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O ethos – a inscrição da legitimidade do discurso nas seções da revista

4 A MODELAGEM DO LEITOR NAS SEÇÕES DE NOVA ESCOLA

4.5 A análise textual das seções da revista Nova Escola

4.5.2 O ethos – a inscrição da legitimidade do discurso nas seções da revista

Na obra Economia das trocas lingüísticas, Bourdieu (1996) discorre sobre as condições sociais da eficácia do discurso. Ele usa o termo “capital de autoridade” para realçar que há, na interação entre os sujeitos, um jogo de poder em que se quer impor a recepção para o que é dito. Os sujeitos desejam ser escutados e, mais do que isso, desejam que considerem a sua linguagem como legítima. O autor explica que o poder e a força ilocucional das expressões não estão, propriamente, na substância lingüística da palavra, isto é, as palavras não encerram em si a força ilocucional. Esta provém da autoridade do enunciador, ou seja, da posição social que o locutor ocupa. Desse modo, Bourdieu chama a atenção para a questão de que o poder de suscitar uma ação só se efetiva porque existe um locutor que consegue agir sobre os sujeitos, criando neles certas disposições. Um enunciado está fadado ao fracasso quando aquele que se pronuncia não dispõe do poder para enunciá-lo, ou seja, quando não se tem autoridade ou não se é autorizado a dizer o que se propõe. Esse poder estaria situado nas condições institucionais de sua produção e recepção. O capital simbólico atribuído a um sujeito (ou instituição) torna-se o elemento que possibilita o reconhecimento e, conseqüentemente, a legitimidade atribuída ao discurso desse sujeito. O reconhecimento configura-se, portanto, como uma forma de crença e como uma condição fundamental para atribuição de autoridade a um discurso ou um grupo. Isso quer dizer que é necessário que uns reconheçam a legitimidade de outros para que, a partir desse reconhecimento, possam lhes conferir autoridade, instituindo estes outros sujeitos como aqueles que têm o direito de dizer ou estão autorizados a fazê-lo.

Os textos da revista Nova Escola buscam, a todo custo, construir uma imagem positiva e legítima dos sujeitos citados na revista. O editor quer convencer o leitor de que essas pessoas detêm certa autoridade e, por isso, figuram na revista. Conseqüentemente, o leitor deve consagrá-las e reconhecer-lhes a autoridade. O editor evidencia os “títulos” ou posições institucionais ocupadas pelos especialistas trazidos nos textos da revista. São destacados os dados acadêmicos e profissionais dos autores, as instituições (socialmente reconhecidas) em

A modelagem do leitor nas seções de Nova Escola

que atuam ou atuaram, suas publicações, instituições por eles fundadas etc. Em vez de focalizar a(s) teoria(s) dos autores, o que parece interessar à Nova Escola é a biografia dos sujeitos.

O modo como o editor se refere aos especialistas Chales Hadji – “grande pensador” (NE, nº 198, p. 17) – e Bourdieu – “esportista de combate” (NE, nº 198, p. 59) – também favorece a construção de uma imagem prestigiosa destes.

O ethos dos especialistas é construído de outra forma. Vejamos um exemplo:

Sem dramatizar os conflitos nem apresentar vítimas e culpados – o que seria muito simplório para uma questão tão profunda–, o pesquisador passou quase 20 anos estudando principalmente em escolas da periferia da França, a relação que as pessoas estabelecem com o conhecimento (NE, nº 196, p. 15, seção “Fala, Mestre!”).

É interessante notar o destaque dado ao fato de o especialista ter se dedicado ao estudo em escolas de periferia. Esse destaque pode ter sido feito a partir da imagem que o editor tem de um possível julgamento do leitor-professor dos sujeitos da academia que prescrevem ações sem nunca terem “pisado na escola e colocado a mão na massa”. Portanto, a inserção desse especialista na escola acaba por atribuir-lhe um valor altamente positivo e, conseqüentemente, da revista. Vale lembrar que o especialista se dedicou às escolas de periferia e, coincidentemente, os professores visados pela revista Nova Escola atuam também com alunos advindos das classes sociais menos privilegiadas. Isso nos leva a inferir que a informação destacada pode ter a intenção de produzir efeitos de identificação entre entrevistado e leitor.

Na seção “Pense Nisso” observamos que o colunista cria o próprio ethos ao homenagear dois pensadores de renome com quem teve contato. Ele diz: “Lembro aqui de dois deles, que homenageio em reconhecimento a tudo o que me ensinaram” (NE, nº 196, p. 64); “Paulo Freire, com quem tive o privilégio de manter uma longa amizade” (NE, nº 196, p. 64). O ethos é criado pelo que Bourdieu chama de capital social, que diz respeito aos diferentes tipos de contatos (familiares, amigáveis ou profissionais), ou seja, às relações sociais que um indivíduo mantém. Bourdieu pensa que o sujeito poderia se beneficiar de alguma forma desses contatos e, principalmente, da qualidade destes, isto é, da posição social por eles ocupada e do volume de capitais (social, simbólico, cultural ou econômico) que detêm. No momento em que o colunista anuncia sua amizade com autores mundialmente renomados, acaba construindo também uma imagem positiva de si, que deve ser reconhecida.

A construção do ethos da revista (e da FVC) ocorre também pelo discurso de autopromoção. Vejamos dois trechos extraídos da seção “Nova Escola On-line”:

[1] Como sempre, as atrações são de primeira. O show musical será da cantora Fortuna. Dona de uma voz refinada, a artista prepara um espetáculo exclusivo [...] (NE, nº 196, p. 10)

[2] O especial sobre Arte tem uma página exclusiva no site de Nova Escola. (NE, nº 198, p. 12, grifo nosso).

A qualidade do evento promovido pela FVC e do Especial de Arte é discursivamente construída pelas adjetivações vistas acima.

De modo geral, podemos dizer que o editor quer fazer crer que o ethos discursivo que constrói sobre os especialistas citados e a própria publicação correspondem ao ethos não discursivo. Isso significa, por exemplo, que ela pode atribuir certos padrões de qualidade à revista sem que essa publicação possua de fato esses padrões.

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