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PARTE I | ECONOMIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL (SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO)

Grupo 11 Organizações Empreendedoras, Profissionais e Sindicais

1.3. A Economia Social no contexto português: organizações e respectivo percurso

1.3.5. Da Revolução de Abril (1974) aos primeiros anos do século

Com a Revolução de Abril de 1974, Portugal vê abrir-se um novo ciclo na sua história, sendo o mesmo acompanhado pela introdução na ordem jurídica portuguesa da legalidade da criação de associações, permitindo então (potenciando até) a rápida expansão dos movimentos e instituições de defesa de direitos e de representação política, bem como das associações (associações de moradores, associações de pais, associações de apoio à criança, etc.); é assim com o Decreto-Lei n.º594/74, de 7 de Novembro, que clarifica o Direito de Associação: “o direito à livre associação constitui uma garantia básica de realização pessoal dos indivíduos na vida em sociedade. O Estado de Direito, respeitador da pessoa, não pode impor limites à livre constituição de associações ….”

No início deste ciclo o governo Português encontrava-se impelido, muito por pressão da sociedade civil emergente, a resolver um conjunto de problemas enfrentados pela sociedade em geral, tentando criar nesse sentido medidas (e politicas) de “Bem-Estar”.

Boaventura Sousa Santos (1993), sugere que a sociedade civil portuguesa é uma forte sociedade do “bem-estar” (welfare society) uma vez que é suportada pelos laços familiares e comunitários; o que faz de Portugal uma “welfare society” é que o apoio às pessoas necessitadas provém a maioria das vezes da família e da comunidade, sem a intermediação das OES (e muito menos do Estado).

Apesar desta visão (que não deixa de ser, em parte, verdadeira), Portugal é visto como sendo a “welfare state”, uma vez que faz a cobertura de toda a população (universalização) ao nível da segurança social, saúde e educação (entre as características do Estado-Providência Português é de realçar a grande polarização em termos de níveis de protecção/segurança social, ao assentar no desenvolvimento desigual da área previdencial - regimes contributivos - e da área assistencial - regimes não contributivos e acção social).

A partir dos anos 80 o Estado passou a ser menos um produtor de “bem-estar” e de protecção social para se tornar uma entidade financiadora do “bem-estar” produzido pela iniciativa privada, quer no âmbito do mercado quer no âmbito da solidariedade social (“contracting out”); daí que se considere que a tendência actual é a da instauração de um sistema de “pluralismo assistencial no qual a sociedade civil e o Estado partilham mais responsabilidades no domínio da protecção social, reassumindo a primeira algumas responsabilidades de que o Estado-Providência [inicial] a tinha aliviado” (Hespanha et al., 2000, p.14).

Em concomitância, não é de estranhar que um grande número de OES “denuncie” uma origem muito dependente da acção estatal ou, quando assim não é, uma progressiva subordinação das actividades por si desenvolvidas às directivas racionalizadoras e planificadoras da tutela (leia-se Estado) (Hespanha et al., 2000, pp.17-18).

No entanto, a par daquelas, encontramos o surgimento de outras organizações, menos, ou quase nada dependentes dos apoios estatais, incubadas uma grande parte pelo acesso aos Fundos Estruturais, como são exemplo as ONG’s e as ADL’s, actuando segundo lógicas diferenciadas das anteriormente consideradas e, por conseguinte, desenvolvendo actividades que vão muito além da previdência e assistência social; bem como o ressurgimento das “tradicionais” Cooperativas e Mutualidades (estas últimas a um ritmo substancialmente mais lento do que as primeiras) e a “recriação” de outras que se conseguiram adaptar graças à sua flexibilidade, e estão de novo pujantes, como é o caso das Misericórdias.

1.3.6. Síntese

Em Portugal, as primeiras OES assumiram uma orientação “solidarista”, promovidas quer por pessoas individuais quer colectivas com poder económico para ajudar outros mais desprotegidos, as quais inspiradas pelo socorrismo cristão criavam instituições “desinteressadas” em que os participantes não eram normalmente os utentes beneficiários.

Mais tarde, desenvolve-se um “associativismo” caracterizado por associações populares, com uma gama lata de objectivos, onde já se verifica a coincidência entre as funções de participante e de utente, mantendo-se todavia a característica “desinteressada”, e, simultâneamente, o “mutualismo” visando essencialmente a ajuda ou a solidariedade mútua da providência, passando a manter-se a função coincidente de participante-beneficiário, assumindo, no entanto, uma perspectiva “interessada”, i.e., diferente da do “solidarismo”, ao pretender criar um sistema de mútua segurança, por meio da angariação de “pequenas” somas financeiras.

Posteriormente, começa a exponenciação das cooperativas, que podem ser entendidas como empresas económicas cujo sujeito é a associação (e não o capital).

É de considerar que históricamente todos aqueles movimentos representavam formas diversas de uma resposta de base voluntária e, na generalidade, colectiva, aos problemas predominantes de cada época.

Actualmente, muitas daquelas organizações ainda se encontram em funcionamento, assumindo algumas um cariz mais “tradicionalista” e outras mais “inovador”, a par do aparecimento de novas, com fins semelhantes ou diferentes, mas sendo sempre todas fruto daquilo a que Ferreira da Costa (1991, p.109) apelida de “sociedades participativas”:

“os participantes aderem voluntariamente a um projecto comum, o qual não visa [em primeira instância] gerar lucros, mas serviços. Estes agrupamentos voluntários, actuando na vida comunitária, não podiam deixar de ter os seus reflexos económicos, sendo por esse motivo apelidados de organismos da Economia Social.”

Sobre o peso actual do Sector da economia social em Portugal é possível aferir, com base no estudo “The Portuguese Nonprofit Sector in Comparative Perspective” (Franco et al., s/d, pp.17-21), e sequente análise a um conjunto das suas características gerais15, que:

i) é uma força económica significativa: contribui com aproximadamente 4,2% do PIB nacional; absorve a energia de 227 mil trabalhadores a “full-time”, 70% dos quais remunerados, o que representa 4% da população economicamente activa do país; ii) é forte a presença das actividades de serviços (60%) nas organizações: das várias funções que exercem na sociedade, os serviços sociais são os mais proeminentes, como p. ex.: serviços de apoio às crianças, juventude e família; serviços de apoio às pessoas com deficiência; serviços de apoio às pessoas de maior idade;

iii) são variadas as fontes de financiamento (agrupadas em três categoriais, expressam-se da seguinte forma): “receitas particulares” (vendas, participações dos “clientes”, quotizações, etc. – 48%); “recursos públicos” (estatais – 40%); “doações particulares” (provenientes de pessoas, empresas, fundações, etc. - 12%).

15

Para uma perspectiva mais abrangente (mas não comparativa) da Economia Social em Portugal, consultar, p. ex. – (Nunes et al. 2001); bem como sobre a análise da evolução do movimento cooperativo em Portugal entre 1955-1997 e sua representatividade em termos do Sector – (Barros, 1999, pp.39-48). De lembrar que o estudo em referência não abrange um número significativo de cooperativas e de mutualidades, pelo que, se consideradas estas expressões organizacionais, se possa vir a inferir ainda um maior peso da Economia Social em Portugal.

A finalizar (e para concluir), na esteira de Jacques Defourny (s.d.), referir que a economia social em Portugal (mas não só) se inscreve numa tentativa, mais do que secular, de criar uma esfera de actividades económicas autónomas e eficazes cujos objectivos e processos de funcionamento se baseiam nos valores da “solidariedade” e “democracia”; i.e., triplamente solidária - nas suas características originais: na “procura”, com a “sociedade” e no “emprego” (Foucould 1994) - e cada vez mais participada, implicando o reforço da articulação entre “democracia representativa” e “democracia participativa”, ajustada a um campo político radicalmente redefinido e ampliado (Santos 1994), buscando: o exercício da cidadania para além do voto; o estabelecimento de mecanismos e canais permanentes de participação social; o fomento de novas parcerias institucionais; a criação de oportunidades de capacitação e informação para que a população assuma o seu próprio processo de auto-organização; etc.

1.4. Economia Solidária: o “antes” e o “agora”

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