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Princípio da Responsabilização, Poluidor-pagador e Reparação Integral

1.3 PRINCÍPIOS DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

1.3.3 Princípio da Responsabilização, Poluidor-pagador e Reparação Integral

De certo, efetivamente de nada adiantaria uma atuação preventiva, se não houver um modelo de responsabilização capaz de compelir os degradadores a repararem os danos ambientais causados.

Neste diapasão, destaca-se o princípio do poluidor-pagador e da responsabilização. Embora comumente haja confusão entre ambos, é fato que o primeiro se diferencia o segundo, na medida em que este apresenta outros aspectos além da responsabilização89.

Segundo Antunes, o que diferencia especialmente o princípio do poluidor- pagador da responsabilização é o fato de que aquele não busca a recuperação em si do bem ambiental, mas um mecanismo econômico que impeça o desperdício de recursos ambientais, compatibilizando seus preços com a realidade90

.

Desse modo, Leite aborda o princípio do poluidor-pagador, no sentido multifuncional dado por Canotilho, e afirma ser este apresentado em três aspectos: como um norte para a política de preventivas, evitando que as externalidades sejam suportadas pelo Estado; como um princípio de tributação; e ainda, como um princípio intrínseco a ideia de responsabilidade91

.

Por outro lado, Fiorollo apresenta duas formas de alcance deste princípio: uma, preventiva; e outra, repressiva92

. Complementando essa ideia, afirma

Desse modo, num primeiro momento, impõe-se ao poluidor o dever de arcar com as despesas de prevenção dos danos ao meio ambiente que a sua atividade possa ocasionar. Cabe a ele o ônus de utilizar instrumentos necessários à prevenção dos danos. Numa segunda órbita de alcance, esclarece este princípio que, ocorrendo danos ao meio ambiente em razão

89

CANOTILHO, J. J. Gomes. A Responsabilidade por Danos Ambientais: aproximação juspublicista. In: AMARAL, Diogo Freitas, Direito do Ambiente. Oeiras: INA, 1994. p. 401. apud LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.59.

90

ANTUNES, P. de B., op. cit. p. 50.

91

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Público do Ambiente apud LEITE, J.R.M.,Sociedade de Risco e Estado. op.cit.. p. 203.

92

da atividade desenvolvida, o poluidor será responsável pela sua reparação93.

O princípio do poluidor pagador, segundo Antunes, parte da premissa da escassez dos recursos naturais e, dessa forma, faz-se necessário que o mercado reflita essa escassez através da inserção no sistema de preços dos recursos naturais94

.

Nesse contexto, Antunes acrescenta que

Os recursos ambientais como água, ar, em função de sua natureza pública, sempre que forem prejudicados ou poluídos, implicam um custo público para a sua recuperação e limpeza. Este custo público, como se sabe, é suportado por toda a coletividade. Economicamente, este custo representa um subsídio ao poluidor. O PPP busca, exatamente, eliminar ou reduzir tal subsídio a valores insignificantes95.

Seguindo essa linha, Leite e Ayala afirmam que o objetivo desse princípio é a internalização das externalidades de deterioração ambiental presente no processo produtivo. Desse modo, seria capaz de alcançar um maior cuidado com os riscos e potenciais danos, atuando de forma preventiva96.

No que se refere ao conceito de externalidades, Benjamin o conceitua de forma bem resumida

Externalidades, em sede ambiental, são os custos sociais do processo de desenvolvimento e que, só recentemente, através do princípio poluidor- pagador, passaram a ser computados — já que exigíveis — no preço final de produtos e serviços. Diz-se, assim, que esses custos são internalizados97.

Derani, por sua vez, no que concerne às externalidades, justifica essa denominação, uma vez que, embora resultantes do processo produtivo, são recebidas pela coletividade, enquanto o lucro é auferido pelo produtor. Coroando essa ideia, a fim de ilustrar as externalidades negativas, utiliza-se da famosa expressão “privatização dos lucros e socialização das perdas”. A seguir, discorre sobre o papel do princípio do poluidor-pagador nesse processo e afirma que este

93

Ibidem, p. 88.

94

ANTUNES, P. de B., op. cit. p. 49.

95

Ibidem, p. 50.

96

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.59.

97

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692>. Acesso em: 13 fev. 2012.

princípio almeja, na verdade, reduzir esse custo imposto à sociedade, obrigando-se sua internalização. Desse modo, estes custos são transferidos ao degradador, de modo que seja compelido a arcar com os custos para a prevenção, mitigação ou eliminação do dano98

.

Sobre os custos que devem ser internalizados pelo poluidor, Wold pontua que

Em geral, há três tipos potenciais de custo que podem ser alocados por intermédio da aplicação do princípio do poluidor-pagador. São eles o custo de prevenção, de controle e de reparação. Os custos de prevenção associam-se às medidas de prevenção dos impactos negativos decorrentes do desenvolvimento de determinada atividade econômica. Os custos envolvidos na construção de aterros especiais para adequada disposição de resíduos perigosos constituem um exemplo de custos dessa categoria, os quais podem nitidamente ser alocados antes que tais resíduos venham a ser alocados de maneira incorreta, causando dano ao meio ambiente. Os custos de controle consistem nos custos associados aos sistemas de controle e monitoramento ambiental cuja adoção é exigida como requisito para a implementação e operação de empreendimento potencialmente poluidores [...] Já os custos de reparação são aqueles associados à adoção de medidas de recuperação ou reabilitação ambiental. São, portanto, os custos sobre que se discute nas ações de responsabilidade civil por danos ao meio ambiente e sua imposição ocorre após o advento de eventos específicos de degradação ambiental99.

Ainda acerca dos custos, esse princípio se baseia em duas teorias. Nesse sentido, Benjamin expõe que “o princípio poluidor-pagador apoia-se na teoria da compensação (paga quem provoca uma ação governamental, na medida do custo desta) e na teoria do valor (paga quem se beneficia com a poluição, na medida dos benefícios recebidos)” 100

.

Conforme visto, o alcance do princípio do poluidor-pagador é extremamente abrangente e é nesse sentido que inclui a responsabilização e a reparação, uma vez que quem polui, não só paga, como também repara.

O artigo 225, parágrafo 3º, da Constituição Federal, é a âncora do princípio da responsabilização no ordenamento brasileiro e estabelece que “as

98

DERANI, C., op.cit., p. 158.

99

WOLD, Chris. Introdução Ao Estudo Dos Princípios De Direito Internacional Do Meio Ambiente. In: Princípios de Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris, NARDY, José Fonseca. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 24.

100

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692>. Acesso em: 13 fev. 2012.

condutas e atividades consideradas lesivas ao meio ambiente sujeitarão os infratores, pessoas físicas ou jurídicas, a sanções penais e administrativas, independentemente da obrigação de reparar os danos causados” 101

.

Desse modo, inaugura-se o instituto da tripla responsabilização – nas esferas civil, penal e administrativa. Segundo Leite, essa tríplice responsabilização deve ser articulada de forma conjunta e sistemática, criando-se um sistema de imputação múltipla102

, ou seja, resta claro que é plenamente possível a cumulação de sanções nas diversas esferas de responsabilização.

No mesmo sentido, Silva afirma que qualquer dano ecológico a um bem de interesse público pode vir a ensejar os três tipos de responsabilidade103.

No entanto, um aspecto muito importante afeto à responsabilização é seu caráter preventivo. Sobre o assunto, Carvalho aponta que

Em uma função preventiva, a responsabilidade civil passa a demonstrar sua importância para evitar danos ambientais, a partir de uma postura pedagógica decorrente das responsabilizações civis dos poluidores (preventividade indireta), mas, sobretudo, a partir da sua incidência para situações de risco, antes mesmo da ocorrência de danos ambientais (preventividade direta). A partir da avaliação probabilística das consequências futuras dos danos ambientais e de danos potenciais, a responsabilização civil passa a exercer uma função prática de construção do futuro e regulação social, através da imposição de medidas preventivas (obrigações de fazer ou não fazer)104.

De igual modo, Leite também ressalta o importante viés preventivo da responsabilização, uma vez que, não apenas traz segurança jurídica quanto à imputação, mas também cria uma consciência acerca da preservação105

. Na realidade, essa consciência é atingida na medida em que, sabendo que se degradar será responsabilizado, a tendência é evitar e prevenir a degradação, ressaltando-se seu efeito pedagógico. Nesse sentido, ressalta-se a subsidiariedade da responsabilização, na medida em que a melhor opção é sempre a prevenção, sobretudo, levando-se em conta o caráter, por vezes irreversível, do dano ambiental. Nessa linha, pontua o professor

101

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

102

LEITE, J.R.M., op.cit.. pp. 209-210.

103

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 8ºed., São Paulo, Ed. Malheiros, 2010. p.303.

104

Repise-se que a responsabilidade por dano ambiental deve funcionar como um sistema de retaguarda ou auxiliar e só ser acionada quando a ameaça de dano é iminente, ou no caos em que a lesão ocorreu e os outros mecanismos de tutela ambiental não responderam à imputação do agente. Ressalta-se que, uma vez ocorrido o dano ambiental, este é de difícil reparação, recuperação ou indenização e, não obstante, o sistema de responsabilidade funciona como uma resposta da sociedade àqueles que atuam degradando o ambiente e devem responder pelos seus atos, sob pena de falta de imputação ao agente poluidor e insegurança jurídica no Estado de Direito Ambiental106.

A temática da responsabilidade civil ambiental será objeto de uma análise posterior mais profunda em tópico específico.

Cabe trazer à baila o princípio da reparação integral, o qual é corolário da responsabilização, na medida em que é sua consequência imediata e direta.

Não obstante a vocação preventiva dos mandamentos de proteção ambiental, a obrigação de reparar o dano é de extrema importância no que concerne aos prejuízos já ocorridos. Nessa linha, a obrigação de reparar o dano provocado goza de status constitucional, consoante expressa previsão do artigo 225, §3º, da Carta Magna. Especialmente, no que se refere à atividade mineraria, o parágrafo 2º, do mesmo dispositivo, condiciona a exploração dos recursos minerais à recuperação do meio ambiente degradado.

Assim, sob o manto da reparação integral, tem se que o poluidor é obrigado a reparar todo o dano causado, em sua integralidade, abrangendo também o período em que a coletividade estará privada daquele bem ambiental. Desse modo, Machado garante, à sociedade, direito subjetivo à indenização pelo lapso temporal entre o dano ocorrido e sua integral recuperação, através do retorno da situação anterior107.

Percebe-se, portanto, que a reparação para reputar-se completa deve incluir, além da reparação dos aspectos materiais da degradação, também os aspectos extrapatrimoniais, tais como “a perda imposta à qualidade de vida, a

105

LEITE, J.R.M., op.cit.. p. 210.

106

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.70.

107

privação temporária de fruição do bem, o valor de existência dos bens ambientais degradados”108

.

Sobre o tema, Milaré completa ainda que qualquer norma tendente a limitar o valor da recuperação ambiental seria inconstitucional, na medida em que se adotou a teoria da responsabilidade integral, segundo a qual a lesão deverá ser recuperada em sua integridade109, sob a égide do postulado de indisponibilidade do

interesse público na proteção do meio ambiente.

Nem mesmo a incapacidade econômica do poluidor em suportar os prejuízos advindos da reparação serve de limite à obrigação da reparação integral. Nesse sentido, defendem Leite e Ayala

A reparabilidade integral do dano ambiental pode implicar reparação superior à capacidade financeira do degradador. Todavia, a eventual aniquilação da capacidade econômica do agente não contradiz o princípio da reparação integral, pois este assumiu o risco de sua atividade e todos os ônus inerentes a esta.

Diante desse impasse, os citados autores apontam, como prováveis soluções, a adoção de seguros, depósitos ou fianças, ou mesmo o alargamento da responsabilização dos sócios, como mecanismos destinados a subsidiar o ressarcimento integral do dano, assegurando o cumprimento da obrigação por parte do agente poluidor110

.

Compartilhando do mesmo entendimento, Milaré pontua que “o esforço reparatório pode ser superior à capacidade financeira do degrador”111

. E, ainda que isso ocorra, causando eventual falência da empresa degradadora, isto é consequência do risco assumido ao desempenhar suas atividades de forma depredatória, sem qualquer preocupação com a degradação ambiental causada. Aliás, tal risco é muito bem remunerado pelo próprio lucro advindo da atividade112.

Diante da importância da utilização desses mecanismos ante a dificuldade financeira de reparação do dano, far-se-á uma análise mais aprofundada do tema no

108

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental..., op. cit, p. 309.

109

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente..., op. cit., p. 957.

110

LEITE, J.R.M; AYALA, P.A. Dano Ambiental... op. cit. p. 224.

111

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente..., op. cit., p. 958.

112

MIRRA, Álvaro Luiz Valery. Ação civil pública e a reparação do dano ao meio ambiente. São Paulo: Juarez de Oliveira, 2002. p. 299.

terceiro capítulo do presente, sobretudo, pelo fato de tal dificuldade estar intrinsecamente ligada à possibilidade de chamamento do Estado a recompor a lesão.

Steigleder, por sua vez, justifica a imposição da reparação integral por três fatores: pela singularidade do bem ambiental, pela impossibilidade de quantificação dos danos e pelo caráter pedagógico exercido pela responsabilidade ambiental para com o poluidor113

.

A reparação integral é, portanto, corolário do princípio do poluidor- pagador, na medida em que o degradador deve internalizar todos os custos de sua atividade, incluídos aí os custos de reparação e recuperação. Nesse sentido, Benjamin expõe

Ao contrário do que se imagina, o princípio poluidor-pagador não se resume na fórmula ‘poluiu, pagou’. ‘O princípio poluidor-pagador não é um princípio de compensação dos danos causados pela poluição’.

Seu alcance é mais amplo, incluídos todos os custos da proteção ambiental, ‘quaisquer que eles sejam’abarcando, a nosso ver, os custos de prevenção, de reparação e de repressão do dano ambiental, assim como aqueles outros relacionados com a própria utilização dos recursos ambientais, particularmente os naturais, que ‘têm sido historicamente encarados como dádivas da natureza, de uso gratuito ou custo marginal zero’114

.

Ainda no que concerne à reparação, a preferência sempre se dará pela reparação in natura, ou seja, mediante uma reparação natural e específica, mediante uma recomposição direta e efetiva do meio ambiente degradado.

Sobre o tema, Fiorillo ressalta que o ressarcimento in natura sempre prevalecerá em detrimento da indenização em dinheiro. Dessa forma, sempre que for possível o retorno ao statu quo ante, a reparação dar-se-á de forma específica. Apenas diante da impossibilidade de retomada da situação anterior, é possível a reparação na modalidade pecuniária115.

113

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental..., op. cit, p. 309.

114

BENJAMIN, Antonio Herman de Vasconcellos e. O princípio poluidor-pagador e a reparação do dano ambiental. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8692>. Acesso em: 13 fev. 2012.

115

Desse modo, tão somente quando verificada a impossibilidade técnica de “restaurar o bem degradado é que medidas compensatórias poderão ser aplicadas”116

. No entanto, deve se ter em mente que não será possível o retorno por completo do meio ambiente degradado do mesmo modo anterior à degradação, uma vez que “os traços e sequelas podem permanecer mesmo com a reconstituição do bem ou com as formas de compensação”117.

Não obstante a utilização da terminologia “poluidor-pagador”, norteadora de responsabilização, tal fato não pressupõe que a reparação deve sempre, ou mesmo, preferencialmente ser realizada em pecúnia. Ao contrário, deve-se sempre priorizar a reparação específica do dano.

Por fim, deve ser ter em mente que todo aquele que contribuiu ou tinha condição para evitar o evento danoso ao meio ambiente é poluidor e, desse modo, deve ser considerando quando do dever coletivo de reparação118. No entanto, é certo

que a reparação deve recair, inegável e primordialmente, sobre o poluidor direto do dano, ou seja, aquele que praticou a lesão ao bem ambiental e, mediante essa atitude, auferiu vantagem.

Desse modo, é possível perceber o quanto os ideais de responsabilização presentes nos princípios do poluidor-pagador, da responsabilização e da reparação

in integrum são importantes a fim de evitar e reprimir a degradação ambiental,

construindo um Estado de Direito Ambiental.

Analisados os princípios estruturantes do Direito Ambiental atinentes à responsabilidade, percebe-se que é imprescindível uma mudança nos padrões de tratamento da responsabilidade civil tradicional, especialmente no que concerne à atuação estatal.

116

LEITE, José Rubens Morato; LIMA, Maíra Luisa Milani de; FERREIRA, Maria Leonor Paes Cavalcanti. Ação Civil Pública, Termo de Ajustamento de Conduta e formas de reparação do dano ambiental: reflexões para uma sistematização. In: MILARÉ, Edis. A Ação Civil Pública após 20 anos: efetividade e desafio.São Paulo: Editora Revista dos Tribunais, 2005. P. 335.

117

Ibidem, p. 334.

118

2 DANO E RESPONSABILIDADE CIVIL