-se que, ao serem fundados constitucionalmente, os direitos fundamentais motivam as decisões presentes com base em expectativas futuras, que poderão, ou não, se realizarem.372

Apesar disso, os direitos humanos ainda são representados como sendo direito natural nos textos positivados, como a utilização da expressão “ser” nas declarações indicam: os homens são livres, são iguais, são proprietários. Assim, nas Constituições modernas, a diferença entre o Direito e a Política é o instrumental que impede o fechamento do Direito e da Política em si próprios, limitando-se mutuamente, ao mesmo tempo em que possuem liberdade para realizarem suas próprias operações, respeitando os limites dos demais, sendo, portanto, autorreferentes, operacionalmente fechados e cognitivamente abertos.373

O espaço para o surgimento dos direitos humanos na sociedade moderna se relaciona com seu dissenso estrutural, tendo em vista a pluralidade das esferas de comunicação pretensiosamente autônomas e a heterogeneidade de expectativas e interesses de grupos e pessoas. Nesse aspecto, direitos humanos podem ser definidos como “[...] expectativas normativas de inclusão jurídica generalizada nas condições de dissenso estrutural da sociedade mundial”,374 tendo significado, em sua gênese, um problema jurídico-constitucional no âmbito

dos Estados, mas que hodiernamente perpassa todos os tipos de ordens jurídicas no sistema jurídico mundial, alcançando ordens estatais, não estatais, internacionais, supranacionais, transnacionais e locais não estatais375. As controvérsias de direitos humanos nascem das

371 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 249. 372 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 41-42.

373 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

Cidade. Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 908-933. 2016, p. 911.

374 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 255.

375 Marcelo Neves traz como um exemplo de uma ordem local não estatal as ordens das coletividades nativas, pois

seus pressupostos antropológicos e culturais não se coadunam com o modelo Estatal. Essa experiência é muito rica na América Latina, pois há inúmeros problemas decorrentes do entrelaçamento entre as ordens normativas estatais e nativas. A Colômbia e a Bolívia são países que inauguraram uma postura de reconhecimento dessas outras ordens não estatais. NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 216-ss.

diferentes leituras possíveis do conceito, tendo em vista a pluralidade de interpretações de suas normas, que poderão ser conflituosas de acordo com a leitura que se faça.376

Os direitos humanos, portanto, não são direitos eternos ou etéreos, mas sim, uma construção moderna da sociedade, podendo serem descritos como “construção” ou “invenção” da modernidade. Isso não significa negar precedentes históricos desde a Antiguidade, pressupondo que os direitos humanos simplesmente surgiram do nada na modernidade, mas sim encarar a ideia moderna de direitos humanos como substituta à ideia antiga de direitos naturais. Enquanto no antigo direito natural as expectativas normativas e cognitivas se misturavam, os direitos humanos surgiram da exigência normativa de reconhecimento cognitivo frente à uma incerteza em relação ao futuro, característica da sociedade moderna.377

Eles são, então “[...] expectativas normativas de inclusão jurídica de toda e qualquer pessoa na sociedade (mundial) e, portanto, de acesso universal ao direito enquanto subsistema social

(autônomo)”.378

O caráter inclusivo dos direitos humanos relaciona-se a uma heterogeneidade de pessoas e grupos, e não ao consenso. Surgem, portanto, de um dissenso estrutural, que é típico da sociedade moderna, que diz respeito tanto à integração sistêmica conflituosa entre esferas de comunicação com pretensão de autonomia, quanto à heterogeneidade da linguagem e à divergência de valores entre diferentes grupos. Dito de outra forma, pode-se afirmar que os direitos humanos serão úteis apenas quando houver espaço para o dissenso. Quando for possível se chegar a um discurso único e racional, os direitos humanos serão dispensáveis. Essas divergências deverão ser suportadas dentro da inclusão jurídica universal, e379

qualquer forma de “fundamentalismo” – em sentido muito amplo dessa expressão: seja ele religioso, étnico ou político, referente a pessoas e grupos que pretendem uma ordem excludente de valores, ou mesmo econômico, que tende a negar a autonomia de outras esferas de comunicação e discurso – atua na direção oposta ao universalismo dos direitos humanos como possibilitador da convivência social em condições de dissenso estrutural. Daí porque, na medida em que os direitos humanos pretendem dar suporte e resposta normativos a esse dissenso estrutural, eles exigem uma institucionalização de procedimentos abertos à heterogeneidade cultural, complexidade sistêmica e pluralidade discursiva da sociedade mundial, que venham a garanti-los.380

376 NEVES, Marcelo. Transconstitucionalismo. São Paulo: WMF Martins Fontes, 2009, p. 256.

377 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 6.

378 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 8, grifo do autor.

379 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 9.

380 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Isso coloca, por seu turno, os direitos humanos diretamente relacionados com a democracia. Partindo de uma análise de Frank Michelman, Neves coloca que a uma interpretação correta de direitos humanos em um contexto político determinado dependerá de um discurso democrático aberto a uma pluralidade de interpretações. Desta forma, num contexto democrático que não apenas garanta convivência social e política, como também estimule a emergência de dissenso estrutural, leva a institucionalizações de direitos humanos, sempre assegurando inclusão jurídica generalizada.381

Nesse contexto, o direito à cidadania pode ser visto como uma dimensão reflexiva dos direitos humanos, que se afirmam tanto em face da ordem estatal quanto da ordem internacional e extra-estatal.382 Desta forma, assim como Marshall elencou as diversas fases do desenvolvimento da cidadania (direitos civis, direitos políticos e direitos sociais), essas mesmas fases podem ser utilizadas enquanto referência análoga ao desenvolvimento dos direitos humanos, correspondendo ao surgimento e ao desenvolvimento dos direitos individuais, sociais e coletivos – muito embora tal categorização não seja livre de críticas diante da vagueza dos seus conceitos.383

Essa construção dos direitos humanos, para Luhmann, esbarra em um paradoxo. O sociólogo alemão também parte da tese de que os direitos humanos são resultado da construção do Direito Natural, em uma adaptação para um tipo de direito racional,384 apontando a íntima relação entre o surgimento dos direitos humanos individuais e a doutrina do contrato social originário. Luhmann aponta o paradoxo justamente na relação de fundamentação, acerca do que surge primeiro - o contrato social ou os indivíduos. A teoria Contratualista responde a essa questão com a formulação do contrato social e dos direitos humanos como unidade de diferença entre o estado de natureza e o estado civil.385

Luhmann insiste na manutenção do paradoxo, alegando que ele apareceria novamente na comunicação de violações de direitos humanos. Seu raciocínio se dedica a questionar se os direitos humanos são pré-positivos ou se só encontrarão validade jurídica quando positivados.

381 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 11-12.

382 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 8.

383 NEVES, Marcelo. A força simbólica dos Direitos Humanos. Revista Eletrônica de Direito do Estado.

Salvador, n. 4, p. 1-35. Out./Nov./Dez. 2005, p. 13.

384 LUHMANN, Niklas. O paradoxo dos direitos humanos e três formas de seu desdobramento. Themis. Fortaleza,

v. 3, n. 1, p. 153-161. 2000, p. 154.

385 LUHMANN, Niklas. O paradoxo dos direitos humanos e três formas de seu desdobramento. Themis. Fortaleza,

A solução desse paradoxo parece ser a textualização desses direitos pré-positivos, como a Declaração de Direitos norte-americana e a Déclaration francesa, que apenas reconheceram a existência desses direitos.386

Esse mero reconhecimento, na medida em que foram se desenvolvendo as Constituições, transformou-se numa necessidade da positivação e normatização constitucional.387 Tal paradoxo não parece ter sido superado, pois tem relação com a própria diversidade de compreensões dos direitos humanos – mas, no Estado Democrático de Direito, a forma de lidar com ele parece ter sido sua positivação como direitos fundamentais.

O estabelecimento das Constituições, na perspectiva jurídica, substituiu funcionalmente a noção de direito natural, positivando o que outrora foi conhecido como “direitos naturais”. A Constituição, então, supriu o poder absoluto do monarca pelo reconhecimento dos direitos dos cidadãos, limitando e criando espaços de liberdade para os sistemas jurídico e político. Essa função da Constituição reflete a diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais.

No século XVIII, essa diferença terminológica veio sugerir que os direitos fundamentais são os direitos de liberdade positivados em uma ordem jurídico-política concreta, isto é, em um determinado Estado.388

Para Marcelo Neves,389 tanto a expressão “direitos humanos” quanto “direitos

fundamentais” expressam uma ambiguidade que carece de delimitação. Para ele, quando os direitos humanos surgiram no seio das revoluções liberais, eram distintos da noção de cidadania, pois a cidadania se referia apenas aos direitos dos membros de uma coletividade política determinada, enquanto que os direitos humanos diziam respeito aos direitos de toda e qualquer pessoa humana. Todavia, dentre os direitos humanos, também se encontrava o direito a ter uma cidadania – o “direito a ter direitos”.

A diferença entre direitos humanos e direitos fundamentais, portanto, se manifesta como uma diferença temporal e territorial. Temporal porque são fundamentados em manifestações futuras: podem ser efetivados no presente ou não, mas sempre visam sua

386 LUHMANN, Niklas. O paradoxo dos direitos humanos e três formas de seu desdobramento. Themis. Fortaleza,

v. 3, n. 1, p. 153-161. 2000, p. 157.

387 LUHMANN, Niklas. O paradoxo dos direitos humanos e três formas de seu desdobramento. Themis. Fortaleza,

v. 3, n. 1, p. 153-161. 2000, p. 158.

388 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

– UFPR. Curitiba, n. 52, p. 31-48. 2010, p. 41.

concretização futura. Territorial porque os direitos fundamentais são reconhecidos no interior de uma ordem estatal.390

Os direitos humanos, então, são observados a partir de uma dupla perspectiva: fundamental, para o sistema jurídico e instrumental para o sistema político, não sendo capazes de integrar ambos os sistemas em razão de sua própria diferenciação funcional, haja visto que cada sistema tem a função de resolver diferentes problemas sociais. É nesse ponto que o caráter simbólico dos Direitos Humanos é insuficiente para garantir a superação de situações e prática de negação de direitos, especialmente em locais onde o Direito não se fechou operacionalmente até o ponto em que se tornou autônomo em relação aos códigos de outros sistemas sociais.391

Todavia, a diferenciação Direito/Política tornou insuficiente a ideia de fundamentalização mediante positivação constitucional, dando lugar até mesmo a um discurso de cosmopolitismo embasado na ideia de Direitos Humanos. As referências territoriais, jurídicas e estatais começam a serem desvinculadas das expectativas de direitos humanos, transcendendo as fronteiros dos Estados e do poder estabelecido.392

Ao se trazer a observação dos Direitos Humanos como sendo constitutivos de um manancial de significação para a práxis dos sistemas internos, estatais, do Direito; ao se observar decisões tomadas e teorias desenvolvidas por outras ordens jurídicas (estatais, internacionais, etc.) como modelo a ser reavaliado no diálogo entre ordens, e não como mero transplante de material alienígena; ao se reconsiderar a própria policontexturalidade e a hipercomplexidade normativas como características das possibilidades de comunicação, em que se podem visualizar catálises provocativo- transformativas do sentido jurídico das mais variadas ordens; estar-se-á diante de uma forma de observação de um Direito complexo para uma sociedade complexificada pelas transformações causadas no ambiente social pelos mais variados sistemas.393

Desta forma, não há uma unidade autopoiética que consiga conter em si todos os constitutivos humanos – psíquico, biológico e comunicativo – mas isso não significa a negação da existência do ser humano. Apenas o que se sugere é não há a “[...] configuração absoluta de

390 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

– UFPR. Curitiba, n. 52, p. 31-48. 2010, p. 41-42.

391 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

Cidade. Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 908-933. 2016, p. 912.

392 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

Cidade. Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 908-933. 2016, p. 913.

393 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

um antropocentrismo em nível de teoria sociológica”.394 Dessa forma, o cerne dos Direitos

Humanos não deve ser definir o que é o humano, mas sim, compreender o sentido do humano na sua comunicação estabelecida pelo sistema jurídico.

A partir da positivação desses direitos humanos nas Constituições estatais, buscou-se efetuar uma distinção entre os direitos humanos protegidos internacionalmente e os direitos fundamentais elencados nas Constituições estatais, mas seu conteúdo consegue abranger diversos direitos, sejam individuais ou coletivos, sociais ou políticos de liberdade ou de igualdade.395

Os direitos fundamentais se distinguem dos direitos humanos com caráter eterno, mantendo sua própria ordem de comunicação.396 Dessa forma, não há como se negar que

direitos fundamentais sejam também direitos humanos; no entanto, o reconhecimento de direitos humanos independe de um reconhecimento estatal ou conexão com alguma ordem constitucional, aspirando, como visto, validade universal, ao passo que os direitos fundamentais necessitam dessa positivação numa ordem nacional.397

De tal sorte, possuem os direitos fundamentais um sentido mais preciso e restrito, delimitados espacial e temporalmente, nascendo e morrendo com as Constituições.398

A Constituição, neste passo, foi vista como um compromisso (como uma promessa compactuada) que poderia ser revisto de acordo com processos institucionalizados, de maneira a garantir-se que o fato de esta ser um texto que projeta sua legitimidade no futuro não pudesse fazer dela um direito destinado a tornar-se velho.399

Em que pese a unidade essencial entre direitos humanos e direitos fundamentais, não se pode sustentar que ambos termos sejam a mesma coisa, reafirmando-se a conexão íntima que os direitos fundamentais possuem com as Constituições, nascendo e morrendo com elas.

Os direitos humanos possuíam inicialmente um conceito bastante restrito, sendo reconhecidos apenas em situações de violações de direitos inequivocamente evidentes, como

394 FORNASIER, Mateus de Oliveira; LEITE, Flávia Piva Almeida. Direitos Fundamentais à acessibilidade e à

mobilidade urbana da pessoa com deficiência: uma abordagem sistêmico-autopoiética. Revista de Direito da

Cidade. Rio de Janeiro, v. 08, n. 3, p. 908-933. 2016, p. 915.

395 DIMOULIS, Dimitri; MARTINS, Leonardo. Teoria Geral dos Direitos Fundamentais. São Paulo: Editora Revista

dos Tribunais, 2007, p. 40.

396 LUHMANN, Niklas. Los derechos fundamentales como institución: aportación a la sociología política. Tradução

para o espanhol de Javier Torres Nafarrate. México: Universidad Iberoamericana, 2010, p. 99.

397 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

na perspectiva constitucional. 11ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 29.

398 SARLET, Ingo Wolfgang. A eficácia dos direitos fundamentais: uma teoria geral dos direitos fundamentais

na perspectiva constitucional. 11ª ed. rev. atual. Porto Alegre: Livraria do Advogado, 2012, p. 31.

399 MAGALHÃES, Juliana Neuenschwander. O paradoxo dos direitos humanos. Revista da Faculdade de Direito

desaparecimento de pessoas acobertado pelo Estado, deportações e expulsões forçadas, morte e tortura juridicamente ilegais, mas perpetuados pelos órgãos do Estado.400

Essa perspectiva restritiva, no entanto, não se mantém para Neves401, para quem, além dessas violações mais extremas de direitos humanos, a falta de condições mínimas de sobrevivência de grande parte da população mundial, além da exclusão de determinados grupos