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PARTE I | ECONOMIA SOCIAL, ECONOMIA SOLIDÁRIA E DESENVOLVIMENTO LOCAL (SUSTENTÁVEL E SOLIDÁRIO)

ECONOMIA SOCIAL E SOLIDÁRIA

1.1. Do conceito de Economia Social

A ‘economia social’ pode ser conhecida por vários termos, consoante os contextos históricos e socioculturais em que se insere e evolui. São então usuais as referências: Economia Social, Terceiro Sector e Terceiro Sistema (comuns na União Europeia); Sector Não Lucrativo (ou Nonprofit Organizations, utilizada nos países anglo-saxónicos, sobretudo nos E.U.A.); Economia da Sociedade Civil (Itália); Economia do Povo (Alemanha); Economia Comunitária (Canadá); Economia Popular e Solidária (Brasil); Economia Solidária (utilizada correntemente nos países latinos da América do Sul e, recentemente, na Europa, em particular em França, e, de alguma forma, em Portugal) (Nunes et al., 2001, p.20).

Independentemente da sua expressão, a ‘economia social’ constitui, de certo modo, um paradoxo conceptual, uma vez que a economia faz parte da dimensão social das sociedades (“economia”, entendida como actividade de transformação da natureza visando satisfazer as necessidades dos homens), e assim, ela própria deveria ser “economia social”, na medida que deveria estar subordinada a objectivos ligados ao bem-estar colectivo (Campos 1992).

No entanto, a contradição supra tem sentido em sociedades cuja actividade qualificada de “economia” se diferenciou de forma significativa de outros aspectos da existência; é o caso de sociedades como a nossa em que a troca, nomeadamente a troca monetária, ocupa um lugar importante. Neste quadro, importa, todavia, não considerar a “economia” como um domínio isolado do conjunto da vida social e assim tentar encaixar a ética económica na ética social (Arnsperger e Parijs, 2004, pp.7-8).

De qualquer forma, a expressão “social” pode ser uma síntese feliz pelo facto de enquadrar actividades que se preocupam com problemas de natureza social no seu sentido mais estrito e, ao mesmo tempo, usar recursos da economia para o seu desempenho (Dias 2005). Ora, independentemente da designação que se utilize, devemos consciencializar-nos que as suas organizações possuem uma missão diferente da que é própria das empresas com fins lucrativos ou do governo (Drucker 1997).

Por exemplo, os belgas do conselho Valão da Economia Social adoptam a seguinte definição: “a Economia Social é composta por actividades económicas do tipo associativo, fundada sobre os valores da solidariedade, da autonomia e da cidadania” (Jeantet, 2003, p.34).

Já Charles Gide, referido por Manuela Coutinho (2003, p.47), utilizava a expressão de ‘economia social’, definindo-a como “conjunto formado por diversas organizações, como cooperativas, ou outras, que incorporam critérios de funcionamento solidário”.

Ainda, segundo Thierry Jeantet (2003), a ‘economia social’ pode ser vista como uma forma privada de propriedade assente num contrato democrático de acções, sempre com dimensão social, podendo ter objectivos económicos, financeiros ou culturais e desportivos.

Em resumo, podemos concluir que a “economia social é um sector económico privado com objectivos públicos, sociais ou colectivos” (Vidal, 2001, p.144), já que as suas “empresas” pertencem ao campo económico, pois exercem actividades produtivas pela afectação de recursos à satisfação de necessidades, grande parte delas não solventes pelas organizações da economia mainstream (Defourny et al. 1990).

1.1.1. Componentes Organizacionais

Com recurso a João Estêvão (1997, p.31), é possível compreendermos as causas do crescimento e evolução da ‘economia social’ a partir da combinação de duas linhas explicativas complementares:

i) a microeconómica (afectação de recursos, organização e comportamento do mercado) - aponta para a identificação (por parte das OES), em cada momento, das falhas do mercado não satisfeitas pelo sector público;

ii) a macroeconómica (evolução tecnológica e socio-organizacional, crises, erosão dos mecanismos de regulação) - radica, fundamentalmente, na explicação da dinâmica do Sector para o campo das respostas da Sociedade Civil a fases do ciclo económico em que o menor desenvolvimento (económico e social) não proporciona a satisfação de certas necessidades sociais a certos grupos de cidadãos.

Em concomitância, a ‘economia social’ é, por assim dizer, constituída por um conjunto de entidades de carácter privado, dotadas de responsabilidade própria e objectivos sociais, independentemente das actividades desenvolvidas. A essência que as distingue resulta do facto das suas actividades se subordinarem, bem como os recursos por elas colectados, a uma lógica de prossecução de valores sociais assentes na abordagem dos problemas com essa índole e utilizando, para esse efeito, os recursos disponíveis (Dias 2005).

Muitas das organizações sem fins lucrativos de hoje emergiram de instituições de fraternidade e de solidariedade, com objectivos de entre-ajuda; ou seja, muitos movimentos

no passado constituíram-se como verdadeiros suportes sociais, garantes do desenvolvimento das comunidades, pondo em marcha espaços que séculos mais tarde se considerou fazerem parte do domínio da ‘economia social’ (Coutinho, 2003, p.17).

Quadro 1. - Origens das Organizações da Economia Social Guildas

Século VII

Surgidas no Norte da Europa eram associações de defesa mútua e religiosa que prosseguiam fins de assistência mútua em caso de doença, incêndio, etc.

Confrarias

Século VII

Eram associações destinadas a incrementar o culto público, sem exclusão das obras de caridade. Designavam-se de várias formas como: irmandades, congregações, uniões ou associações.

Compagnonnage

Século XI

Foi um dos primeiros compromissos assumidos por grupos profissionais – “fraternidades operárias” -, tendentes à criação de espaços de solidariedade para protecção mútua e desenvolvimento. Constituídas por operários artistas tinham por missão construir obras de arte, em especial catedrais e edifícios religiosos. Deram origem à Maçonaria (“maçon”, o que construía as catedrais), aparecendo como os primeiros humanistas. Criavam círculos de “iniciação”, onde transmitiam os seus conhecimentos (em segredo).

Consórcios

Século XII

Organizavam-se como “irmãos”, formando vários consórcios, como os “Consórcios da Morte” – cuidavam dos funerais dos “irmãos”.

Corporações de Ofícios e Confrarias

Século XII

As Corporações, surgidas no século XII, tornaram-se organizadas como associação profissional de cariz laico (civil) no século XIII (como p. ex. dos sapateiros), com a chegada dos ofícios (“métiers”) à direcção das cidades e sequente criação de manufacturas. Os membros tinham apoios sociais, como na doença e na morte, chegando a ter um sistema de monopólio do mercado de trabalho, uma vez que qualquer novo artesão precisava de autorização da corporação para exercer o ofício.

Quanto às Confrarias, estas eram corporações com conteúdo religioso (com o seu santo, o seu estandarte, as suas procissões – sob o domínio da Igreja), com regulamentos muito “fortes”, funcionando como socorros mútuos.

Montes de Pietá

Século XV

Surgiram na Itália (Ascoli), em 1458, como uma obra de carácter estritamente religioso e social inspirada na caridade cristã e promovida pelos franciscanos.

Fonte: Adaptado de: Coutinho 2003; Estivill 2005.

Por influência da Revolução Francesa a grande maioria das instituições acima vai perdendo força, como aconteceu em França com a lei “Lechapelier” (1791) que suprime o direito associativo com o argumento de que os homens são iguais perante a lei e o que as instituições fazem é criar um sistema de privilégios (direitos ligados a algumas pessoas – aristocracia) (Gueslin 1987), ressurgindo depois em força com o desenrolar do processo de industrialização, como é exemplo o sindicalismo (1845) abraçado pelos trabalhadores que se viram forçados a unir-se de novo perante a crise do trabalho que então se registou (buscando na “associação” um compromisso para a solução dos seus problemas) (Coutinho, 2003, p.31).

Actualmente, segundo Mário Caldeira Dias (2004, p.171), é de considerar a actuação das Organizações da economia social em dois vectores essenciais (em simultâneo ou “de per si”): i) o da acção social concreta, dirigida a grupos desfavorecidos ou excluídos - uma parte das Organizações que actuam neste domínio acaba por se constituir como “prolongamentos” do Estado na área social, através do sistema de “contracting out” (transferência da provisão de bens e serviços quase-públicos do Estado para as OES). ii) o que considera formas alternativas de estar no mercado, cuja finalidade primária não é o lucro - o carácter lucrativo ou não lucrativo das organizações que actuam no mercado, distingue-as, no sentido de que as primeiras assumem um critério de viabilidade e as segundas de sustentabilidade (não é posta de parte a realização de lucros, mas sim o destino que se dá à aplicação desse excedente; uma vez que ele é conseguido no mercado, deverá reverter para uma utilização com fins e objectivos sociais).

De acordo com a definição Internacional do Sector Não Lucrativo (ICNPO)10 as organizações que nele se integram exercem como principais funções as estabelecidas no (Quadro 2.):

Classificação Internacional do Sector Não Lucrativo

Grupo 1 Cultura e Recreio

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