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5 ENTRE RASGOS E REMENDOS: ANALISANDO A ABORDAGEM

6.4 Da miopia à apercepção

Quando questionados sobre o porquê do futsal ser trabalhado na escola, os alunos apresentaram uma compreensão variada. Parte dos alunos enxerga o futsal como sendo uma atividade dentro do contexto escolar, com o propósito de permitir o

acesso às possibilidades “práticas” a partir de diversas intencionalidades e, em menor número, houve aqueles que justificaram a presença desta prática sem atribuir à mesma qualquer intenção.

Tivemos também um percentual considerável de alunos que explicitamente justifica a presença do futsal na escola devido à possibilidade de aprender algo. Ou seja, a maioria dos alunos caminha no sentido de atribuir à prática do futsal na escola a função primordial do apreender, considerado nas suas diversas possibilidades.

Todavia, não se pode dizer que, até mesmo aqueles alunos que trazem nas suas respostas a possibilidade de “prática” sem relacioná-la a uma perspectiva formativa, não tenham uma intenção explícita do que se quer aprender. Apresentamos essa inferência porque o aluno, nessa fase de aprendizagem, pode certamente não possuir o discernimento das diferenciações entre os termos “praticar” e “aprender”. Ambas as palavras podem possuir o mesmo sentido para ele.

Dito isso, nós podemos trazer agora de modo mais explícito o posicionamento dos alunos acerca da importância que a prática do futsal apresenta no interior da escola. Nesse sentido, eles a apresentam como sendo uma prática ditada de intencionalidade ou, de outro modo, afirmam como sendo atividade voltada para permitir o acesso dos alunos aos conhecimentos inerentes à disciplina. Ou seja, as respostas caminham sempre numa lógica de entendimento de que a prática do esporte é utilizada para “aprender” algo.

Nesse campo do apreender, nós temos felizmente várias perspectivas de aprendizagens a partir do futsal, conforme expuseram os alunos em suas menções: aprender a vivenciar; a jogar coletivo; a trabalhar o sentimento de vitória e derrota; a promoção da saúde. Enfim, uma gama de possibilidades de aprendizagem que justifica o real sentido da prática do futsal no interior da escola, ou seja, o aprender. Para Charlot (2000, p. 68):

Aprender é uma atividade de apropriação de um saber que não se possui, mas cuja existência é depositada em objetos, locais, pessoas. Essas, que já trilharam o caminho que eu devo seguir, podem ajudar-me a aprender, isto é, executar uma função de acompanhaajudar-mento de mediação. Aprender é passar da não-posse, à posse da identificação de um saber virtual, à sua apropriação real.

Se apresentarmos os resultados em termos de percentuais, podemos visualizar que os números do questionário de entrada revelam que mais de 40% dos alunos

entendem que o futsal deve ser trabalhado na escola como uma prática que parte de alguma intencionalidade; 33% relacionam-o ao “aprender”; e pouco mais de 26% o veem como uma necessidade para aquisição da saúde e à promoção de um futuro melhor. De modo representativo, seguem respectivamente as respostas dos alunos Jorge Amado, Raquel de Queiroz e Cecília Meireles, que ressaltaram o futsal enquanto uma prática sem uma intencionalidade explícita:

Para desenvolver prática, etc. (Jorge Amado);

Para ajudar os alunos a praticar movimentos físicos. (Raquel de Queiroz);

Para que as crianças possam vivenciar as práticas do futsal. (Cecília Meireles).

Os alunos que atribuíram a importância do futsal a um aprender estão aqui representados nas falas do Manoel Bandeira, Alvares de Azevedo e Castro Alves, cujas respostas ganharam a seguinte redação:

Para aprendizagem. (Manoel Bandeira); Para aprender o futsal. (Alvares de Azevedo);

Porque o futsal é uma forma de aprender. (Castro Alves).

Esses dois principais aspectos citados pelos alunos no questionário de entrada se mantiveram no questionário de saída, no entanto, tivemos uma inversão na predominância desses entendimentos. Se antes a maioria relacionava a importância do futsal à sua prática, agora a importância relaciona-se às aprendizagens propiciadas na vivência desse esporte.

As demais respostas foram relacionadas à promoção da saúde, da inclusão, da socialização. O ponto crucial dessa análise talvez não tenha recaído na superação do entendimento inicial, onde os alunos viam o futsal como uma “prática para algo” e, posteriormente, passaram a admiti-lo enquanto uma vivência a ser aprendida. Todavia, o que temos de enriquecedor aqui é a maior argumentação nos textos das respostas para justificar a importância da prática desta modalidade dentro da escola. Mais uma vez o questionário de entrada evidenciou que a maior parte dos alunos apresentaram respostas pontuais, sintéticas, sem qualquer aprofundamento, o que

denota, desse modo, a ausência ou limitada presença de referências. Seria, porém, irracional exigir esse conhecimento mais apurado dos alunos, uma vez que, por ironia, alguns alunos colocaram a escola como único espaço para acesso a esses conhecimentos, conforme podemos identificar nas respostas apresentadas por eles nas falas a seguir:

Porque a escola é o primeiro lugar e às vezes o único que algumas pessoas passam a vivenciar a sua prática e saber quais são as suas regras etc. (sic) (Cecília Meireles);

Porque nem todo mundo pode praticar o futsal fora da escola, para os que não tem como praticar fora da escola ele pratica na escola. (sic). (Luiza Geisler).

Assim, se faz necessário tratar o futsal na perspectiva de aprendizagem e fornecer a diversidade de informações possíveis para que os alunos possam compreender ― de modo mais amplo o conteúdo e as implicações existentes na modalidade ― e, a partir daí, possam usufruir das vivências corporais de modo reflexivo, dentro de uma conduta respeitosa e racional no âmbito da prática coletiva. Nesta perspectiva, os alunos foram municiados desses diversos referenciais ao passo que, resguardadas as possibilidades, procurou-se relacioná-los com as vivências práticas, nas quais conseguimos fazer com que parte dos alunos, após a intervenção, se apropriasse de um conhecimento mais amplo e reflexivo acerca do futsal, conforme pode ser apresentado através de suas respostas. Nelas estão presentes aspectos de socialização, respeito ao gênero, saúde, hábitos saudáveis, cooperação, habilidades, enfim, aspectos que a priori se mostraram ausentes, mas que, no questionário de saída, nos evidenciam essa evolução.

Nesse sentido, a partir da resposta da aluna Cora Coralina, é possível perceber que ela credita à escola a responsabilidade de incentivar o acesso dos alunos à prática do futsal, pois, na sua resposta, ela aponta que a prática do esporte é importante: “[...] porque incentiva os alunos e as meninas também vão se aproximando mais do futebol” (Cora Coralina).

Neste relato, ela faz referência ao propósito de incentivar, mas, em seguida, vai além, quando coloca como condição da escola o acesso das meninas ao futsal. Sua fala se dá, possivelmente, em virtude do nosso posicionamento nas intervenções, tanto teóricas ― com as discussões sobre a questão do preconceito de gênero ― como as vivências práticas, com a estruturação de aulas voltadas à inclusão das meninas na atividade. É possível que, através dessas intervenções, tenham sido

proporcionadas reflexões de modo que a aluna passou a perceber que as meninas têm tido essa aproximação ou esse acesso. O mais interessante é que ela já rotula essa intenção como sendo um papel da escola.

Na resposta da Carolina de Jesus, retrata-se uma condição importante da prática dos esportes no contexto escolar por nós trabalhada ― em forma de conceitos e reflexões ― e que se traduziu na possibilidade de instituir nos alunos, através de suas vivências pelo futsal, a possibilidade de aquisição de novos hábitos passíveis de perpetuação na sua vida cotidiana. Nesse sentido, a aluna manifestou-se com a seguinte declaração: “Para que todos possam jogar fora da escola” (Carolina de Jesus).

Esse posicionamento é produto da apreensão da aluna e, possivelmente, de uma visão adquirida sobre a prática do futsal, que na escola se estabeleceu a partir das relações com o outro e que, por meio dessa interação, houve uma ressignificação do entendimento sobre essa prática. Passou, portanto, a reconhecer outra concepção de vivências, agora pautada numa condição mais autônoma e a partir de valores essenciais ao convívio dos alunos nessas atividades e na sua vida social. A fala evidencia, em certa medida, o que propõe os PCN’s, que destaca que a educação física, enquanto disciplina escolar é responsável por introduzir e integrar os alunos na cultura corporal de movimento, formando, dessa maneira, “o cidadão que vai produzi-la, reproduzi-la e transformá-produzi-la, instrumentalizando-o para usufruir dos jogos, dos esportes, das danças, das lutas e das ginásticas em benefício do exercício crítico da cidadania e da melhoria da qualidade de vida” (BRASIL, 1998, p. 29). Pensando o esporte e o que Carolina de Jesus destacou, é possível dizer que a vivência nessa modalidade (futsal) na escola, assim como destaca os PCN’s, “deve permitir e capacitar os alunos para usufruir desse esporte nos espaço onde vivem e obtendo os benefícios de sua prática”.

6.5 Dizem que sou louco por eu ter um gosto assim... Na rua, na chuva, na