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3.6 O ESTATUTO DA CIDADE

3.6.1 Instrumentos de uso e ocupação do solo

As seções II, III e IV, do Capítulo II do Estatuto da Cidade são destinadas aos instrumentos da política urbana que tratam da contenção dos terrenos ociosos e da retenção especulativa de imóvel urbano de interesse social, ou seja, da especulação imobiliária. Visam atender as diretrizes gerais de ordenação e controle do uso do solo quanto à evitar:

1. a utilização inadequada dos imóveis urbanos;

2. o parcelamento do solo, a edificação ou uso excessivos ou inadequados, em relação à infra-estrutura urbana;

3. a retenção especulativa de imóvel urbano que resulte na sua subutilização ou não utilização.

O principal objetivo destes instrumentos é o de conter a expansão desnecessária da área urbana, o que aumenta os custos de urbanização uma vez que a retenção especulativa destes lotes, em geral, se dá em áreas já dotadas de toda a infra-estrutura e serviços urbanos.

Estes instrumentos significam o combate à apropriação privada dos investimentos públicos na construção da cidade e constituem um dos objetivos do Plano Nacional de Desenvolvimento Urbano (PNDU) do Ministério das Cidades (BRASIL, 2004).

Sobre sua utilização coloca SOUZA (2004):

Poucos instrumentos são tão necessários à tarefa de promover o desenvolvimento urbano quanto o IPTU progressivo no tempo [...] Ele é, como poucos, capaz de colaborar decisivamente para a tarefa de imprimir maior justiça social a cidades caracterizadas, simultaneamente, por fortíssimas disparidades sócio-espaciais e uma especulação imobiliária desenfreada (p. 226).

Com o parcelamento, edificação ou utilização compulsórios procura-se

otimizar os investimentos públicos realizados e penalizar o uso inadequado, impõe ao proprietários o ônus de sua edificação em prazo determinado. Considera a referida lei subutilizado o imóvel cujo aproveitamento seja inferior ao mínimo definido no plano diretor ou em legislação dele decorrente. Visa combater a retenção especulativa da terra urbana.

O IPTU progressivo no tempo é aplicável aos proprietários que não

atenderam à notificação do parcelamento, edificação ou utilização compulsório. Este proprietário é punido com um tributo de valor crescente pelo prazo de cinco anos consecutivos, respeitada a alíquota máxima de 15%, conforme o Art. 7º.. Este tributo foi instituído para punir o proprietário do imóvel que não ajustá-lo às diretrizes do plano diretor.

Decorridos os cinco anos de cobrança do IPTU progressivo, o município poderá proceder à desapropriação do imóvel, com pagamento em títulos da dívida pública. Estes serão resgatados no prazo de até dez anos, assegurados o valor real da indenização e os juros legais de seis por cento ao ano. A partir da incorporação do imóvel ao patrimônio público, o município tem cinco anos para realizar o adequado aproveitamento do imóvel.

O instrumento do direito de superfície visa fundamentalmente estimular a utilização de terrenos urbanos mantidos ociosos numa alternativa ao proprietário de solo urbano para cumprimento da exigência de edificação e utilização compulsórios. Através de contrato particular, o proprietário urbano poderá conceder a outrem o direito de superfície de seu terreno, que abrange o direito de utilizar o solo, o subsolo ou o espaço aéreo. Dissocia o direito de propriedade do direito de uso, assim a terra cumpre a sua função social e o direito de propriedade é mantido.

O instrumento da transferência do direito de construir permite que o proprietário de imóvel exerça em outro local o direito de construir previsto no plano diretor ou em legislação urbanística dele decorrente quando o referido imóvel for necessário para fins de: implantação de equipamentos urbanos e comunitários; preservação do imóvel com interesse histórico, ambiental, paisagístico, social ou cultura; servir a programas de regularização fundiária, urbanização de áreas ocupadas por população de baixa renda e habitação de interesse social. Este instrumento ficou conhecido como “transferência de índice” e propicia que o Poder Público municipal realize tombamentos e desapropriações em áreas de interesse, principalmente para expansão da estrutura viária, utilizando o potencial construtivo destas como moeda de troca, não onerando os cofres públicos.

O Solo Criado

A outorga onerosa do direito de construir poderá ser utilizada em áreas fixadas pelo plano diretor, nas quais o direito de construir poderá ser exercido acima do coeficiente de aproveitamento básico adotado, que pode ser único ou diferenciado dentro da zona urbana, mediante contrapartida a ser prestada pelo beneficiário. Visa recapturar a mais-valia urbana advinda dos investimentos públicos em infra-estrutura, tornando onerosa aos proprietários de imóveis privados a concessão do direito de construir além do equivalente à metragem quadrada de seus respectivos terrenos.

Este instrumento, conhecido como solo criado é definido por CARDOSO e RIBEIRO (1996) como:

[...] um mecanismo que permite a repartição entre proprietários da terra, incorporadores e poder público, dos benefícios privados do processo de urbanização criado pela iniciativa privada, mas que se funda no investimento que o conjunto da

sociedade realiza na forma da implantação dos equipamentos e da infra-estrutura urbana. Ou seja, trata-se da apropriação, pela autoridade municipal, de parte da valorização fundiária e imobiliária. Sua aplicação consiste na cobrança do licenciamento das áreas construídas que excedam a uma vez a área do terreno, o que significa que será restituído ao poder público parte dos investimentos que permitiram a valorização daquela área (p.233).

A utilização deste instrumento possibilita ao Poder Público municipal uma geração de recursos para investimentos sociais oriunda da iniciativa privada, pois uma das formas de valorização de terrenos para a construção de edíficios é a viabilidade de construção através de zoneamento da área pelo coeficiente de aproveitamento e gabaritos máximos permitidos, que são definidos pela legislação.

A primeira vez que a idéia do solo criado surgiu foi em 1971, em Roma. Técnicos ligados à ONU e especialistas em planejamento urbano, habitação e construção firmaram um documento defendendo a necessidade da separação entre o direito de propriedade e o direito de construção. Sendo que este último deveria passar à coletividade e ser concedido aos particulares por concessão ou por autorização administrativa (CARDOSO e RIBEIRO, 1996).

Em 1975, o governo italiano propôs uma lei que separa de forma absoluta o direito de propriedade e o direito de construção. Este seria concedido desde que o interessado contribua financeiramente com os custos de ampliação dos equipamentos urbanos. No mesmo ano o governo francês estabelece uma lei que limita o direito de construção inerente ao direito de propriedade a uma vez a área do terreno, acima deste limite o direito de construção passa à coletividade, que o concede desde que haja o pagamento pelo proprietário de uma soma equivalente ao valor do terreno cuja aquisição seria necessária para que o índice de utilização não exceda o limite de um. Este foi utilizado até 1983 quando da política de descentralização administrativa que autorizou as cidades com mais de 50.000 habitantes a aumentar o limite até dois e elevou, para a região parisiense, o limite para três (CARDOSO e RIBEIRO, 1996).

A adoção do mecanismo de solo criado abre a possibilidade de uma política reguladora da oferta de terras urbanas que, promovendo a diminuição das desigualdades, pode ter papel decisivo na alteração da dinâmica construtiva especulativa na direção de uma efetiva industrialização do setor e ampliação de seu mercado consumidor (RIBEIRO, 1996).

Com este instrumento, é possível tornar as empresas privadas socialmente responsáveis, ou seja, o lucro obtido pelo potencial adicional de construção é taxado e

revertido em benefícios sociais. Assim este instrumento permite a desaceleração da especulação imobiliária, uma vez que a valorização dos terrenos terá de ser compartilhada com o município.

O perfeito entendimento dos mecanismos que regem o mercado imobiliário e de terras, de um bom cadastro e um planejamento estratégico junto às municipalidades, são fundamentais para uma justa distribuição dos lucros gerados neste setor.

Disciplina do Uso e da Ocupação do Solo

A primeira forma de regulamentação pública sobre o solo urbano foi o zoneamento. Seu objetivo é de instaurar normas, critérios e padrões de uso e ocupação do solo urbano, com os objetivos de bem distribuir as atividades no espaço e de fixar as densidades construtivas máximas a fim de se evitar o congestionamento da vida urbana. As duas peças centrais do zoneamento são: a divisão funcional do espaço da cidade e o estabelecimento de coeficientes de utilização dos terrenos (CARDOSO e RIBEIRO, 1996).

Baseado nos objetivos e diretrizes urbanísticas propostas no plano diretor, deve-se fazer o detalhamento da legislação de uso e ocupação do solo. O plano diretor pode conter a própria legislação de uso e ocupação do solo, dessa forma já fica auto-aplicável.

O objetivo do município ao elaborar leis de uso e ocupação do solo, deve ser democratizar o acesso à terra e à qualidade de vida e evitar que o capital imobiliário se aproprie dos destinos da cidade. Uma revisão desta legislação é colocada pelo IPEA (2002) como necessária para que se evite adotar padrões elitistas de zoneamento, que atendem mais aos interesses do mercado imobiliário, favorecendo com isso as construções mais sofisticadas em detrimento de construções mais simples. Alerta o referido instituto que o crescimento da cidade informal e da ocupação irregular podem ser efeitos perversos da utilização de uma legislação de zoneamento excessivamente rígida e restritiva.

O zoneamento é visto, segundo o IPEA (2002), como causador de segregação espacial e de valorização diferenciada nos bairros. Tem impacto direto sobre o mercado imobiliário e sua gestão determina o desenho urbano. Valorizando ou não

determinadas áreas, enfatiza-se a necessidade de uma regulamentação que acompanhe o processo de transformação contínua vivido pela cidade.

Para VILLAÇA (2001) a segregação social é um traço comum presente nas cidades, e vêm se constituindo no Brasil há mais de um século. Para o autor "é um processo que está longe de ser uma particularidade das décadas recentes e de uma eventual atuação do capital imobiliário ou das leis de zoneamento contemporâneo" (p. 327).

3.6.2 O Cadastro Técnico Multifinalitário como Instrumento de