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Capítulo 1 A crise do acesso à justiça e a demora na prestação jurisdicional:

2.3 Natureza jurídica da arbitragem

Um dos pontos de maiores debates e discussões na doutrina brasileira acerca da arbitragem é tentar definir sua natureza jurídica, a fim de se descobrir se a arbitragem teria natureza plubicista ou processual, equiparável à jurisdição estatal; ou privatística / contratual, similar à transação ou se ela poderia ser considerada como sui generis.

Os denominados contratualistas vêem no instituto uma obrigação criada por contrato, esclarecendo que a natureza da arbitragem se circunscreveria às conseqüências derivadas dos

pactos em geral. Já os jurisdicionalistas56 continuam a afirmar que a arbitragem tem natureza jurisdicional argumentando a sua equivalência com a função do juiz estatal.57

Entre nós, antes da Lei 9.307/96, predominava a tese contratualista58, já que a sentença

arbitral só teria validade uma vez homologada judicialmente. A coisa julgada decorreria, pois, do ato judicial que homologasse a sentença arbitral e não dos atos decisórios dos árbitros.59

Enquanto os contratualistas argumentam que: a) a arbitragem inexiste sem que haja a convenção de arbitragem (cláusula compromissória e compromisso); b) a arbitragem só se instaura mediante comum acordo entre as partes, já a jurisdição é resultado da soberania do Estado; c) o árbitro não é parte do organismo estatal; d) o laudo arbitral não é dotado de coercibilidade.60

Os defensores da tese de que a arbitragem é, na realidade, jurisdicional, não refutam os argumentos trazidos pelos contratualistas, mas pretendem revisar os conceitos trazidos para os elementos constitutivos da jurisdição. Sendo assim, a perfeição jurisdicional da arbitragem efetiva-se quando o árbitro realiza o juris dicere, independentemente de execução futura, de caráter administrativa, e não jurisdicional.

Mais recentemente, questiona-se uma natureza mista para a arbitragem, argumentando-se que a constituição da arbitragem, a partir da cláusula compromissória ou do compromisso, tem

56 Para esta corrente, apesar de as partes serem a fonte dos poderes dos árbitros, antes mesmo da vontade das partes

existe a vontade da lei que autoriza a instauração do juízo arbitral.

57 BARRAL, Weber. Arbitragem e jurisdição. In: Revista do Instituto de pesquisas e estudos. Bauru, Instituição

Toledo de Ensino, n° 21, p. 112, abril / junho, 1998.

58 Tese sustentada por Chiovenda, Calamandrei, Betti, Lipari, Rocco, Fazzalari, doutrinadores italianos que vêem a

arbitragem como um instituto de natureza jurídica meramente contratual, isto se deve ao fato de não possuir o laudo arbitral força de sentença, uma vez que para que essa força venha a ser adquirida, com base no ordenamento jurídico italiano, é preciso que haja homologação judicial. O que no Brasil não é mais necessário, após a entrada em vigor da Lei 9.307/96, passando, pois a decisão do árbitro a constituir verdadeira sentença sendo despiciendo a sua homologação pelo órgão jurisdicional para que a mesma possa se tornar título executivo judicial.

59 THEODORO JÚNIOR, Humberto. A arbitragem como meio de solução de controvérsias. In: Revista Síntese de Direito Civil e Processual Civil. São Paulo, RT, ano I, n° 2, p.11, nov / dez, 1999.

60 BARRAL, Weber. Arbitragem e jurisdição. In: Revista dos Instituto de pesquisas e estudos. Bauru, Instituição

caráter indubitavelmente contratual, já que é em razão da vontade das partes que a arbitragem irá se instaurar, e que, sem a vontade expressa das mesmas no contrato, a fim de submeter um possível litígio decorrente daquele contrato ao juízo arbitral, a mesma jamais poderia operar-se. O processo arbitral, uma vez instaurado, portanto, é imbuído de natureza jurisdicional, já que o mesmo deve proporcionar a elaboração de decisão ao litígio. Entretanto, essa corrente entende, de outra sorte, que a decisão do árbitro não é uma sentença, pois necessitaria do decreto de executoriedade (a fim de se tornar não só executiva, mas também obrigatória) o que quer dizer que juiz e árbitro concorreriam para a decisão fazendo com que a verdadeira sentença seja constituída tanto pelo laudo, quanto pelo decreto do juiz.61

Será que a arbitragem seria uma função equivalente à função jurisdicional? Será que caberia tão somente ao Estado-juiz exercer tal função? Será que pode haver desempenho de uma função jurisdicional, sem a possível coerção necessária para se fazer cumprir as decisões? Ou será que no lugar da jurisdicionalização da arbitragem, deveríamos falar em processualização da mesma?

A própria Lei 9.307/96 responde a alguns desses pontos, nos capítulos V e VI, o legislador deixa claro que o ato decisório proferido pelo árbitro trata de sentença e não apenas de um laudo. A sentença arbitral é ato exclusivo do árbitro, eleito pelas partes para a solução do litígio, sendo a eficácia desta vinculante e independente de homologação judicial, constituindo título executivo judicial, é o que pode se depreender do art. 31 da lei.62

61 CARREIRA ALVIM, José Eduardo. Tratado Geral da arbitragem interno. Belo Horizonte: Mandamentos,

2000, pp. 59, 60.

62 “Art. 31. A sentença arbitral produz, entre as partes e seus sucessores, os mesmos efeitos da sentença proferida

O que o árbitro ou o tribunal não possuem é o poder de imperium, portanto as medidas coercitivas ou cautelares que se fizerem necessárias ao cumprimento da sentença arbitral não emanam dos árbitros, mas competem aos juízes togados.

O juízo arbitral apresentaria a natureza institucional, mas teria verdadeira feição de jurisdição de caráter privado.

Não cumprida a sentença arbitral, a mesma funcionará como título executivo judicial que instruirá o processo de execução, o mesmo que ocorreria caso uma sentença prolatada por um juiz togado não fosse cumprida, tanto é assim que os juízes togados não revisam ou homologam a decisão dos árbitros, detendo-se apenas à verificação da adequação externa ou formal (art. 32 da Lei 9.307/96).63

Porém, pretender atribuir à arbitragem um caráter jurisdicional pode parecer para muitos uma violação do princípio da tripartição dos poderes do Estado. E conferir aos particulares, ainda que sob a administração do Estado, parcela da jurisdição, além de ato atentatório contra o monopólio do Estado, constituiria verdadeira ameaça às garantias políticas conquistadas após tão longo processo de democratização.

Mas, o que se verifica, na prática, é exatamente o contrário: a arbitragem não fere o monopólio do Estado, na realidade o Estado avocou para si o poder maior inerente à atividade jurisdicional que é o poder de coerção. E, mesmo assim, não é dado aos árbitros decidirem todo e qualquer conflito no meio social, mas somente aqueles que o Estado autoriza, que são os direitos disponíveis. Sendo assim, a arbitragem através da Lei 9.307/96 é sim de natureza jurisdicional, e o é porque, antes da vontade das partes em a instituírem, há a vontade da lei que a autoriza.

63 “Art. 32. É nula a sentença arbitral se: I- for nulo o compromisso; II- emanou de quem não podia ser árbitro; III-

não contiver os requisitos do art. 26 desta Lei; IV- for proferida fora dos limites da convenção de arbitragem; V- não decidir todo o litígio submetido à arbitragem; VI- comprovado que foi proferida por prevaricação, concussão ou corrupção passiva; VII- proferida fora do prazo, respeitado o disposto no art. 12, III, desta Lei; e VIII- forem desrespeitados os princípios de que trata o art. 21, § 2o., desta Lei.”

Mesmo sendo limitados os poderes de dirimir o conflito, em virtude da matéria possível de ser submetida à análise; ou, pelo fato de não contar a sentença arbitral com a característica da coercibilidade, isso não lhe retira seu papel primordial: dizer o direito a ser aplicado à hipótese que lhe foi trazida a julgamento. Ainda que não emanada de órgão jurisdicional, a sentença arbitral é dotada de eficácia instrumentalizadora de um processo de execução e não pode ser reformada pelo juiz togado, que mesmo sendo o único com competência de coagir a parte vencida a cumpri-la, não tem poderes para reexaminar o fato, mas, tão somente, dar cumprimento ao que foi decidido pelo árbitro.