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Dados gerais sobre a publicidade e sua relação com os textos

5 A MODELAGEM DO LEITOR NA PUBLICIDADE E NAS REPORTAGENS DA

5.1 Dados gerais sobre a publicidade e sua relação com os textos

Apresentaremos a seguir as pistas da modelagem do leitor identificadas nos anúncios publicitários, reportagens e cartas de leitores publicadas em duas edições da revista Nova Escola (nº 196, out. 2006 e nº 198, dez. 2006). Alguns procedimentos foram tomados para análise da publicidade na revista, a saber: registramos, para cada texto publicitário identificado, o produto que estava sendo anunciado e seu anunciante, a chamada principal do anúncio, sua disposição na página (se está disposto ao lado direito ou esquerdo do leitor) e a quantidade de páginas que ele ocupa na revista. Esse registro nos permitiu organizar os dados, agrupando-os em três conjuntos de informações. O primeiro conjunto nos dá uma idéia da composição da revista em termos de porcentagem de textos publicitários, mostra o valor aproximado arrecadado dos anúncios e evidencia os produtos anunciados e sua relação com a modelagem do leitor. O segundo traz dados referentes aos efeitos da disposição da publicidade na página e sua localização na revista. O terceiro conjunto caracteriza-se pela análise do discurso das chamadas principais dos anúncios publicitários e a relação que estabelecem com o discurso editorial da revista implícito nas cartas dos leitores.

As edições de outubro (nº 196) e dezembro (nº 198) têm, respectivamente, 78 e 74 páginas, sendo que 25 páginas inteiras66 são ocupadas por anúncios publicitários. Isso permite dizer que, em média, 32% do conteúdo da revista correspondem a páginas inteiras de anúncios publicitários e 68 % a páginas editoriais.

Um outro ponto que merece destaque é a arrecadação oriunda dos anúncios. Consta no site da FVC que o preço do anúncio de uma página inteira é de R$ 33.000,00, e de 1/3 de página vertical R$ 16.500,00. Sendo assim, podemos dizer que cada edição da revista arrecada cerca de R$ 840.000,00 com os anúncios.

Frade (2000) evidencia, em sua pesquisa, o posicionamento adotado pelas revistas pedagógicas67, pois alimentam o consumo de produtos internos, sendo que algumas evitam a publicidade externa para não se parecerem com as revistas que têm objetivos comerciais. A autora destaca ainda que, além de a publicidade sustentar muitos projetos editoriais, ela visa

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Na edição de outubro há, além das 25 páginas inteiras ocupadas por publicidade, dois anúncios que ocupam 1/3 da página vertical; na edição de dezembro há apenas um anúncio que ocupa 1/3 da página vertical.

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A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

ampliar e democratizar a leitura para camadas populares e é também uma forma de agregar prestígio, capital simbólico68. Uma das características que marcam a diferença entre as revistas analisadas por Frade e a Nova Escola é que esta última apresenta uma quantidade grande de publicidade. Parece que sua preocupação é, acima de tudo, manter baixo o custo da revista para o leitor, mesmo que isso faça com que ela tenha que se nutrir de publicidade externa, incorporando assim, traços de uma revista comercial.

É interessante verificar quais são os produtos anunciados na publicidade da revista Nova Escola, pois eles deixam pistas sobre as práticas e objetos que compõem o imaginário criado a respeito do modelo ideal de professor e de ensino.

Nas duas edições da revistas identificamos 48 anúncios, que foram, por sua vez, classificados em oito categorias construídas a partir do tipo de produto divulgado. A tabela 1 mostra na primeira coluna as categorias criadas e, na segunda e terceira colunas, a freqüência com que as categorias aparecem nos anúncios publicitários analisados nas duas edições. Na quarta coluna temos os totais das inserções publicitárias por categorias.

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O capital simbólico refere-se à imagem, ao prestígio do sujeito em um campo ou na sociedade em geral. Segundo Nogueira e Nogueira (2004), bens simbólicos seriam classificados e esta hierarquia inerente à classificação reforçaria as hierarquias sociais. Isso acontece porque os sujeitos também são classificados pelo tipo de bem que consomem e apreciam. Assim ocorre a distinção entre os grupos socialmente inferiorizados e superiores. O autor usa o termo capital

cultural para se referir ao poder que advém da produção, apreciação e consumo dos bens culturais socialmente

dominantes. Os sujeitos tendem a ganhar mais prestígio num determinado campo ou na sociedade se eles consomem e produzem os bens classificados como superiores). Os autores acima citados explicam que existiriam outros tipos de capitais, não só aquele vinculados ao econômico, que seriam o capital social e o capital simbólico. O primeiro diz respeito aos diferentes tipos de contatos (familiares, amigáveis ou profissionais), ou seja, às relações sociais que o indivíduo mantém. Bourdieu pensa que o sujeito poderia se beneficiar de alguma forma por meio desses contatos e principalmente da qualidade desses contatos, isto é, da posição social por eles ocupada e do volume de capitais (social, simbólico, cultural ou econômico) que detêm. Bourdieu entende que esses tipos de capitais são riquezas de diferentes naturezas e elas estruturam a realidade social. Neste estudo nos interessa explorar a noção de capital simbólico, compreendendo os fatores que fazem parte da produção da legitimidade e autoridade de um sujeito (ou instituição).

TABELA 1

Quantificação das categorias identificadas no conjunto de anúncios publicitários publicados nos números nº 196 e nº 198 da revista Nova Escola

Categorias Número de vezes em que aparece na edição nº 196 Número de vezes em que aparece na edição nº 198 Soma das inserções nas duas edições

1 - Atitudes do professor perante o ensino -- 3 3

2 - Material didático (livros didáticos, sistemas de

ensino, dicionários, revistas do grupo Abril) 13 11 24

3 - Ensino tecnológico (softwares e produtos de

informática para escolas e para o professor) 1 3 4

4 - Formação do professor (capacitação profissional

por cursos a distância, encontros e leituras) 2 2 4

5 - Atividades pedagógicas extra-escolares (museus,

resort pedagógico, hotel fazenda que oferece

programas de estudos para escolas)

2 1 3

6 - Fundação Victor Civita (anúncio destinado aos agradecimentos a parceiros institucionais,

lançamentos de produtos e ações desenvolvidas pela FVC)

1 2 3

7 - Oficina pedagógica (atividade que ensina a fazer algum trabalho manual, receita culinária) e Informe publicitário (mescla de texto com receitas)

2 1 3

8 - Serviços (serviço bancário; possibilidade de

revenda de produtos pelo professor) 3 1 4

Fonte: Dados compilados pelo autor.

Os produtos anunciados nas duas edições da Nova Escola deixam pistas a respeito das características constitutivas do modelo de leitor-professor que a revista quer instituir. Os anúncios publicitários das categorias 2 (Material didático: livros didáticos, sistemas de ensino, dicionários, revistas do grupo Abril) e 4 (Formação do professor: capacitação profissional por cursos a distância, encontros e leituras) nos levam a pensar em um professor que deve buscar aperfeiçoamento e especialização de seu conhecimento por meio dos cursos a distância, encontros e materiais de leitura, como livros e revistas, e pelo acesso a bens culturais; ele deve dominar ferramentas do campo tecnológico para usá-las em sua prática pedagógica e estar conectado ao mundo pela via da tecnologia (anúncios da categoria 3 - Ensino tecnológico: softwares e produtos de informática para escolas e para o professor). A publicidade deixa pistas relacionadas ao poder aquisitivo do leitor, ao mostrar a possibilidade de este revender produtos. Está implícita a necessidade de complementação de sua renda69 (categoria 8: Serviço bancário; possibilidade de revenda de produtos pelo professor). Os

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Podemos cruzar esta pista deixada pela publicidade com um dos dados extraído de uma pesquisa realizada para traçar o perfil dos leitores da revista. Sobre a classe social dos leitores: 28% pertencem à classe C; 45% à classe B e 15% à classe A. Os dados podem ser consultados no site do grupo Abril na página destinada aos anunciantes.

A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

anúncios publicitários alocados na categoria 1 (Atitudes do professor perante o ensino) não apresentam produtos para venda. Seus enunciados visam valorizar a ação pedagógica, de modo a incentivar o trabalho docente.

A partir da leitura da tabela 1 é possível afirmar também que não há uma grande variação em relação à quantidade e o tipo de produtos anunciados nas duas edições da revista Nova Escola, mas há um dado bastante expressivo, que mostra que 50% da publicidade, ou seja, 24 dos 48 anúncios, correspondem à publicidade de materiais didáticos (categoria 2), ou seja, livros didáticos, revistas do grupo Abril, dicionários etc. (24 anúncios)70. Frade (2000, p. 97) chama a atenção para o fato de que é necessário ver os graus de influência/dependência das estratégias comerciais e de marketing na imprensa pedagógica. Os dados mencionados nos levam a pensar sobre o grau de autonomia que a revista estabelece na relação com a editora e as influências/conseqüências dessa relação para a política de produção da revista, para as formas de organização do impresso e os efeitos da publicidade para a leitura ou para os modos de ler.

Observando a disposição e localização dos anúncios publicitários na revista, constatamos que todos os que ocupam uma página inteira estão dispostos à direita do leitor. As escolhas do editor não são aleatórias e isso nos permite inferir que há certas intenções em destacar a publicidade na Nova Escola. Quando se folheia a revista, a página com publicidade aparece primeiro no campo de visão do leitor, que demora alguns segundos a mais na sua leitura. Mesmo que seu desejo seja continuar lendo a matéria, ele vai olhar alguns elementos da publicidade, fazendo uma leitura fugaz para então continuar com a leitura do texto disposto na página esquerda. Essa interrupção provocada pela publicidade faz com que o leitor descanse o olhar e faça uma pequena pausa, que deixa a leitura do texto editorial menos densa.

Verificamos que grande parte da publicidade é disposta entre os textos. A sua inserção parece ter também uma intenção quanto à organização da leitura, já que, ao ser intercalada com o texto editorial, sinaliza geralmente o local onde termina e começa um texto editorial. Essa estratégia faz com que o leitor possa antecipar informações relativas à própria organização e composição da revista.

Poderíamos supor um outro intento do editor com essa organização seqüencial dos textos na revista. Os sentidos produzidos pelos anúncios publicitários podem ser encadeados

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Consta no site do grupo Abril a informação de que esse grupo detém a liderança do mercado brasileiro de livros escolares

com as editoras Ática e Scipione que, em conjunto, publicam mais de 4.000 títulos e detêm 30% do mercado brasileiro privado de livros escolares: 37 milhões em 2005.

com aqueles produzidos pelos demais textos. Esta é um das razões pelas quais a investigação da produção de sentidos deve levar em conta a materialidade do suporte no qual o texto é dado a ler; isto significa não tomar o texto de forma isolada do veículo. Em relação isso, Barzotto (2003, p. 148) destaca:

Esse é um espaço que importa para o estudo da materialidade da revista enquanto objeto portador de textos: uma distribuição dos textos em sua composição que forja a entrada de textos no campo de visão do leitor, através do movimento de folhear, provocando a leitura de alguns elementos que acabam estabelecendo relações entre textos de naturezas diversas. Podemos ver que a forma do veículo portador forja o manuseio, imprime determinadas formas de ler, assim como certos sentidos. Cabe-nos agora apontar a produção de um sentido comum entre os anúncios publicitários e a voz editorial implícita nas cartas de leitores.

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