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Capítulo 1 A crise do acesso à justiça e a demora na prestação jurisdicional:

2.2 Da Lei n 9.307/96

A estatização vigente no Brasil no período que antecedeu a Lei 9.307/96 é apontada como um obstáculo cultural à implantação da arbitragem. Como vimos, a autonomia da vontade sucumbia frente ao intervencionismo, que se projetava em todas as esferas do meio social. O protecionismo estatal provocara no inconsciente coletivo a convicção de ser o Estado a única instituição apta a solucionar questões envolvendo os seus jurisdicionados. A cultura antiarbitral, tão protagonizada, encontra aí suas raízes.

49 BERTRAND, Edouard. Arbitration and mediacion: an impossible conciliation? In: Revue de Droit des Affaires Internationales. Paris: International Business Law Journal, no. 2, pp.134, 135, 2001.

A timidez da sociedade em apreender a prática arbitral nas suas relações jurídicas internas, reflete o resultado prático arraigado na nossa cultura jurídica civilista, da forte intervenção estatal.

A verificação, como vimos, quanto à necessidade de reforma do nosso sistema judiciário, juntamente com o reconhecimento da ineficácia social da prestação jurisdicional trouxe à discussão não mais a independência e a autonomia do processo, mas a preocupação em verificar se este processo está conseguindo proporcionar a efetividade esperada, ou seja, se o processo confere a todos os jurisdicionados, de forma ampla, o direito substancial. Objetivando adequar a própria prestação jurisdicional e seus instrumentos às necessidades contemporâneas.50

Logo, atendendo aos reclamos por uma nova solução às deficiências do aparelho judiciário é que o legislador brasileiro promulgou a Lei 9.307/96. Esta lei trata, na realidade, de uma ampliação de extensão do Poder Judiciário. Criando-se um novo mecanismo para a solução de controvérsias. Estabelecendo uma forma de jurisdição privada, paralela à jurisdição oficial. Por meio da aplicação desta lei é que se permitirá às partes socorrerem-se da arbitragem, como forma de solução de conflitos jurídicos, geralmente na interpretação e execução de contratos.51

O atraso, pois, de nossa legislação nacional com relação aos demais países, foi percebido pelo Governo Federal apenas no início da década de 80. As reformas legislativas e a reformulação da arbitragem – previsão da cláusula compromissória com seus efeitos, o reconhecimento da falta de necessidade da homologação da sentença arbitral, entre outros pontos inovadores trazidos pela Lei de Arbitragem – devem ser entendidas, partindo-se do contexto sócio- político- econômico e ideológico do qual afloraram.

50 FREITAS, Elisabeth Cristina Campos Martins. Considerações acerca da arbitragem e sua constitucionalidade. In: Revista Jurídica. Campinas, vol. 15, n° 2, p. 90, 1999.

51 ROQUE, Sebastião José. A Arbitragem implanta-se enfim no Brasil. In: Revista de Direito Bancário do Mercado de Capitais e da Arbitragem. São Paulo, RT, Ano 4, n° 11, p. 375, janeiro / março, 2001.

A partir de 23. 09. 96, portanto, passou o Brasil a contar com uma nova regulamentação da arbitragem, com 44 (quarenta e quatro) artigos, revogando expressamente as disposições anteriores do Código Civil e do Código de Processo Civil, ora introduzindo, ora modificando alguns incisos desses dois diplomas legais.52

A finalidade desta lei é de fazer com que grande parte dos processos cíveis, bem como aqueles que envolvem questões comerciais e que têm relevantes interesses e recursos econômicos envolvidos, possam encontrar, através deste instituto, um caminho de solução natural, consensuada e de enorme praticidade, desde que sejam criados paralelamente mecanismos e instituições capazes de agilizar a solução dos conflitos que, na área judiciária, poderiam levar anos para serem solucionados.53

A lei concede às pessoas, capazes de contratar, a faculdade de solucionar suas controvérsias sobre direitos patrimoniais disponíveis, via de regra, provenientes de contratos e de interpretação de cláusulas contratuais, através da arbitragem. Isso é o que prevê, como já analisamos, os dois primeiros artigos da Lei 9.307/96.

O capítulo II trata da convenção de arbitragem e seus efeitos. Nele estará regulada a forma pela qual as partes se obrigam através do juízo arbitral: convenção de arbitragem; cláusula compromissória e seus requisitos; forma da instituição do juízo arbitral; o socorro ao judiciário no caso de resistência de uma das partes; os requisitos do compromisso e sua extinção.54

Uma convenção ou acordo entre as partes pode, pois, designar o local onde o procedimento arbitral poderá ser realizado, desta forma também estarão escolhendo a lei que será aplicável ao procedimento.

52 ROQUE, Sebastião José. Arbitragem a solução viável. São Paulo: Ícone, 1997, p. 33.

53 MACIEL, Marcos. Arbitragem e avanço institucional. In: Revista do SFI. Brasília: SFI, n° 3, 1997.

54 BRAGHETTA, Adriana. Conflito entre lei interna e tratado no âmbito da arbitragem – O Brasil e o MERCOSUL. Dissertação de mestrado. São Paulo: Programa de Pós-graduação em integração da América

O tribunal ou o árbitro é escolhido pelas partes, as quais podem esclarecer também a instituição ou entidade arbitral responsável por regular os procedimentos arbitrais. A decisão do tribunal ou do árbitro é vinculante, mas deve ser prolatada à luz das evidências e argumentos submetidos ao tribunal. A sentença válida pode ser reconhecida e executada pelas Cortes estatais.

O capítulo III trata dos árbitros estipulando regras à sua nomeação, seu número; como se dá sua escolha pelas partes; o estabelecimento das regras institucionais; como devem proceder, com observância da imparcialidade, competência, diligência e discrição; quem estaria impedido ou suspeito para ser árbitro; sua recusa; equiparação dos árbitros aos funcionários públicos e a irrecorribilidade das sentenças proferidas.

Logo, aqui estariam inseridas já algumas outras regras a serem adotadas na arbitragem, desta vez não pelas partes, mas pelo responsável pela apresentação da solução da controvérsia, que é o árbitro, eleito por elas. O árbitro, pois, sendo juiz de fato e de direito do processo arbitral estará adstrito ao conteúdo da cláusula compromissória e do compromisso arbitral e, no exercício de sua função, deverá observar princípios processuais inerentes ao processo comum, sob pena de ver sua sentença passível de nulidade.

O capítulo IV da Lei dispõe sobre o procedimento arbitral, regulando o momento da instituição da arbitragem, através da aceitação e investidura do cargo pelo árbitro, momento oportuno para que as partes possam alegar os motivos de: suspeição, impedimento, bem como a nulidade, invalidade ou ineficácia da convenção arbitral; submissão das regras da arbitragem ao procedimento de uma instituição ou entidade determinada; requisitos mínimos do procedimento, direito das partes na produção de provas; recusa de depoimento e condução coercitiva da testemunha; medidas cautelares no procedimento arbitral; obrigatoriedade de busca por uma conciliação.

O capítulo V da lei versa sobre a sentença arbitral: seu prazo, sua prorrogação; formalidade; decisão por maioria; questões incidentais sobre direitos indisponíveis; requisitos e fundamentação da sentença; custas; litigância de má-fé; comunicação da sentença às partes; possibilidade de correção de erro material ou de esclarecimento de dúvidas a respeito da sentença; efeitos da sentença arbitral, e hipóteses de sua nulidade.

Não há ingerência do árbitro na função exercida pelo juiz no Poder Judiciário, ou seja, a atividade do árbitro percorre via paralela àquela exercida pelo juiz. O paralelismo das distintas atuações e mesmo sua complementaridade, poderiam funcionar, portanto, como aprimoramento da prestação jurisdicional.

O capítulo VI disciplina o reconhecimento e a execução de sentenças arbitrais estrangeiras. Tratando de sua homologação e aplicabilidade no território nacional como título executivo judicial.

Dentre as principais alterações trazidas pela Lei de Arbitragem, conforme analisaremos mais atentamente nos próximos capítulos, poderíamos aqui brevemente elencar as principais.

Quanto à cláusula compromissória, caso as partes já tenham previsto na celebração da mesma as regras de uma instituição ou entidade arbitral, a arbitragem será instituída e processada mediante tais regras. É a chamada cláusula compromissória cheia, que viabilizaria a instituição da arbitragem, sem a necessidade de se firmar o compromisso. Caso tal previsão não tenha ocorrido, a parte que queira instituir a arbitragem, deverá convocar a outra parte para que sejam convencionados os termos do compromisso arbitral.

Quanto ao compromisso arbitral, deverá, necessariamente, informar a qualificação das partes e dos árbitros (ou da instituição à qual foi delegada a indicação dos mesmos); a matéria que será objeto da arbitragem; o local em que será proferida a sentença arbitral (a legislação não

mais se refere a laudo arbitral). Além disso, poderá o compromisso arbitral estipular o prazo para que seja proferida a decisão (caso contrário, será de seis meses); a autorização para que o árbitro (ou tribunal arbitral) julgue por eqüidade, com base no direito positivado brasileiro ou de outro país, nos princípios gerais do direito, nos usos e costumes ou práticas internacionais de comércio, ou ainda com base em regras corporativas aplicáveis à arbitragem. Também poderão as partes convencionar acerca da responsabilidade pelo pagamento dos honorários dos árbitros e das despesas com a arbitragem.

Ao contrário da legislação anterior, se a parte que for convocada a comparecer para acordar quanto aos termos do compromisso arbitral, não cumprir com sua obrigação, a parte prejudicada pode convocá-la judicialmente, mediante procedimento especial. Caso, ainda assim, não compareça, ou, se comparecendo se recusar a acordar quanto aos termos da arbitragem, o juiz proferirá sentença que, se procedente, equivalerá ao compromisso arbitral, atendendo aos requisitos do mesmo. Neste caso a arbitragem prosseguirá, normalmente, fora do Poder Judiciário.

A sentença arbitral passa a ser definitiva e não será objeto de homologação judicial e, sendo condenatória, é considerada título executivo judicial. Não há possibilidade de recurso ao Poder Judiciário quanto ao mérito da decisão, mas apenas em relação a aspectos formais da sentença arbitral (que será nula se não atender aos requisitos previstos na própria Lei de Arbitragem ou no compromisso arbitral).

A sentença arbitral, proferida no exterior, fica apenas submetida à homologação do Supremo Tribunal Federal, que o não fará apenas quando a mesma ferir a ordem pública nacional ou o objeto do litígio não for passível de decisão por arbitragem no Brasil. No que diz respeito à citação na homologação da sentença estrangeira, determina a Lei de Arbitragem que não será

considerada ofensa à ordem pública nacional a citação da parte domiciliada no Brasil nos moldes da convenção de arbitragem (que se projeta na cláusula compromissória e no compromisso arbitral) ou da lei processual do país onde a arbitragem ocorreu. Admite-se, inclusive citação postal, com prova inequívoca de recebimento, desde lhe que tenha sido assegurado tempo hábil para o exercício do direito de defesa.

Poderiam ser, portanto, apontadas como algumas vantagens da arbitragem: a rapidez com a qual é dada a solução do litígio pelo árbitro, já que o mesmo tem de obedecer a um prazo estipulado pelas partes para a prolação da sentença, que irá variar de acordo com a complexidade das questões (no silêncio das partes este prazo é de 6 (seis) meses); simplicidade de seus procedimentos, que não são dotados de tanto rigor formal, nem passam pela burocracia dos processos judiciais; menos dispendioso, na medida em que os árbitros são particulares eleitos pelas partes e há a negociação quanto aos seus honorários; decisão mais precisa, já que os árbitros são especialistas na matéria que está sendo objeto de debate; há uma flexibilidade maior quanto aos caminhos para decidir o litígio, já que o árbitro não está adstrito à lei, podendo optar por outras hipóteses legais como a aplicação dos costumes, eqüidade, princípios gerais do direito (desde que não fira a ordem pública e os bons costumes); a ausência do requisito da publicidade das decisões faz da arbitragem um processo sigiloso, mais vantajoso para as partes que não desejam a exposição das suas avenças; irrecorribilidade da sentença arbitral (que pode ser determinada pelas partes). 55

Se, por um lado, expusemos algumas das vantagens da arbitragem, não podemos, no entanto, deixar de comentar algumas de suas desvantagens que podem ser demonstradas como alguns pontos negativos trazidos pela Lei 9.307/96.

55 SANTOS, Ricardo Soares Stersi. As vantagens da arbitragem. In: Revista do Instituto da Pesquisas e Estudos. Divisão Jurídica. Bauru: Instituição Toledo de Ensino, n° 22, pp. 273-275, 1998.

A primeira delas é o fato de a irrecorribilidade da sentença arbitral ser apontada como reflexo da celeridade do procedimento arbitral. A decisão arbitral dá-se apenas em uma única instância, não cabendo recurso quanto ao mérito ao Poder Judiciário (exceto nos casos de ação anulatória e embargos do devedor, conforme analisaremos posteriormente).

Por outro lado, os árbitros podem ser bons especialistas nas práticas que estiverem analisando, mas aos mesmos podem não ser dotados de conhecimento jurídico, o que pode, por vezes dificultar o julgamento.

A sentença arbitral, apesar de constituir um título executivo, se descumprida pela parte vencida, não pode ser auto-executada. A parte vencedora terá que ingressar no Poder Judiciário para executar a decisão. Neste caso, apesar de não ser mais discutido o mérito da questão levada à arbitragem – salvo se a decisão arbitral for nula –, a execução judicial fica submetida aos procedimentos judiciais ordinários ou seja, suscetível a recursos, medidas protelatórias, etc.