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2.4 EVOLUÇÃO URBANA DO CENTRO DE FLORIANÓPOLIS

2.4.2 Da freguesia à cidade

Alcançada uma certa população, um arraial pleiteava o reconhecimento institucional de sua importância crescente, por meio da elevação da categoria de sua capela em paróquia ou freguesia, em igreja matriz do lugar (MARX,1991).

O Povoado de Nossa Senhora do Desterro é elevado à condição de Freguesia em 1714. A freguesia era um misto de organização política e religiosa, e geralmente tinham o nome da Igreja local. As terras de Francisco Dias Velho, após sua morte, ficaram ao abandono e são ocupadas por novos moradores. Esta ocupação foi facilitada em virtude das grandes extensões de demarcações (PAULI, 1987).

Em 1726 a póvoa do Desterro foi elevada à condição de Vila, sendo desmembrada da Vila de Laguna, sendo criado o município.

Elevada a vila era nessesário localizar a casa da câmara, a cadeia e o pelourinho. Uma gleba era concedida como patrimônio do município ou de seu conselho, que devia administrá-la e preservá-la. Não era uma sesmaria, era uma instância do poder público que se constituía: o município (MARX,1991).

No mesmo ano foram realizadas as primeiras eleições, posse e instalação da Câmara Municipal, o sistema de eleições por meio de bolas de cera, chamados pelouros (PAULI, 1987). Em 23 de março de 1726, foi eleita a primeira Câmara Municipal que à época reunia as autoridades locais (CECCA, 1997).

Em 1738 é criada a Capitania de Santa Catarina, tendo a Vila de Nossa Senhora do Desterro como capital. O Brigadeiro José da Silva Paes, o primeiro governador de Santa Catarina, recebeu a incubência de fortificar a Ilha, onde iniciou uma série de construções para abrigar a sede do governo, a igreja da matriz, a casa do governador e quatro fortalezas para proteger a Ilha (CECCA,1997).

A criação da Capitania de Santa Catarina foi, segundo PAULI (1987) um dos grandes projetos que decidiram sobre o futuro da cidade, trazendo "titulares graduados" de fora com a criação de cargos públicos. Um poder sobretudo militar com o objetivo de defenter o Sul. Começaram a ser erigidas as fortalezas necessárias à defesa de seu território, fato que resultou num grande passo para o desenvolvimento de Florianópolis. Criou um sistema de fortalezas em torno da capital, ao mesmo tempo que estimulou o povoamento pela instituição de núcleos açorianos.

De 1748 a 1756 se deu o povoamento açoriano. Este foi o marco mais significativo e representativo do crescimento demográfico na história de Desterro. Desembarcaram em Santa Catarina cerca de seis mil imigrantes das ilhas de Açores e Madeira. Para fixar as famílias foram fundadas diversas freguesias, tanto na Ilha como no continente. Nos primeiros cinco anos a imigração açoriana ampliou uma vez e meia a população da Capitania de Santa Catarina (CECCA,1997).

O núcleo urbano começa a se formar, as casas aumentam em número e tamanho, entre 1753 e 1773 é construída a Igreja Matriz, no mesmo lugar da antiga capelinha.

Em torno do Largo da Matriz são construídas as primeiras edificações de cunho oficial, como a casa de Câmara e a Cadeia em 1771, o Palácio do Governo em 1765 e as primeiras casas em alvenaria (VEIGA, 1993).

A criação de uma vila tornou a delimitação da área do novo município uma providência necessária, tendo em vista os interesses diretos dos habitantes e concessionários de terra em toda a região. As freqüentes indefinições no contorno, pois as cartas régias e alvarás não estipulavam o tamanho dos chãos a serem concedidos, levavam a disputas e conflitos. O precário sistema de medição e demarcação de terras levaram os editais e termos de ereção a exigir que logo que as câmaras municipais comecem a trabalhar, tratem da medição e da demarcação de seus rossios2 e que “fique bastante terreno para logradouro público” (MARX,1991).

Esses rossios, ou terras comunais, foram de grande importância no contexto da economia açoriana, pois complementavam sua economia. Os pequenos produtores açorianos utilizavam estas áreas comuns para pastagens, retiravam lenha e como uso agrícola.

Diferentemente do território brasileiro, onde a economia desenvolveu-se na forma de grandes propriedades agrícolas, com produção através de mão-de-obra escrava (latifúndio escravista) direcionada ao mercado europeu, na Ilha de Santa Catarina a economia desenvolveu-se através com base numa estrutura agrária de pequena propriedade, o pequeno agricultor açoriano (CAMPOS, 1991).

2Róssio ou logradouro público, área que servia de utilização por parte de todos os moradores para o

pasto de animais, lenha, plantio, bem como constituiam uma reserva para a expansão da vila, seja prevendo novas cessões de terra, seja a abertura de caminhos e estradas, ruas ou praças. Ainda também servia para sofrer partilha para novas concessões a interessados em construir sua casa urbana (MARX, 1991).

Este sistema de produção não permitiu um maior desenvolvimento dos produtores. Entre os fatores citados por CAMPOS (1991) estão as constantes requisições por parte das milícias e setores administrativos, tanto de farinha quanto de soldados, e o sistema de sucessão da terra com um parcelamento indiscriminado do solo cultivável, que levou a um desgaste, provocando queda nos rendimentos.

Outro fator decisivo para a planificação territorial de minifúndio é citado por VEIGA (1993). Embora fosse oferecido para cada familía de imigrantes um quarto de légua em quadrado, muitos se contentaram com menos terra, por desejarem ficar mais próximos uns dos outros.

Desta forma a implantação fundiária na Ilha se deu basicamente através do minifúndio de subsistência, de lotes próximos ou vizinhos, com pequenas testadas (VEIGA, 1993).

Até o final do século XVIII, mesmo com o aumento da população, a Ilha serviu apenas para atender às necessidades estratégicas e administrativas de Portugal, ficando sua população subordinada à administração dos comandantes militares da província (CECCA,1997).

A existência de terras comunais ocorreram com freqüência na Ilha, maior que no resto do Estado e foram utilizadas até aproximadamente a década de 40. Seu desaparecimento foi gradual, e de acordo com CAMPOS (1991) o desenvolvimento proporcionou forte valorização da terra e os interesses especulativos provocaram o quase total desaparecimento das terras do pequeno produtor, de muitas áreas públicas urbanas e também das terra de uso comum.

O róssio da Vila só foi demarcado em 1822 e VEIGA (1993) coloca que seus limites nunca foram respeitados, sendo que o perímetro urbano se desenvolveu também nessas terras, por propridedades particulares, próximas do centro histórico. A referida autora coloca que no início do século XIX o valor das terras aumentou e os loteamentos começavam a evidenciar a separação entre cidade e campo.

Era o início da da especulação imobiliária da Ilha, propiciado pela formação de uma classe comerciante possuidora de propriedades imobiliárias, além de escravos e embarcações. Esta "nobreza financeira da terra", para VEIGA (1993), formou latifúndios em forma de chácaras nos arredores da vila, como pela posse de quarteirões inteiros no centro urbano.

exemplo das cidades medievais, em que o centro da cidade era ocupado pela igreja ou templo e a praça era o elemento fundamental da cidade e servia também para as necessidades do mercado e era ao seu redor que se erguiam os edifícios mais característicos da cidade. “[...] para o homem latinizado e mediterrâneo, o essencial e definitivo na cidade é a praça e o que esta significa, a tal ponto que, quando esta falta, não entende que se possa chamar de cidade tal aglomeração urbana” (GOITIA, 1982).

A praça se torna o que seria o “coração” da cidade, o núcleo urbano. E é a partir dela que a cidade se desenvolveu com uma identidade e um simbolismo próprio (GOITIA, 1982).

Além da praça outro elemento foi fundamental para a formação de seu núcleo urbano inicial: o porto (FIGURA 8). Devido ao interesse comercial, representado pelos navios que ancoravam na baía, da atividade pesqueira e da única forma de comunicação com o continente.

A ocupação foi tipicamente linear, os arruamentos espontâneos alinhavam-se em ruas estreitas, adaptando-se ao relevo, partindo do Largo da Matriz se dirigiam às fontes de água, que nuclearam as primeiras concentrações urbanas. As edificações de caráter civil "eram precárias, locadas em terrenos profundos, de aparência quase rural" (VEIGA, 1993).

FIGURA 8 – Vista parcial do antigo porto Fonte: Prefeitura Municipal de Florianópolis

Observa-se na FIGURA 9 o traçado das ruas em quadrícula. Segundo GOITIA (1996) os urbanistas do século XIX limitavam-se, na maioria dos casos, ao traçado da quadrícula, conseqüência de um espírito estritamete utilitário. A quadrícula apareceu como resultado do racionalismo grego, que foi depois utilizada pelos romanos por razões militares e por necessidade de colonização.

Como aconteceu em Florianópolis, a quadrícula atendia a dois interesses de Portugal: de ocupação e de defesa do território .

Toda a sede autônoma estaria adaptável a categoria de cidade, somente numa cidade é que a cadeira de um bispo poderia ser instalada, e se encontra uma igreja da sé. As cidades se subordinam diretamente à Coroa, e não mais à Igreja, que continua ligada ao Estado. Os códigos de posturas dos municípios são progressivamente exigidos e sancionados pelas assembléias, que são compostas pelos grandes concessionários de terras (MARX, 1991).

FIGURA 9 – A estrutura viária de Desterro – 1819 Fonte: CABRAL (1972)