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O encadeamento de sentidos nos anúncios publicitários e nas cartas de

5 A MODELAGEM DO LEITOR NA PUBLICIDADE E NAS REPORTAGENS DA

5.2 O encadeamento de sentidos nos anúncios publicitários e nas cartas de

Alguns elementos do discurso publicitário e das cartas de leitores contribuem para inscrever a identidade do professor ideal caracterizada nos objetos (produtos anunciados), práticas pedagógicas, atitudes e comportamentos que configuram esse modelo de leitor (professor) que a revista quer formar71. Vejamos de que forma essa modelagem aparece.

Parece haver um intento em algumas chamadas principais dos anúncios, em forjar uma ação, uma tomada de iniciativa por parte do leitor, que deve agir com a intenção de produzir mudanças na educação dos alunos. Essa intenção pode ser vista nas chamadas principais dos anúncios apresentados na figura 14.

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Em cada edição da revista são publicadas em média onze cartas de leitores, sendo que uma delas recebe destaque com fonte em tamanho maior que as demais, cor diferente e negrito. Esta carta é disposta no topo superior direito da página, e ao seu lado esquerdo o leitor pode ver a reprodução da fotografia da reportagem comentada pela carta em destaque. Reproduzimos o texto de algumas cartas e as chamadas principais dos anúncios publicitários, e não a sua forma de composição, que faz uso de cores, linhas, diferentes tipologias e elementos que as destacam.

A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

a) “Melhor do que ver uma vida nascendo é trabalhar para isso”

b) “Você prepara seus alunos para pensar e viver? Nossa coleção também”

c) “A vida é o que é”... A gente é que pode ser mais! Um 2007 muito mais para você!

FIGURA 14 - Anúncios que incitam o leitor a agir.

Fonte: a) NE, no198, p. 11; b) NE, no198, p. 63; c) NE, no198, p. 7.

Em alguns anúncios observamos a intenção subjacente de provocar no leitor um deslocamento, entendido aqui como o processo em que o professor se dispõe a incorporar um conjunto valores e práticas (divulgadas na revista) como condição necessária para se alcançar uma educação de qualidade e transformar a realidade educacional. Essa intenção pode ser vista também nas cartas que deixam entrever intenções editoriais que visam dar ordens ao leitor. A seleção e a edição das cartas que serão publicadas em cada edição não são, portanto, aleatórias, uma vez que o editor as usa em conformidade com seus objetivos, que serão evidenciados adiante. Algumas cartas mostram que os próprios leitores incentivam seus pares (os professores e educadores) a fazerem o “deslocamento”:

[...] Aplausos aos professores que já tomaram iniciativas construtivas para diminuir as formas de violência, como o distanciamento (NE, nº 198, p. 10). O troféu vai para os 3.851 inscritos que se esforçaram para cooperar com esta nona edição. Que nós, educadores, tenhamos sempre a consciência de que a função primeira da escola é o trabalho didático à frente até dos sociais (“E o troféu vai para...”, setembro) [carta referente ao Prêmio Victor Civita] (NE, nº 196, p. 8).

As cartas acima elogiam os educadores que tomaram iniciativa para agir e promover transformações a partir de sua ação no ensino e, conseqüentemente, tentam atribuir ao professor a responsabilidade por produzir tais transformações. Parece que um outro objetivo

do editor é evidenciar, pelas cartas, o deslocamento ocorrido com certos leitores, que devem ser tomados como exemplo de leitor-professor. Vejamos como isso aparece nas cartas:

Além de continuar a história iniciada por Flavio de Souza, meus alunos montaram uma maquete do quarto de Pedro. Alguns ficaram tão empolgados que fizeram um roteiro para apresentar o conto em sala de aula. (CRIC, CREC, CRÁS!, novembro). (NE, nº 198, p. 10).

Fiquei emocionada ao ler sobre a visita à exposição do grande artista Alfredo Volpi. Meus alunos e eu fomos à mostra e descobrimos que a arte abre muitas portas. (“Passeio com Volpi”, setembro) (NE, nº 196, p. 8).

Podemos inferir, nas cartas, que esses professores, na ótica da revista, fizeram o movimento desejado pelo editor, uma vez que leram determinado texto de Nova Escola e, a partir dessa leitura, realizaram atividades, passeios etc. Observamos que são raros os momentos em que o professor é criticado ou questionado diretamente pelo editor, na revista. Podemos entender isso como uma estratégia para evitar qualquer conflito ou tensão com seu leitor. Esta pode ser a razão para que a crítica endereçada ao professor apareça não na voz do editor, mas do leitor. Vejamos as seguintes cartas publicadas na edição de dezembro de 2006:

De nada adiantariam as leis se não se coloca em prática o que é realmente necessário para a inclusão. Fala-se muito no despreparo dos docentes, no descaso do governo e em muitos empecilhos ao êxito do processo. A questão é: como propor a inclusão se nem os alunos ditos normais são assistidos adequadamente? (NE, nº 198, p. 10).

Com entusiasmo, vejo educadores preocupados em promover ações que visam incluir a realidade de fora dos portões da escola entre os temas abordados em classe. Ou enxergamos essa realidade ou caminhamos na contramão da história (NE, nº 198, p. 10).

Nessas cartas é possível captar a polifonia das vozes. Ducrot (apud MAINGUENEAU, 1997), um dos autores que desenvolveram propriamente uma noção lingüística deste conceito, questiona a afirmação de que o enunciado só pertence ou só estabelece relações com um único autor, aquele que enuncia. Ele insere a idéia da cisão do sujeito no plano do enunciado, na medida em que existem enunciadores, que “são seres cujas vozes estão presentes na enunciação sem que se lhes possa, entretanto, atribuir palavras precisas; efetivamente, eles não falam, mas a enunciação permite expressar o seu ponto de vista”, e locutores, aqueles se apresentam como os responsáveis pelo que é enunciado, mas o texto não os indica (p. 77).

Parece-nos que a voz do editor está implícita nas cartas acima apresentadas. É provável que ele compactue com o que é dito nelas, mas não aparece como o responsável pelo enunciado, pois quer se proteger das possíveis sanções decorrentes da crítica feita.

Ao mesmo tempo em que se cobra, sutilmente, uma ação a ser feita pelo leitor, as cartas e os anúncios publicitários buscam valorizar a docência, de modo que o professor se

A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

sinta suficientemente importante para implementar as ações sugeridas pela revista, promovendo o “deslocamento” mencionado anteriormente. Podemos citar três anúncios que ilustram essa estratégia (FIG. 15).

a) “Os alunos têm o brilho das estrelas. Os professores, a magnitude de astros. E o Sistema Maxi, um universo de

conhecimento”

b) “Quem cuida do nosso futuro merece um cuidado especial”. Homenagem da Nossa Caixa ao Dia do Professor”

c) “Vocês passam a vida ensinando os outros a pensar. Vai ver que é por isso que a gente aprendeu a pensar em vocês!”

FIGURA 15 - Anúncios que visam enaltecer a profissão docente.

Fonte: a) NE, nº196, p. 19; b) NE, nº198, p. 15; c) NE, no198, p. 79.

Até agora vimos que as cartas publicadas e os anúncios publicitários: a) provocam o leitor no sentido de mobilizá-lo sobre a potencialidade de sua ação no ensino; b) incentivam o leitor a tomar iniciativa e realizar atividades que podem transformar a realidade; c) elogiam e evidenciam a ocorrência do deslocamento; d) chamam a atenção do leitor num tom de advertência para que ele tome alguma atitude que leve ao deslocamento; e) valorizam o professor e sua profissão colocando-a como uma ferramenta fundamental, capaz de gerar transformações sociais. Todas essas intenções dizem respeito às ações que o professor deve executar no ensino de seus alunos. No entanto, o deslocamento que a revista quer instituir no leitor tem também uma outra dimensão, que não se limita à transformação do outro (do aluno), mas também de si mesmo, isto é, o professor deve também transformar-se.

Esse processo de transformação sugerido pela revista pode ser iniciado com a busca de formação e aperfeiçoamento do conhecimento por parte do leitor-professor. Apresentamos uma carta de leitor e um anúncio publicitário que mostram esse intento na revista:

É imprescindível investir na realização de mestrado e doutorado, no acesso a instrumentos que aperfeiçoem a prática e proventos condizentes com a tarefa

de formar cidadãos. Preparados e valorizados, vamos exercer a profissão mais dignamente e promover resultados para alcançar o nível pretendido. (NE, nº 198, p. 10).

A formação do professor é instituída na revista pela publicidade de curso de atualização a distância, como se pode ver na figura 16.

FIGURA 16 - Anúncio publicitário que incentiva o leitor a buscar formação acadêmica.

Fonte: NE, no 196,

Uma primeira observação decorrente da leitura desse anúncio é que ele não só inscreve a formação do professor como algo indispensável à sua profissão, mas também, sutilmente, configura uma identidade para o professor, o leitor, ao afirmar: “Aulas indispensáveis para você fazer o que mais gosta: dar aula”. Isto pode não ser, necessariamente, a coisa que o professor mais goste de fazer. No entanto, parece que a intenção do anúncio é justamente criar uma imagem de que o bom professor é aquele que tem o ensino como o seu maior prazer na vida. É como se a Nova Escola inscrevesse um valor que constitui a identidade dos bons professores72. Este é um exemplo representativo da função identitária da linguagem (FAIRCLOUGH, 2001) que se refere aos modos pelos quais as identidades sociais são inscritas no discurso.

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É interessante destacar que o tema da inclusão aparece em diferentes partes da revista; na seção de cartas dos leitores, em uma reportagem, no anúncio publicitário apresentado nesta página referente a um curso de atualização de Educação Inclusiva e em um anúncio publicitário da Fundação Victor Civita relativo à venda da revista Especial de Inclusão.

A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

Um elemento marcante na revista é a presença da tecnologia no ensino. O professor deve acompanhar as mudanças, conhecer e usar a tecnologia, seja na vida pessoal ou profissional. Nova Escola deixa, para o leitor, a função de dizer sobre a realidade dos professores e a insegurança em relação ao uso de recursos tecnológicos. Desse modo, além de “chamar a atenção” do professor, as cartas têm o efeito de incentivá-lo a buscar conhecimento, uma vez que a leitora diz sobre os efeitos positivos gerados pela leitura da reportagem no que se refere ao uso da tecnologia no ensino. A carta abaixo produz um efeito de sentido que direciona o leitor a pensar em como a revista leva à ação, à transformação, à implantação de uma sala de informática.

Acabamos de implantar a sala de informática. Portanto, as dicas foram importantes, principalmente as destinadas aos pais. Vamos divulgá-las para que todos aprendam (NE, nº 196, p. 8).

As cartas de leitores revelam a forma como o professor lida com a tecnologia e tentam tornar possível o deslocamento do leitor por meio de incentivo e orientações dadas nas reportagens. Cabe ao leitor tomar providências e dar o primeiro passo, que poderia ser a compra de um computador ou software oferecidos nos anúncios publicitários da revista. Esses anúncios estão destacados na figura 17.

Esses anúncios deixam pistas sobre a forma como o ensino moderno é representado na revista Nova Escola. A tecnologia é considerada o elemento que garante a qualidade na educação, o que nos permite inferir que a noção de qualidade no ensino está sendo aqui relacionada apenas com a sua “tecnologização”. Um outro aspecto que vale destacar é que o último anúncio insere a figura da mãe-professora, que não só usa a tecnologia na elaboração de suas aulas, mas compartilha essa produção com sua filha. Duas representações estão subjacentes a esse anúncio: a relação de cumplicidade entre mãe e filha e a relação delas com o saber mediado pelo uso de recursos tecnológicos.

a) “Quem conhece se apaixona”. Imagine um professor trabalhando em sala de aula com aulas “eletrônicas”

b) “Rose esta mostrando para a filha o trabalho que fez hoje. O trabalho que ela fez para os alunos da sua escola”.

FIGURA 17 - Anúncios que incentivam o leitor a utilizar recursos tecnológicos

Fonte: a) NE, no196, p. 23; b) NE, no196, p. 2-3.

Alguns anúncios tentam fazer crer que o ensino moderno poderá ser alcançado com a adoção do material didático anunciado e com o uso da tecnologia (FIG. 18).

FIGURA 18 - Anúncio de livro didático “Tudo se encaixa quando sua escola adota um projeto de ensino moderno e integrado”.

Fonte: NE, no198, p. 67.

É possível observar que as palavras “moderno” e “integrado” reforçam a idéia de como deve ser a configuração do ensino apresentada nos anúncios anteriores.

A modelagem do leitor na publicidade e nas reportagens da revista Nova Escola

A publicidade na revista Nova Escola inscreve alguns valores, comportamentos e práticas que constituem uma identidade do professor, um modelo de ensino, e tenta oferecer ao leitor todas as condições para que ele possa de fato “deslocar-se” e colocar em prática o que a revista propõe. São oferecidos materiais didáticos, cursos a distância, recursos tecnológicos (softwares e computadores), ou seja, todos os elementos que, na ótica da revista, possibilitariam a implementação de um ensino de qualidade, moderno e tecnológico.

À luz dessas considerações podemos afirmar que há um sentido resultante da combinação do discurso publicitário, das vozes dos leitores e do editor implícito nas cartas. Há uma intenção subjacente nos anúncios publicitários e editoriais, que é a de interpelar o leitor levando-o a agir sobre sua realidade escolar. Discursivamente, a revista projeta uma identidade profissional que é constituída pelas competências, habilidades, valores e práticas a serem incorporadas pelo leitor-professor. A revista, ao instituir um leitor, cobra dele uma forma de se portar. Na análise apresentada, essa “cobrança” inscrita na publicidade e nas cartas dos leitores não se desvincula de um eixo norteador da revista, que é fazer o leitor agir, ou seja, possibilitar o deslocamento por meio da instituição de novas práticas, atitudes e valores, e a criação de um novo professor para uma Nova Escola. A revista quer instituir essa identidade do sujeito, mas quais seriam as condições necessárias que tornariam o seu discurso eficaz a ponto de levar o leitor a se deslocar? Esta questão poderá ser mais bem respondida nos próximos itens.

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