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A teoria do dano vem sofrendo severas mudanças no decorrer do tempo, em função da crescente valorização de bens extrapatrimoniais. Assim, partiu-se de um conceito de dano que se traduzia na efetiva diminuição do patrimônio de uma pessoa, para um modelo mais amplo, no qual o dano é entendido como “sendo a subtração ou diminuição de um bem jurídico, qualquer que seja sua natureza, quer se trate de um bem patrimonial, quer se trata de um bem integrante da própria personalidade da vítima”134

.

Percebe-se, então, que essas alterações na teoria do dano ocorreram na tentativa de reprimir a lesão a bens jurídicos não patrimoniais, como o dano moral clássico e, sobretudo, o dano ambiental.

Nessa mesma linha de raciocínio, Custódio pontua

[...] observa-se que a teoria do dano, consagrada pelo art. 159 do Código Civil anterior, reafirmada e ampliada pelo novo Código Civil (arts. 186 e 187), dilatou-se por força das novas exigências, notadamente sócio- econômico-ambientais do momento. Em decorrência do progresso científico, tecnológico, econômico, social, além da explosão demográfica [...], grave é a problemática da poluição ambiental em todos os setores da vida em sociedade, decorrente de condutas e atividades gradualmente diversas e perigosas ou arriscadas, com a preocupante explosão de danos ambientais, geralmente incalculáveis e irreparáveis, contra as pessoas físicas e

133

SIRVINSKAS. Luís Paulo. Tutela Constitucional do Meio Ambiente. São Paulo: Saraiva, 2008. p.12.

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CAVALIERI FILHO, Sérgio. Programa de Responsabilidade Civil. 8ª ed. São Paulo: Atlas, 2009. p. 71.

jurídicas, de direito público e privado, contra o seu patrimônio (público ou privado), com reflexos prejudiciais ao próprio País135. (grifos no original). Nesse contexto, é possível realizar uma breve comparação entre o dano clássico e o dano ambiental. Segundo Leite e Ayala, o dano tradicional está ligado à pessoa e aos seus bens individuais, sendo marcados pela pessoalidade, certeza, atualidade, além de o nexo causal ser bem definido. Já o dano ambiental, por seu turno, é basicamente difuso, podendo gerar um dano reflexo, na medida em que atinge tanto os componentes ambientais, quanto os indivíduos. Além disso, o dano ambiental, em contrapartida, é impessoal, incerto, futuro ou eventual, bem como pode vir a possuir um nexo causal indefinido136

.

Adentrando ao estudo do dano ambiental especificamente, vale esclarecer que legislação não definiu expressamente seu conceito. Segundo Carvalho, tal fato justifica-se a fim de que se evite uma rigidez conceitual, a qual seria incompatível com o crescimento da evolução tecnológica e do potencial lesivo existente na sociedade contemporânea, além de sua incompatibilidade ante a complexidade dos danos ambientais. De igual sorte, afirma que caso houvesse uma conceituação extremamente minuciosa viria a diminuir o campo de incidência da norma. Por outro lado, caso o conceito viesse carregado de carga excessiva poderia obstar o próprio desenvolvimento137.

Tão somente traz uma conceituação genérica de poluição e degradação ambiental, no artigo 3º, inciso II e III, da Lei 6.938/1981. Ainda segundo o mesmo autor, a legislação apenas forneceu seus parâmetros básicos a partir das definições legais de degradação da qualidade ambiental e poluição138. Sobre o assunto, pontua

Benjamin:

na lei, os conceitos de degradação da qualidade ambiental e de poluição confundem-se, valendo um pelo outro. consequentemente, no sistema

135

CUSTÓDIO, Helita Barreira. Responsabilidade Civil por Danos ao Meio Ambiente. São Paulo: Millennium Editora, 2006. p. 567.

136

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.97-99.

137

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental.. op cit. p.79.

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brasileiro, poluição é atividade que vai muito além da contaminação do ar, solo e água, incluindo também os ataques à fauna e flora139.

Nessa mesma linha, se posicionam Leite e Ayala

Não obstante a falta de precisão textual de dano ambiental, o legislador trouxe o entendimento de degradação ambiental da seguinte forma: ‘a alteração adversa das características do meio ambiente’, conforme o art. 3º, II, da Lei 6.938, de 1981. Tal definição é evidentemente vaga, exigindo um certo esforço de interpretação, a fim de determiná-la. Denota que a degradação ambiental é a alteração adversa ao equilíbrio ecológico.

Esta definição de degradação ambiental deve ser feita compulsória e articuladamente coma de poluição ambiental, pois o legislador associa a primeira à segunda. Nos termo do art. 3º, III, da referida lei, poluição ambiental é ‘a degradação da qualidade ambiental resultante de atividades que direta ou indiretamente: a) prejudiquem a saúde, a segurança e o bem- estar da população; b) criem condições adversas às atividades sociais e econômicas; c) afetem desfavoravelmente a biota; d) afetem as condições estéticas ou sanitárias do meio ambiente; e) lancem matérias ou energia em desacordo com os padrões ambientais estabelecidos140.

Concluindo a ideia, a partir de uma análise sistemática, asseveram que o dano ambiental é, portanto,

toda lesão intolerável causada por qualquer ação humana (culposa ou não) ao meio ambiente, diretamente, como macrobem de interesse da coletividade, em uma concepção totalizante, e indiretamente, a terceiros, tendo em vista interesses próprios e individualizáveis e que refletem no macrobem141.

Do mesmo modo, assevera Silva que o dano ambiental, por ele denominado dano ecológico, “é qualquer lesão ao meio ambiente causada por condutas ou atividades de pessoa física ou jurídica de Direito Público ou de Direito Privado”142

.

Moreira, por sua vez, reputa dano ambiental como

prejuízos no meio ambiente propriamente dito, assim como os desdobramentos desses prejuízos em perdas de ordem material e extrapatrimoniais, sejam no âmbito individual ou coletivo [...] a expressão dano ambiental não se restringe àquelas lesões sofridas diretamente pela

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BENJAMIN, Antonio Herman de Vanconcellos e. Introdução ao direito ambiental brasileiro. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, v. 4, n. 14, p. 48-82, abr./jun. 1999. Disponível em: <http://bdjur.stj.jus.br/dspace/handle/2011/34690>. Acesso em: 7 dez. 2011.

140

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.100.

141

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.102.

142

natureza, não se limitando, portanto, ao desequilíbrio estritamente ecológico143.

Nesse diapasão, vale destacar uma breve digressão acerca da classificação básica do dano ambiental.

Segundo Carvalho, quanto à natureza do bem lesado, divide-se em: (a) dano patrimonial ambiental e (b) dano extrapatrimonial ou dano moral ambiental. Por outro lado, no que tange aos interesses lesados, são classificados como: (a) dano individual ou pessoal e (b) dano coletivo144

.

No que concerne ao dano patrimonial ambiental, o autor acima referido cita Leite, o qual afirma que o dano patrimonial ambiental leva em consideração a versão clássica de propriedade em se tratando de dano a um microbem, cuja titularidade é individual. Por outro lado, considerando o meio ambiente como macrobem, impossível é utilizar a visão clássica de propriedade145

. Já o dano extrapatrimonial ou moral, para o autor é aquele que atinge o lado não patrimonial, causando prejuízos de ordem espiritual, moral ao indivíduo ou à sociedade146

.

Os danos ambientais individuais, por sua vez, também denominados reflexos, são aqueles que, ao atingirem o meio ambiente, causam prejuízo também ao indivíduo, de forma indireta, na esfera do seu patrimônio ou de sua saúde, numa espécie de ricochete147. Por outro lado, os danos ambientais coletivos dizem respeito

aos acidentes causados ao meio ambiente em si, considerado como macrobem, sem a necessidade de qualquer comprovação de prejuízos à esfera dos interesses individuais, eis que lesa à coletividade como um todo, indeterminada e indivisível148

. Ainda no que diz respeito à classificação dos danos ambientais, Leite e Ayala realizam uma análise mais minuciosa, distribuindo os danos ambientais em três classes: quanto à amplitude do bem protegido, no que se refere à reparabilidade

143

MOREIRA. Danielle de Andrade. Dano ambiental extrapatrimonial. In: Revista Direito, Estado e Sociedade. v. 9, n. 20, jan/jul 2002, Rio de Janeiro, p. 167.

144

CARVALHO, Délton Winter de., op.cit., p.82-84.

145 Ibidem, p. 82. 146 Ibidem, p.84. 147 Ibidem, p.82. 148 Ibidem, p.82-83.

e ao interesse envolvido, no que tange à sua extensão, além da bipartição relativa aos interesses objetivados149

.

Nesse contexto, no que diz respeito à amplitude do bem protegido, os autores supracitados, mencionam três espécies de dano. O primeiro, o dano ecológico puro, diz respeito ao prejuízo que atinja os componentes naturais do sistema, ou seja, alcançam bens próprios da natureza, em sentido restrito. O segundo abrange o primeiro, tratando-se do dano ambiental lato sensu, na medida em que é relativo aos interesses da coletividade, abarcando todos os componentes do meio ambiental150. Este último é idêntico àquele dano coletivo mencionado por

Carvalho.

Por último, temos o dano individual ou reflexo, no qual o escopo principal é a tutela dos interesses do próprio lesado, relativamente ao microambiental, deixando-o o meio ambiente, no aspecto coletivo, desprovido de uma proteção imediata151

.

Por sua vez, quanto à sua extensão, classifica-o, do mesmo modo que Carvalho, em dano patrimonial ambiental e dano extrapatrimonial. O primeiro caso pode também ser conceituado como “todo prejuízo não patrimonial ocasionado à sociedade ou ao indivíduo, em virtude da lesão do meio ambiente” 152

. Nesse caso, portanto, “o objetivo primordial não é a tutela dos valores ambientais, mas sim dos interesses próprios do lesado, relativo ao microbem ambiental” 153

. Já na segunda hipótese, impossível é a utilização da versão clássica de propriedade, uma vez que o bem ambiental, considerado como macrobem, pertence a toda a coletividade154

. No que concerne à reparabilidade e ao interesse envolvido, divide o dano ambiental em duas categorias: de reparabilidade direta e indireta. Enquanto naquele caso, o interessado será diretamente indenizado, por conta de o dano atingir interesses individuais e individuais homogêneos. Neste, diz-se respeito aos interesses difusos, coletivos e individuais de dimensão coletiva, ligados à

149

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.93-95

150 Ibidem, p. 93. 151 Ibidem, p.93. 152 Ibidem, p.94 153 Ibidem, p.93. 154 Ibidem, p. 94.

preservação do macrobem ambiental e, dessa forma, “a reparação é feita indireta e preferencialmente, ao bem ambiental de interesse coletivo, e não objetivando ressarcir interesses próprios e pessoais” 155

.

Ainda há a bipartição quanto aos interesses objetivados. Por um lado, se concentra o dano ambiental de interesse da coletividade ou de interesse público, que busca preservar o macrobem ambiental. De outro, está o interesse particular individual, que busca preservar a propriedade e seus interesses, ligados à noção de microbem156.

Por último, deve-se salientar que um dano ambiental pode guardar diversos tipos de lesões (individual, coletiva, patrimonial e extrapatrimonial), simultaneamente, uma vez que um não exclui o outro157.

Partindo-se do pressuposto de que o dano causado ao meio ambiente difere-se, em diversos aspectos, do dano tradicional, necessário é realizar algumas considerações sobre a responsabilidade civil, na medida em que o dano é intrínseco a ideia de responsabilidade civil. Em realidade, a ideia de meio ambiente e de dano ambiental são essenciais ao entendimento dos pressupostos da responsabilidade civil ambiental, a qual passa a ser estudada a seguir.