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PARTE I | ECONOMIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL (SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO)

Grupo 11 Organizações Empreendedoras, Profissionais e Sindicais

1.3. A Economia Social no contexto português: organizações e respectivo percurso

1.3.3. Finais do século XVIII à primeira República (1926)

No novo contexto de emergência socioeconómica, com a “Questão Social” que a Revolução Industrial (que chega a Portugal mais tarde do que nos restantes países europeus - por volta do fim do primeiro quartel do século XIX) transporta para o seio da sociedade portuguesa, a ausência de instituições públicas que assegurassem a defesa dos direitos da “classe trabalhadora” fez com que tenham surgido “associações de trabalhadores” auto-organizadas, providenciando apoio nas situações de desemprego, doença, morte e incapacidade profissional.

Em consequência, floresce, no segundo quartel do século XIX, um novo tipo de movimento mutualista – Associações de Socorro Mútuo, a par de outras instituições com fins “mutualistas”, como p. ex.: as mútuas agrícolas e os sindicatos agrícolas (ambas ligadas à classe agrícola); as associações humanitárias de bombeiros voluntários (cobrindo todo o país no combate aos incêndios). Igualmente, naquele período, os “homens de negócio” e os “capitalistas” auto-organizam-se com vista à defesa dos seus interesses, criando “associações de negócios”, como a Associação Comercial de Lisboa e a Associação Comercial do Porto, ambas fundadas em 1834.

Por volta de 1840 o movimento cooperativo começa a ganhar expressão, sendo ainda um pouco frágil, se bem que objecto de suporte do Estado.

As condições legais e as conturbações políticas vividas então (entre 1832-34 ocorre uma guerra civil opondo de um lado os liberais e do outro os defensores do Antigo Regime) são no entanto fonte de alguma fraqueza e mesmo fracasso de muitas daquelas associações. Somente em 1891 foi criada legislação que possibilita a criação das chamadas “associações de classe” (constituídas por mais de 20 pessoas pertencentes à mesma profissão ou a profissões correlacionadas, com o propósito de defenderem os seus interesses económicos, industriais, comerciais ou agrícolas) bem como a integração das associações em movimentos de maior amplitude (uniões e federações). Não se pode negar que a partir da vitória das forças liberais se inicia um novo ciclo da ‘economia social’ portuguesa, ao atingir uma expressão mais significativa acompanhada de um novo “equacionamento intelectual”, destacando-se como maiores expoentes, para além de Andrade Corvo, os nomes de Silvestre Pinheiro Ferreira (em

1834 dá à estampa o seu “Projecto de um Banco de Socorro e Seguro Mútuo”), Alexandre Herculano (em 1844 no seu discurso acerca “Das Caixas Económicas” faz um forte apelo à organização associativa do crédito popular) e de António Alves Martins (bispo de Viseu, que versou, igualmente em 1844, sobre as “Grandes Questões da Economia Social”).

Os primeiros anos do século XX seriam os últimos do regime monárquico português. O fracasso do rotativismo dos partidos políticos (regime da monarquia constitucional apartidária) e a ditadura de João Franco conferiram à monarquia uma imagem negativa, agravada pelos escândalos sucessivos que envolviam a Casa Real. A situação favorecia os opositores ao regime, nomeadamente o Partido Republicano Português, que por essa altura acentuou a ofensiva contra o sistema (Alípio 2001).

A época de duração da República (1910-1926) é um percurso frágil, de regimes políticos várias vezes “refundados”, sem apoios externos significativos, continuando a deixar ao “liberalismo económico” as responsabilidades do crescimento e do seu equilíbrio.

“São os abalos da transição de um tipo de regime típico da Europa do século XIX para um outro, característico da Europa desenvolvida do século XX (…) [a exigir] da ‘democracia de massas’, condições sociais, económicas e de mentalidade inexistente no Portugal de começos do século XX.” (Telo, 1998, p.15)

Porém, é no âmago deste quadro político que são criados os primeiros seguros sociais obrigatórios (em 1911, a cargo das entidades patronais e seguradoras) na doença, invalidez e velhice, destinados a proteger todos os profissionais com mais de 15 anos e menos de 75, cujos rendimentos não excedessem certos limites.

1.3.4. Entre 1926 e 1974

Durante as duas primeiras décadas do século XX a instabilidade política desencadeia um golpe de estado militar (28 de Maio de 1926) com o qual é abolida a Primeira República. A subida de António de Oliveira Salazar a Presidente do Conselho de Ministros vai dar início a um longo consulado (1932 a 1968) que se institucionalizou no “Estado-Novo”: “regime autoritário corporativo, regido pela constituição política de 1933 (…) estabelecido numa base largamente pessoal, fundado em convicções doutrinais fortes e claras e num pragmatismo manobrador” (Franco, 2004, pp.249-252).

Foi então uma época marcada por 48 anos de autoritarismo – salazarismo, em que se assiste à estagnação e mesmo declínio do movimento associativo. A liberdade de associação era vista como contrária aos interesses nacionais e por isso proibida, não se estranhando pois que neste período tenha ocorrido um decréscimo no número de OES em geral e, de uma forma particular, do movimento mutualista (um dos outros factores associado ao declínio do movimento associativo deu-se com a introdução compulsória do sistema de segurança social, cobrindo os risco de doença, incapacidades profissionais, morte e apoio à sobrevivência).

Um dos traços característicos do regime baseou-se na estatização e controlo governamental de todas as instituições públicas e sociais, das universidades aos sindicatos. Neste sentido, o regime necessitava de criar instrumentos de conciliação forçada dos conflitos económico-sociais, passando a Constituição a considerar os organismos corporativos como os “elementos estruturais da Nação”, cabendo ao Estado a criação de uma “economia nacional e corporativa”, baseada na cooperação e solidariedade da propriedade, do capital e do trabalho (Franco 2004).

O “corporativismo de Estado” prevaleceu sobre o “corporativismo de associação”, e em vez de ser um instrumento de auto-direcção da economia e das relações de trabalho, a organização corporativa foi essencialmente um instrumento de regulação estadual da economia e de submissão da organização dos trabalhadores. O Código Administrativo de 1936-40 submeteu a total controlo governamental as “pessoas colectivas de utilidade pública administrativa” (misericórdias, bombeiros e outras associações humanitárias).

Por junto, em 1933 foi dado início à estrutura corporativa do Estado-Novo e ao mesmo tempo à destruição do sindicalismo livre anterior (que passou a ser de “corporativismo sindical” – enquadramento dos trabalhadores no espartilho dos sindicatos nacionais únicos, constituídos por profissões, com base distrital, sem meios e submetidos ao controlo do Estado) e implementação, primeiramente, dos “grémios obrigatórios”, “sindicatos” e “casas do povo”, e, posteriormente, dos “grémios facultativos” e “grémios da lavoura” (1934), das “casas dos pescadores” (1937) e das “corporações” (1938).

Paralelamente, as “cooperativas” eram estimuladas, especialmente as de cariz agrícola, mas constantemente “vigiadas” pelo Estado.

Só nos finais dos anos 60 com a conquista de vários sindicatos importantes por trabalhadores independentes do poder, é que os mesmos passaram a funcionar como verdadeiros instrumentos de luta dos trabalhadores.

É igualmente por esta altura, depois de 1965, que o declínio do movimento mutualista começa a ser “estancado”, com as tentativas políticas de oposição ao regime autoritário e, em particular, após a morte de Salazar e a consequente subida à “liderança” do país de Marcelo Caetano – durante a sua governação a criação de associações era tolerada, desde que não prosseguissem fins políticos.

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