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A responsabilidade civil do estado por omissão em danos ambientais

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UNIVERSIDADE FEDERAL DE SANTA CATARINA CENTRO DE CIÊNCIAS JURÍDICAS

DEPARTAMENTO DE DIREITO

ANA CAROLINA GUARINO DUARTE DA SILVA

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO EM DANOS AMBIENTAIS

Florianópolis Junho de 2012

(2)

ANA CAROLINA GUARINO DUARTE DA SILVA

A RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO EM DANOS AMBIENTAIS

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito à obtenção do título de bacharel.

Orientador: Professor Doutor José Rubens Morato Leite

Florianópolis Junho de 2012

(3)

Autor: ANA CAROLINA GUARINO DUARTE DA SILVA

Título: RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR OMISSÃO NO EXERÍCIO DO PODER DEVER DE FISCALIZAÇÃO EM FACE DOS DANOS AMBIENTAIS

Trabalho de Conclusão apresentado ao Curso de Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina como requisito à obtenção do título de bacharel, aprovado com [conceito, nota].

Florianópolis (SC), 30 de junho de 2012.

___________________________________________ Professor Orientador: Doutor José Rubens Morato Leite – Universidade Federal de Santa Catarina

___________________________________________ Membro da Banca Examinadora [ título, nome e IES ]

___________________________________________ Membro da Banca Examinadora [ título, nome e IES ]

(4)

AGRADECIMENTOS

Primeiramente, agradeço a Deus pela presença constante em todos os passos da minha trajetória, me proporcionando esperança e força para continuar.

Agradeço à minha mãe, pela sua dedicação, sempre me incentivando a perseverar e a exigir o melhor de mim, mesmo diante dos sacrifícios impostos pela vida.

Ao meu noivo, Rafael, pelo carinho, companheirismo e compreensão em todos esses anos, sobretudo, nos momentos de maior tensão, essenciais à motivação para atravessar mais essa fase da vida.

Ao meu eterno companheiro, Lupi, por estar presente em todos os momentos da elaboração deste trabalho.

Ao meu orientador, Professor Doutor José Rubens Morato Leite, pela oportunidade de trabalhar junto a ele e partilhar um pouco do seu saber.

Por fim, ao Professor Luis Carlos Cancellier de Olivo, pela ajuda e compreensão.

(5)

RESUMO

O presente trabalho propõe-se a analisar as particularidades da responsabilidade civil do Estado em face dos danos ambientais ocasionados pela omissão no exercício do poder-dever de fiscalização ambiental das atividades dos particulares. Para tanto, pretende-se demonstrar que a aplicação da teoria clássica de responsabilização estatal por omissão não se coaduna aos ditames do Estado de Direito Ambiental, na busca de uma efetiva proteção do meio ambiente. Nesse sentido, a presente monografia, através do método dedutivo, aborda as peculiaridades da responsabilidade civil ambiental, do poder de polícia administrativa e seu abuso, caracterizado pela omissão no dever de fiscalização. Defende-se, portanto, a responsabilização do Poder Público, sob o manto da teoria objetiva, ainda que nos casos em que sua participação seja indireta, como nos danos ambientais causados por particulares, mas que indiretamente são frutos de atos omissivos da Administração Pública na fiscalização e controle ambiental. Desse modo, a responsabilização do Estado na modalidade objetiva, prescindindo da ideia de culpa, é o posicionamento que melhor reflete a aplicação dos princípios norteadores da responsabilização ambiental.

Palavras-chave: Sociedade de Risco. Dano Ambiental. Responsabilidade Civil

Ambiental do Estado. Omissão. Poder de Polícia Administração. Fiscalização Ambiental.

(6)

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO ... 7

1 A SOCIEDADE DE RISCO E O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ... 10

1.1 A CRISE AMBIENTAL E A SOCIEDADE DE RISCO ... 10

1.2 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ... 17

1.3 PRINCÍPIOS DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL ... 21

1.3.1 Princípio da Solidariedade, Cooperação, Participação e Informação ... 23

1.3.2 Princípio da Precaução e Prevenção ... 30

1.3.3 Princípio da Responsabilização, Poluidor-pagador e Reparação Integral ... 33

2 DANO E RESPONSABILIDADE CIVIL ... 41

2.1 NOÇÃO DE BEM AMBIENTAL ... 41

2.2 DANO AMBIENTAL ... 45

2.3 RESPONSABILIDADE CIVIL POR DANO AMBIENTAL ... 50

2.4 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO ... 64

3 RESPONSABILIDADE DO ESTADO POR OMISSÃO EM DANOS AMBIENTAIS 71 3.1 RESPONSABILIDADE CIVIL DO ESTADO POR DANOS AMBIENTAIS ... 71

3.2 PODER DE POLÍCIA AMBIENTAL E OMISSÃO ESTATAL ... 78

3.3 APLICAÇÃO DA RESPONSABILIDADE OBJETIVA À OMISSÃO ESTATAL EM MATÉRIA AMBIENTAL ... 85

CONCLUSÃO ... 104

(7)

INTRODUÇÃO

A sociedade atual é marcada pela crise ambiental, fruto da intensa industrialização e tecnização, experimentadas a partir do século XVIII com o advento do capitalismo e dos ideais liberais essencialmente individualistas. Desse modo, vive-se numa sociedade marcada pelo risco de catástrofes e desastres naturais. Ante a iminência desses perigos, finalmente, acordou-se para a problemática ambiental e percebeu-se que os recursos naturais não são ilimitados, mas escassos e, desse modo, é insustentável a manutenção do modelo de produção atual.

Evidencia-se, portanto, que se está diante de uma Sociedade de risco, marcada pela iminência de catástrofes ambientais e cuja principal característica é a irresponsabilidade, na medida em que, mesmo ciente dos riscos, há reticência em se responsabilizar por eles.

Como resposta à irresponsabilidade causada pela Sociedade de risco, com vistas ao alcance de um Estado de Direito Ambiental, a Constituição Federal de 1988, impôs o dever de proteção ambiental não apenas ao Estado, gestor do bem ambiental, mas também a toda coletividade.

Nesse contexto, o Estado, não obstante ser o maior protetor do bem ambiental na condição de seu gestor, é ao mesmo tempo o maior degradador, na medida em que degrada o ambiente não apenas diretamente por sua ação; mas também, quando se omite no seu dever-poder de fiscalização ambiental das atividades dos particulares. Nessa seara, o Poder Público toma posição essencial na seara da responsabilidade civil por dano ambiental e, desse modo, merece detida análise a fim de se adequar seus pressupostos às especificidades de tratamento das pessoas públicas.

A responsabilidade civil, embora não seja o único meio de proteção ambiental, desempenha função essencial nesse papel, na medida em que não apenas compele o degradador a reparar o dano; mas também pelo seu viés preventivo. Sabendo das consequências, o degradador tende a buscar meios para evitar que o dano aconteça e, consequentemente, seja ele responsabilizado.

(8)

A relevância do tema proposto evidencia-se ante a impossibilidade de aplicação dos ditames clássicos da responsabilidade civil do estado, cuja ideia é essencialmente administrativa, aos danos ambientais, marcados de diversas especificidades, especialmente sua complexibilidade e irreversibilidade.

No entanto, deve ser deixar claro que o objeto do presente trabalho não é transformar o Estado garantidor de todo e qualquer dano ambiental, deixando à margem da responsabilidade o poluidor direto. Ao contrário, sempre e primordialmente, buscar-se-á a responsabilização do causador imediato do dano, seja ele pessoa pública ou privada. No entanto, nos casos de responsabilização do Estado por sua omissão no desempenho da atividade fiscalizatória, ou seja, quando poluidor indireto, merece uma análise mais detida e será o cerne deste estudo.

Propõe-se o presente trabalho, portanto, a analisar esta necessária adequação do instituto da responsabilidade por omissão do Estado, mediante a estruturação em três capítulos.

O primeiro capítulo propõe-se, inicialmente, a analisar a crise ambiental, mediante sua caracterização. Como sua consequência, ante os riscos ligados à problemática ambiental, chega-se à análise da Sociedade de risco, através de sua conceituação e apresentação de suas principais características. Finalmente, será abordado o Estado de Direito Ambiental e seus principais princípios norteadores, como solução hábil a proporcionar uma efetiva proteção ambiental em uma sociedade marcada pelo risco. Desse modo, far-se-á um estudo acerca da Solidariedade, Cooperação, Participação e Informação, bem como dos princípios da prevenção e precaução, além da análise dos princípios diretamente ligados à responsabilidade civil, quais sejam, os princípios do poluidor pagador, da responsabilização e da reparação integral.

O segundo capítulo, por sua vez, partirá de um breve estudo acerca da noção de bem ambiental. Em seguida, como figura essencial para a configuração da responsabilidade civil, passar-se-á à análise do dano ambiental, abordando-se a conceituação de poluição e degradação ambiental, bem como o conceito de dano ambiental e suas classificações – patrimonial, extrapatrimonial, individual, coletivo.

(9)

A seguir, o objeto de estudo passará a ser as especificidades da responsabilidade civil ambiental, sobretudo, no que concerne à adoção da teoria objetiva de responsabilização e as modalidades de risco – modalidade de risco criado e risco integral -, além de uma análise acerca do nexo de causalidade no dano ambiental.

Em um segundo ponto abordado pelo segundo capítulo, analisar-se-á a responsabilidade civil do estado e suas particularidades. Nesse diapasão, será realizado o estudo das formas de responsabilização do estado, nos casos de sua ação ou omissão, passando-se pela análise das teorias da culpa e do risco.

O último capítulo, como ponto principal do estudo, será iniciado pela responsabilidade civil do estado por danos ambientais, especialmente considerada, onde buscar-se-á, a partir da conceituação de poluidor direto e indireto e da noção de solidariedade, determinar as possibilidades de participação do Estado no dano ambiental. Passar-se-á, então, a análise do poder de polícia ambiental, consubstanciado em um poder-dever de fiscalização e da omissão estatal, consequência do abuso desse poder.

Por último, determinada a possibilidade de corresponsabilização do Estado nos eventos danosos em matéria do meio ambiente, tratar-se-á da aplicação da teoria objetiva nos moldes previstos na legislação ambiental, ao Estado nos casos de sua omissão no seu poder-dever de fiscalização, levando em conta suas consequências e implicações. Para tanto, serão utilizados alguns precedentes do Superior Tribunal de Justiça, os quais com maestria definem a aplicação dessa tese.

Por fim, deve ser ressaltado que, quanto à metodologia empregada, na presente pesquisa utilizar-se-á o método de abordagem dedutivo e o método de procedimento monográfico, baseado na técnica de pesquisa bibliográfica, eletrônica e jurisprudencial.

(10)

1 A SOCIEDADE DE RISCO E O ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

1.1 A CRISE AMBIENTAL E A SOCIEDADE DE RISCO

A preocupação com as questões relativas à proteção ambiental está a ocupar, paulatinamente, cada vez mais espaço na sociedade do novo milênio. O destino do homem está em risco por conta da agressão aos bens da natureza, gerando, assim, um “pânico universal” que vem assombrando a todos1.

A partir do século XVIII, como conseqüência das revoluções liberais e da consolidação do capitalismo, a economia passou a ser marcada por uma “forma produtiva industrial massificada”, a qual tem como característica o maquinismo. Portanto, a sociedade contemporânea é resultado de um processo de transformação de uma matriz industrial em direção a um estágio pós-industrial, fortemente marcado pela explosão tecnológica e científica, a qual gerou inúmeros riscos e perigos2

. Segundo Carvalho, “esses riscos são caracterizados pela maior complexidade probatória que envolve a sua existência e suas possíveis consequências nocivas”3

. De fato, essa evolução da ciência e da tecnologia não foi acompanhada da devida compreensão científica dos efeitos que poderiam ser causados por esse novo modo de produção, resultando em incerteza científica – marca das novas tecnologias na sociedade contemporânea.

Acerca deste processo de transição econômica e social, afirma Santos que a sociedade encontra-se em um momento de transição paradigmática, entre um paradigma moderno – marcado pela crise – e um novo, ainda pouco visível – denominado pós-modernidade. Complementando essa ideia, acredita o autor que a

1

MILARÉ, Edis. Direito do Ambiente: doutrina, jurisprudência, glossário. 6ª ed. revista, atualizada e ampliada. São Paulo : Revista dos Tribunais, 2009. p. 64.

2

CARVALHO, Délton Winter de. Dano ambiental futuro: a responsabilidade civil pelo risco ambiental. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2008. p.65.

3

(11)

ciência moderna, antes considerada a resposta para a racionalização da vida social e individual, pode vir a tornar-se um problema sem solução4

.

A melhor palavra para expressar o quadro negativo desenhado por esta crise é medo. Expressão esta que, segundo Guerra, vem sendo largamente utilizada quando se discute o meio ambiente, no século XXI5

. Nesse sentido, pontua que como acentuam Alfhandéry, Bitoun e Dupont não um medo surdo, mudo, e que teria vergonha de si próprio, mas um medo ostensivo, que se diz e escreve, que se publica e filma, que se oferece num espetáculo à medida da mundialização da comunicação. O medo ecológico é um grande medo que envolve o planeta.

É indubitável que esse grande medo ecológico esteja intimamente ligado aos sinais de crise ambiental que além de serem amplamente noticiadas [sic] pelos diversos meios de comunicação social, podem hoje ser enxergados e sentidos6.

Ao tratar dos sintomas dessa crise ambiental, Santos aponta indícios do esgotamento do processo civilizatório resultante da conjunção da modernidade ao capitalismo.

Por um lado, a conversão do progresso em acumulação capitalista transformou a natureza em mera condição de produção. Os limites desta transformação começam hoje a ser evidentes e os riscos e perversidades que acarretam, alarmantes, bem demonstrados nos perigos cada vez mais iminentes de catástrofe ecológica. Por um lado, sempre que o capitalismo teve de confrontar-se com as suas endêmicas crises de acumulação, fê-lo ampliando a mercadorização da vida, estendendo-a a novos bens e serviços e a novas relações sociais e fazendo-a chegar a pontos do globo até então não integrados na economia mundial. Por uma e outra via, tal processo de expansão e ampliação parece estar a atingir limites inultrapassáveis. 7

Por conta dessa crise e desses riscos, a sociedade vem acordando para a problemática ambiental. Reforçando essa tese, Milaré afirma

O mero crescimento econômico, mito generalizado, vem sendo repensado com a busca de formular alternativas, como o ecodesenvolvimento ou o desenvolvimento sustentável, cuja característica principal consiste na possível e desejável conciliação entre o desenvolvimento integral, a

4

SANTOS, Boaventura de Sousa. Pela mão de Alice: o social e o político na pós-modernidade. 7ª ed. Porto: Edições Afrontamento, 1999. p.34.

5

GUERRA, Sidney. A crise ambiental na Sociedade de Risco. Revista de Direito Lex Humana, Universidade Católica de Petrópolis, Petrópolis,v.1, n. 2, p. 177-215, 2009. Disponível em: <http://seer.ucp.br/seer/index.php/LexHumana/article/view/27/26>. Acesso em: 10 nov. 2011. p. 177.

6

GUERRA, S., op. cit., p. 177-178.

7

(12)

preservação do meio ambiente e a melhoria da qualidade de vida – três metas indispensáveis8. (grifo do autor).

Na realidade, este grave quadro negativo demonstra a insustentabilidade do modo atual de apropriação, tanto qualitativa, quanto quantitativa do meio ambiente, eis que tais comportamentos poderão provocar a extinção de espécies e o exaurimento dos componentes naturais do meio ambiente, além de conduzir o homem a uma condição de sujeito despersonalizado, cujas relações sociais são exclusivamente mercantilizadas9

.

Assim, em decorrência dessas incertezas científicas, vive-se hoje em uma sociedade de risco, caracterizada pelo repentino avanço tecnológico e pela crise ecológica, que está, nos últimos tempos, a ultrapassar os limites da suportabilidade.

Desse modo, nota-se que os riscos estão interligados aos novos problemas ambientais que vêm assolando a sociedade contemporânea. Nesse sentido, afirmam Leite e Ayala:

As sociedades contemporâneas protagonizam o cenário de uma segunda revolução na dinâmica social e política, que se desenvolve no interior de um complexo processo de globalização de conteúdo plural, que marca o desenvolvimento de uma sociedade global do risco.

O atributo que diferencia a sociedade mundial do risco é a necessidade de concretização de uma variada relação de objetivos ecológicos, econômicos, financeiros, sociais, políticos e culturais, que são contextualizados de forma transnacional e sob a abordagem de um modelo político de governança global, de gestão de novas ameaças comunitárias10.

Com efeito, a crise ambiental passou a ser reconhecida a partir do momento em que a degradação ambiental tomou proporções alarmantes, quando se percebeu que a preservação do meio ambiente está intimamente ligada à sobrevivência das gerações futuras e da própria espécie humana. Do mesmo modo, a problemática ambiental vem a questionar estes processos tecnológicos e científicos que causam degradação ambiental e perda de qualidade de vida11

.

8

MILARÉ, E., op. cit., p. 64.

9

STEIGLEDER, Annelise Monteiro. Responsabilidade Civil Ambiental: as dimensões do dano ambiental no Direito brasileiro. 2ª ed. Porto Alegre: Livraria do Advogado Editora, 2011. p. 85.

10

LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Direito Ambiental na Sociedade de Risco. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2002. p. 26-27.

11

LEITE, José Rubens Morato e AYALA, Patryck de Araújo. Dano Ambiental: do individual ao coletivo extrapatrimonial. Teoria e prática. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. p. 25.

(13)

Nesse cenário, nasce a Teoria da Sociedade do Risco, posterior ao período industrial clássico, marcada pelo risco constante de catástrofes e desastres. Segundo Leite, a sociedade é levada a essa situação de periculosidade por inúmeros fatos, dentre eles, destaca-se o uso do bem ambiental irracionalmente de forma ilimitada, o capitalismo predatório e a expansão demográfica12

. Ao conceituar a sociedade de risco, Leite assevera que

A sociedade de risco é aquela que, em função de seu contínuo crescimento econômico pode sofrer a qualquer tempo as consequências de uma catástrofe ambiental. Nota-se, portanto, a evolução e o agravamento dos problemas, seguidos de uma evolução da sociedade (da sociedade industrial para a sociedade de risco), sem, contudo, uma adequação dos mecanismos jurídicos de solução dos problemas dessa nova sociedade. Há consciência da existência dos riscos, desacompanhada, de políticas de gestão, fenômeno denominado irresponsabilidade organizada13. (grifo no original).

Ao tratar deste tema, Steigleder realiza uma comparação entre as sociedades antigas e a sociedade de risco e aponta que, enquanto naquelas as situações de perigo existentes se colocavam como situações externas à sociedade, nestas os riscos são conseqüências das decisões tomadas por aquela mesma sociedade14

. Carvalho, ao realizar este cotejo, pontua que, nas primeiras, denominadas como industriais, os riscos se delimitavam a certos grupos sociais, já na sociedade de risco, de estrutura pós-industrial, o risco e sua distribuição adquiriram uma nova formatação, sendo capaz de atingir a todas as classes sociais indiscriminadamente15

.

Precursor da teoria do risco, Beck destaca a indissociabilidade do processo de industrialização e da produção de riscos, eis que um dos mais proeminentes efeitos do desenvolvimento científico industrial é justamente a exposição aos riscos e inúmeras formas de contaminação, nunca antes vistos, em

12

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes (Orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151-214. p. 151-152.

13

LEITE, J.R.M., op.cit. p. 152.

14

STEIGLEDER, A. M., op. cit., p. 86.

15

(14)

decorrência deste próprio desenvolvimento16

. Reforçando essa idéia, Steigleder argumenta que:

A sociedade de riscos é marcada pelo paradoxo de que os riscos foram gerados pela progressiva sofisticação da tecnologia e da ciência, a qual, agora, não consegue encontrar uma forma para reagir adequadamente a eles, resvalando no binômio probabilidade/improbabilidade17.

Percebe-se, então, que a crise ambiental está situada no contexto dessa sociedade de risco. Aliás, agrava-se o problema ante a percepção de que os riscos gerados hoje não se limitam à geração atual, mas também afetam as gerações futuras, talvez de forma ainda mais dramática18. Dessa forma, o risco é um dos

maiores problemas a enfrentar quando se trata de uma efetiva proteção jurídica ao meio ambiente.

Especificamente quanto aos riscos ecológicos, segundo Beck, há duas formas: o risco concreto ou potencial – visível e previsível; e o risco abstrato – invisível e imprevisível pelo conhecimento humano19. Quanto ao último, marca da sociedade

de risco pós-industrial, são caracterizados, segundo Carvalho, pela invisibilidade, complexidade, globalidade e transtemporalidade, eis que o conhecimento científico vigente não é capaz de determinar sua previsibilidade20

.

No que concerne às características desses riscos, Guerra argumenta que: Há de se observar também que em muitos casos o risco é imprevisível e imperceptível. Imprevisível porque não há um controle do futuro, o amanhã é incerto. Por isso que Beck adverte que na sociedade de risco o passado perdeu seu poder de determinação do presente e as atitudes e decisões cotidianas tendem a ser motivadas por um futuro fictício, construído e incerto.

Além da imprevisibilidade, o risco, por certo, pode ser imperceptível. Novamente colhendo os ensinamentos de Beck, na sociedade de risco a ciência tem um papel político ímpar e compete a ela (ciência) identificar os riscos, mapear as implicações e apontar as soluções. Não é possível detectar e debater as ameaças presentes na energia nuclear sem um certo grau de conhecimento científico dos processos que ela compreende21.

16

BECK, Ulrich. Sociedade de risco: rumo a uma outra modernidade. São Paulo: Editora 34, 2010. p.25.

17

STEIGLEDER, A. M., op. cit., p. 87.

18

DEMAJOROVIC, Jacques. Sociedade de risco e responsabilidade socioambiental: Perspectivas para a educação corporativa. São Paulo: Editora Senac, 2003. p.35.

19

LEITE, J.R.M., op.cit. p. 153.

20

CARVALHO, D.W, op. cit., p.67-69.

21

(15)

Nesse contexto, a principal característica da Sociedade de Risco é a irresponsabilidade organizada, fenômeno responsável por maquiar a percepção coletiva quanto à existência dos riscos. Assim, apesar da consciência da existência de riscos, seus efeitos e proporções são ocultados ou minimizados pelo Poder Público e pelos demais sistemas da sociedade.

Dessa forma, tendo em vista que o desenvolvimento econômico ainda é o objetivo principal das políticas públicas, o Estado utiliza instrumentos a fim de esconder os efeitos dos riscos ecológicos, além de deturpar a imagem que a sociedade tem acerca da realidade da crise ambiental. Assim, a irresponsabilidade

organizada faz do Estado um fantoche, na medida em que este apenas dá

publicidade aos fatos científicos na medida de seu interesse22, impossibilitando a real

medição do conteúdo e da extensão dos riscos. Corroborando essa idéia, Ferreira faz importantes apontamentos:

Verifica-se, portanto, que há uma convergência de esforços no sentido de evitar o reconhecimento e o conhecimento social dos riscos gerados pelo processo de modernização adotado pela sociedade industrial. Precisamente no momento em que os riscos parecem assumir maior gravidade, forma-se um labirinto que, incontestavelmente, estabelece a impunidade, favorecendo a proliferação de um sistema que compromete a própria existência da vida na Terra23.

Nesse diapasão, Steigleder argumenta que quanto maior a degradação ambiental, maior é o peso da legislação. No entanto, em perfeita contradição, ao mesmo tempo, nenhum indivíduo ou instituição parece ser responsabilizado especificamente24

, consistindo em verdadeira ineficácia dos meios de repressão e prevenção da degradação ambiental.

A solução para esta irresponsabilidade organizada é, portanto, a gestão compartilhada dos riscos, através da informação, propiciando a todos saber e medir

22

LEITE, José Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque da hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental, Ano 14, n. 56, p. 55-92. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. out.-dez. 2009. p.57.

23

FERREIRA, Heline Sivini. A sociedade de risco e o princípio da precaução no direito ambiental brasileiro. Dissertação apresentada ao Curso de Pós-Graduação em Direito da Universidade Federal de Santa Catarina, como requisito à obtenção do grau de Mestre em Direito. Florianópolis, 2003. p. 33.

24

(16)

os efeitos e proporções dos riscos ecológicos, além da repartição das responsabilidades, sob o manto da solidariedade.

Assim sendo, urge que haja participação mais efetiva de todos para que os problemas ambientais que se manifestam na sociedade de risco global não se apresentem em níveis irreversíveis. O fato é que os riscos apresentados são reais e que ensejam uma tomada de consciência e de participação efetiva sob pena de comprometer a própria existência da humanidade25. Nesse sentido, Ayala pontua que:

a possibilidade de um futuro não é promessa, mas compromisso, que só pode ser realizado mediante uma tríade de condições estruturadas em torno da participação, da informação e da repartição de responsabilidades (solidariedade). O possível deixa, desta forma, de ser socialmente reproduzido como expressão que identifica condições de imobilismo ou de impotência perante um futuro inacessível, desconhecido e incompreensível, para assumir a qualidade de objetivo de compromisso jurídico tendente à concretização, tarefa que depende de severos compromissos de solidariedade26.

Complementando esta idéia de solidariedade, vale frisar que é imperioso que o Estado facilite o acesso aos canais de participação, gestão e decisão dos problemas causados por essa irresponsabilidade no controle dos modos de produção e exploração dos recursos naturais27

.

Ainda acerca dessas necessárias alterações no Estado, Carvalho afirma que estas são conseqüências das transformações havidas na sociedade, sobretudo, no que concerne à proliferação de direitos, a qual causou um enfraquecimento do poder do Estado, deslocando a centralidade do poder político para outros entes28

. Complementando essa ideia, o autor afirma que:

A repercussão dessas alterações havidas no âmago da sociedade demonstra profundas conseqüências no papel do Estado e na sua relação com as transformações necessárias a uma nova teoria jurídica para os novos direitos. A dinâmica desses processos políticos e, sobretudo, econômicos, em dimensão global, demonstra-se diretamente vinculada a uma perda de poder do Estado-nação moderno e do próprio conceito clássico de soberania. [...]

Dessa maneira, pode ser observada uma fragmentação do poder político com o surgimento de inúmeros atores a competir com o até então Estado

25

GUERRA, S., op. cit., p. 209.

26

AYALA, Patryck de Araujo. A proteção jurídica das futuras gerações na sociedade de risco global: o direito ao futuro na ordem constitucional brasileira. In: LEITE, José Rubens Morato; FERREIRA, Heline Sivini. Estado de direito ambiental: tendências: aspectos constitucionais e diagnósticos. Rio de Janeiro: Forense Universitária, 2004. p.201.

27

LEITE, J.R.M., op.cit. p. 154.

28

(17)

centralizador desse poder. Tal fenômeno pode ser observado também nas esferas de decisão acerca do ambiente extracomunicacional. Atores sociais, tais como ONGs e organizações transnacionais, passam a desenvolver um papel fundamental na proteção do meio ambiente, demonstrando a existência de um fenômeno de ecodemocratização do sistema político. (grifo do autor)29.

Assim, este enfraquecimento do Estado acompanhado pelo aumento das demandas prestacionais decorrentes da proliferação de direitos, além da necessidade de controle dos riscos são apontados pelo autor como o grande desafio do Estado em face na nova sociedade produtora de riscos30

.

Não obstante esse enfraquecimento do papel do Estado como centro de tomadas de decisão, ante o aparecimento de outros entes participativos, por outro lado, neste cenário de gestão compartilhada dos riscos, a função do Estado se intensifica, eis que é essencial para propiciar o acesso à informação e participação ambiental, seja nos processos administrativos ambientais, seja através da função legislativa, demandando uma verdadeira transformação do Estado, do direito e da própria sociedade, ante os problemas ambientais crescentes na sociedade de risco.

1.2 ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

Como conseqüência desta necessária transformação, surge a idéia de um Estado de Direito Ambiental, uma construção teórica, projetada no mundo real ainda como um devir. Assim, segundo os ensinamentos de Leite, o Estado de Direito Ambiental “tem valor como construção teórica e mérito como proposta de exploração de outras possibilidades que se apartam da realidade para compor novas combinações daquilo que existe”31.

A seguir, Leite, ao conceituar o Estado de Direito Ambiental, cita Capela, definindo-o como

a forma de Estado que se propõe a aplicar o princípio da solidariedade econômica e social para alcançar um desenvolvimento sustentável,

29

CARVALHO, D.W, op. cit., p.16-17.

30

CARVALHO, D.W, op. cit., p.17.

31

(18)

orientado a buscar a igualdade substancial entre os cidadãos, mediante o controle jurídico do uso racional do patrimônio natural32.

Na construção desse novo Estado, Pureza aponta que a conferência de status constitucional à proteção ao meio ambiente e à promoção da qualidade de vida, considerados novos direitos, parece trazer conflituosidade entre estes e os tradicionais direitos, como o desenvolvimento econômico, pleno emprego, dentre outros33

.

No entanto, esse embate tende a ser aparente, eis que esses novos direitos proporcionam um avanço, na medida em que propõem mudanças na forma de desenvolvimento, com base em novos ideais econômicos, propondo o uso racional e solidário dos recursos naturais34

. Assim, é justamente a constitucionalização da proteção ambiental, através de sua inserção como objetivo principal do Estado, que faz surgir o ideal do Estado de Direito Ambiental, cujas finalidades precípuas são a defesa do meio ambiente e a promoção da qualidade de vida35

.

Assim, o Estado de Direito Ambiental é, na verdade, uma utopia. Segundo Santos, isto se deve justamente pela necessidade dessa grande transformação do Estado e da sociedade.

Por outro lado, a utopia ecológica é utópica, porque a sua realização pressupõe a transformação global, não só dos modos de produção, mas também do conhecimento científico, dos quadros de vida, das formas de sociabilidade e dos universos simbólicos e prossupõe, acima de tudo, uma nova relação paradigmática com a natureza, que substitua a relação paradigmática moderna. É uma utopia democrática porque a transformação a que aspira pressupõe a repolitização da realidade e o exercício radical da cidadania individual e colectiva, incluindo nela a carta dos direitos humanos da natureza. É uma utopia caótica porque não tem um sujeito histórico privilegiado. Os seus protagonistas são todos os que, nas diferentes constelações de poder que constituem as práticas sociais, tem consciência de que sua vida é mais condicionada pelo poder que outros exercem sobre eles do que pelo poder que exercem sobre outrem36.

32

LEITE, J.R.M., op.cit. p. 170.

33

PUREZA, José Manuel. Tribunais, natureza e sociedade: o direito do ambiente em Portugal. Coimbra:Centro de estudos sociais, 1997. p. 28.

34

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.31.

35

RANGEL, Paulo Castro. Concertação, programação e direito do ambiente. Coimbra: Coimbra Editora, 1994. p.33.

36

(19)

Ao descrever o Estado de Direito Ambiental, Rangel o faz sob um critério estrutural-funcional e pontua que, quanto à estrutura, surge um Estado que vai além do modelo intervencionista keynesiano, havendo um estímulo à participação dos cidadãos. Já sob o aspecto funcional, o mesmo autor argumenta que o Estado assume novas tarefas, como a proteção ao meio ambiente e a promoção da qualidade de vida, consistindo em fins diversos daqueles anteriores existentes no Estado de Direito e no Estado Social37

.

Assim, tem se que o conceito de Estado de Direito Ambiental abrange elementos jurídicos, sociais e políticos, que deverão ser agregados a fim de chegarmos a uma condição ambiental que harmonize os ecossistemas e promova a dignidade dos seres38.

Quando se traz a ideia do Estado de Direito Ambiental, Canotilho se debruça sobre o tema e pontua que não basta ser um Estado de Direito, Democrático e Social, devendo ser também um Estado Ambiental39

. Assim, o doutrinador apresenta duas delimitações, uma positiva, outra negativa. A primeira diz respeito à acessibilidade dos cidadãos sobre as matérias ambientais, perpassando o direito à informação, além do dever de participação nos processos ambientalmente relevantes, culminando com a formação de um Estado de justiça ambiental40

. Por

outro lado, no que concerne às delimitações negativas, deve haver uma proibição da estatização dos bens ambientais, na medida em que não são bens públicos propriamente ditos, mas pertencem a todos. Do mesmo modo, deve-se rejeitar a tecnização da tutela ambiental, uma vez que um aprofundamento técnico exacerbado cerceia a participação dos cidadãos na tomada de decisões e na confecção das normas de direito ambiental. Por último, o Estado não pode ser visto como um mero Estado Liberal, detentor do poder de polícia, que existe tão somente a fim de assegurar a paz, confiando na livre regulação por parte dos particulares41.

37

RANGEL, P.C., op.cit, p. 19-20.

38

LEITE, J.R.M.; BELCHIOR, G.P.N., op.cit., p. 65.

39

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Público do Ambiente apud LEITE, José Rubens Morato; BELCHIOR, Germana Parente Neiva. Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque da hermenêutica jurídica. Revista de Direito Ambiental, Ano 14, n. 56, p. 55-92. São Paulo: Editora Revista dos Tribunais. out./dez. 2009. p.63-64.

40

CARVALHO, D.W, op. cit., p.21.

41

(20)

Este ponto é importante, na medida em que demonstra o papel essencial do Estado nesta nova ordem social.

Assim, a consecução do Estado de Direito Ambiental passa, necessariamente, pela percepção dos estágios da atual crise ambiental. Além disso, exige-se, para tanto, um modelo de responsabilidade compartilhada, solidária e participativa, unindo-se Estado e cidadãos, em busca da preservação do ambiente42,

na medida em que a tarefa de proteção não pode – nem deve – ser exclusivamente atribuída ao Estado.

O Estado de Direito Ambiental, por conseguinte, implica em uma alteração no pilar democrático clássico do Estado Democrático de Direito, mediante um fortalecimento das formas de democracia direta, em detrimento à democracia representativa, através da participação direta da sociedade no processo de tomada de decisões em matéria ambiental. Tal processo, segundo Carvalho, tem por justificativa a efemeridade dos mandatos eletivos que, ao contrário das questões ambientais as quais se propagam por gerações, têm sua duração curta e determinada43

.

Ainda inserida nessa ideia de responsabilidade compartilhada, traz- se a noção da necessária limitação do direito de propriedade dos sujeitos da coletividade, na medida em que são partícipes desse modelo de proteção ambiental solidária e participativa.

Na busca pelo Estado de Direito Ambiental, depara-se com uma clara transição, eis que não pode subsistir aquele ideal liberal individualista do direito de propriedade absoluto, prevalecendo um ideal de função social ambiental da propriedade, correspondendo ao uso desta consoante os interesses da coletividade. Sobre esse aspecto, Benjamin afirma que

Num primeiro momento histórico, por força de Welfare State, reconhece-se uma função social ao direito de propriedade, legitimando, por exemplo, a intervenção do Estado para proteger categorias de sujeitos, como os trabalhadores. Mais recentemente, exige-se que a propriedade também

42

LEITE, J.R.M., op.cit. p. 175.

43

(21)

cumpra sua função social ambiental, como condição para seu reconhecimento pela ordem jurídica44.

Nessa mesma linha, necessária é a noção de responsabilidade-conduta, ou seja, é condição imprescindível à proteção ambiental que a sociedade usufrua o meio ambiente, abstendo-se de qualquer conduta que venha a degradá-lo45. Logo, a

proteção ambiental é um bem maior que pressupõe limitações ao direito de todos. É nesse contexto de limitações de direito, que toda ação ou omissão tendente a causar degradação ambiental deve ser reprimida, mediante um modelo ideal de responsabilização, perfectibilizado pelo uso consciente, por parte do Estado, das prerrogativas inerentes ao poder-dever de polícia ambiental.

1.3 PRINCÍPIOS DO ESTADO DE DIREITO AMBIENTAL

Durante longo tempo, discutiu-se acerca da normatividade dos princípios passando-se pela fase jusnaturalista, positivista e pós-positivista.

À parte qualquer discussão existente no passado acerca da força normativa dos princípios, a verdade é que, atualmente, os princípios, sobretudo na seara ambiental, assumiram um papel importante no ordenamento jurídico, tanto com função interpretativa, quanto integrativa, atuando como verdadeiras normas primárias, atuando no topo do sistema normativo.

Sobre a importância dos princípios, o professor Bonavides ensina

As regras vigem, os princípios valem; o valor que neles se insere se exprime em graus distintos. Os princípios, enquanto valores fundamentais, governam a Constituição, o regímen [sic], a ordem jurídica. Não são apenas a lei, mas o Direito em toda a sua extensão, substancialidade, plenitude e abrangência.[...]

A importância vital que os princípios assumem para os ordenamentos jurídicos se torna cada vez mais evidente, sobretudo se lhes examinarmos a função e presença no corpo das Constituições contemporâneas, onde aparecem como os pontos axiológicos de mais alto destaque e prestígio

44

BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. A Insurreição da Aldeia Global contra o Processo Civil Clássico: apontamentos sobre a opressão e a libertação judiciais do meio ambiente e do consumidor. BDJur, Brasília, DF. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/8688>. Acesso em: 20 abr. 2012.

45

(22)

com que fundamentar a Hermenêutica dos tribunais a legitimidade dos preceitos da ordem constitucional46.

Especificamente quanto à principiologia ambiental, ao ressaltar a relevância dos princípios, Tupiassu afirma que

Os princípios ambientais encontram-se, pois,no ordenamento jurídico pátrio, coma função de orientar a atuação do legislador e dos poderes públicos na concretização e cristalização dos valores sociais relativos ao meio ambiente, harmonizando as normas do ordenamento ambiental, direcionando a sua interpretação e aplicação, e ressaltando, definitivamente a autonomia do direito ambiental47.

Assim, tem se que os princípios servem para balizar a atuação do Estado, bem como satisfazer as exigências da sociedade no que concerne à tutela ambiental.

Acerca do papel dos princípios no Direito Ambiental, Mirra salienta que: “é importante destacar que os princípios cumpram igualmente essa outra função: definir e cristalizar determinados valores sociais, que passam, então a ser vinculantes para toda atividade de interpretação e aplicação do direito” 48.

Ancorado na significação dos princípios estruturantes do Direito Constitucional, dada por Canotilho, Leite utiliza a mesma expressão, aplicada ao direito ambiental, uma vez que são os “princípios constitutivos do núcleo essencial do direito do ambiente, garantindo certa base e caracterização” 49

.

Segundo Canotilho, os princípios estruturantes desempenham um duplo papel, possuindo duas dimensões

(1) uma dimensão constitutiva dado que os princípios, eles mesmos, na sua fundamentalidade principal, exprimem, indicam, denotam ou constituem uma compreensão global da ordem constitucional; (2) uma dimensão declarativa, pois estes princípios assumem, muitas vezes, a natureza de superconceitos, de vocábulos designantes, utilizados para exprimir a soma de outros subprincípios e de concretizações de normas plasmadas.

Assim, por exemplo, o princípio do Estado de direito significa, de forma global, a ideia de uma ordem de paz estadualmente garantida através do direito. Noutros casos, porém, é um simples vocábulo designante de vários princípios concretizadores com ele conexionados (princípio da juridicidade,

46

BONAVIDES, Paulo. Curso de Direito Constitucional. 19ª edição. Editora Saraiva, 2006. p.288-289.

47

TUPIASSU, Lise Vieira da Costa. O Direito Ambiental e seus princípios informativos. Revista de Direito Ambiental, São Paulo, Ano 8. n. 30, p.155-178, 2003. abr.- jun. 2003. p.163.

48

MIRRA, Alvaro Luiz Valery. Princípios fundamentais do direito ambiental. Revista de Direito Ambiental, v. 1, n. 2, p. 50-66, abr.-jun. 1996. p.62.

49

(23)

princípio de constitucionalidade, princípio da legalidade da administração, princípio da protecção da confiança, princípio da divisão de poderes)50. A seguir, sobre a necessária relação entre eles, assinala

As relações de complementaridade, de condicionamento e imbricação entre os princípios estruturantes explicam o sentido da especificidade e concordância prática: a especificidade (conteúdo, extensão e alcance) própria de cada princípio não exige o sacrifício unilateral de um princípio em relação aos outros, antes aponta para uma tarefa de harmonização, de forma a obter-se a máxima efectividade de todos eles51.

Assim, para se formular uma política ambiental, baseada na justiça, é indispensável que esta seja alicerçada nos princípios, os quais vão se formando a partir da sedimentação das questões criadas pela crise ambiental. Os princípios são, portanto, essenciais à construção do Estado de Direito Ambiental, servindo-lhe como base essencial52.

O presente trabalho está focado na responsabilidade ambiental e, por isso, dar-se-á prioridade à análise dos princípios atinentes a esse ponto.

1.3.1 Princípio da Solidariedade, Cooperação, Participação e Informação

A Constituição Federal de 1988 traz, em seu artigo 3º, inciso I, o princípio da solidariedade, ao estabelecer dentre os objetivos da República, “a construção de uma sociedade livre, justa e solidária” 53

. Do mesmo modo, o inciso III, do mesmo artigo, demonstra especial atenção à solidariedade ao estabelecer, também como objetivo da República, a erradicação da pobreza e da marginalização social, além da redução das desigualdades sociais e regionais. Assim, percebe-se que tais dispositivos estabelecem um novo marco constitucional, na medida em que consolidam a solidariedade como princípio54

.

50

CANOTILHO, José Joaquim Gomes. Direito Constitucional. 6ª ed. Coimbra: Almedina, 1993. p. 345-346.

51

CANOTILHO, J.J.G., op. cit., p. 348.

52

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.48.

53

BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil. Brasília: Senado Federal, 1988.

54

FENSTERSEIFER, Tiago. Estado socioambiental de direito e o princípio da solidariedade como seu marco jurídico-constitucional. Revista de Direitos Fundamentais e Justiça, Ano 02, n. 2, p. 132-157. Rio Grande do Sul: HS Editora – PUCRS. Jan-mar. 2008. Disponível em: <http://www.dfj.inf.br/Arquivos/PDF_Livre/2_Doutrina_8.pdf>. Acesso em: 01 mar. 2012. p.150.

(24)

O artigo 225, da Constituição Federal de 1988, além de outras inovações, guarda o mérito de instituir em nosso ordenamento jurídico a ideia da solidariedade em matéria ambiental. Desse modo, não apenas alçou o meio ambiente equilibrado ao status de direito fundamental, como também impôs ao Estado e, igualmente, à coletividade o dever de protegê-lo e preservá-lo55

.

Dessa forma, o artigo supracitado inaugurou no ordenamento brasileiro a ideia de responsabilidade compartilhada, consequência direta do princípio da solidariedade e essencial à consecução do Estado de Direito Ambiente.

Ao se referir sobre o assunto, Derani exalta, no texto constitucional, “o reconhecimento da indissociabilidade do Estado e da sociedade civil. Sua realização envolve a ação e abstenção de ambos, dentro de um processo comunicativo”56.

A crise ambiental não ocorre de forma isolada e individual. Ao contrário, seus efeitos atingem sujeitos indeterminados indistintamente e, dessa forma, a dignidade da pessoa humana não pode ser vista de maneira individual, mas também deve ser considerada sua dimensão coletiva. Nesse diapasão, cabe à solidariedade subordinar interesses privados àqueles pertencentes à maioria em prol do bem estar social, justamente por conta dessa indivisibilidade dos riscos e da crise ambiental57

. Assim, não se pode adotar uma visão individualista sobre a proteção ambiental, sem solidariedade e desprovida de responsabilidades difusas globais58

. Sobre o assunto, Fensterseifer expõe

[...] um dos elementos mais marcantes consubstanciados no princípio da solidariedade justamente à idéia de justiça distributiva (e também corretiva), já que o princípio oxigena a relação entre sociedade e Estado, deslocando parte das responsabilidades e encargos sociais para os particulares, principalmente no que tange à concretização dos direitos fundamentais e da dignidade humana, o que, especialmente no modelo liberal, só era possível de se conceber em face do Estado59.

55

MILARÉ, E., op. cit., p. 193.

56

DERANI, Cristiane. Direito ambiental econômico. São Paulo: Max Limonad, 1997. p. 226.

57

LEITE, J.R.M.; BELCHIOR, G.P.N., Estado de Direito Ambiental: uma análise da recente jurisprudência ambiental do STJ sob o enfoque da hermenêutica jurídica. op. cit. p. 68.

58

LEITE, J.R.M.,Sociedade de Risco e Estado. op.cit.. p. 181.

59

(25)

Além da noção de responsabilidade compartilhada e de justiça distributiva, este princípio basilar traz também o aspecto da solidariedade intergeracional, a qual não deixa de refletir uma consequência da justiça distributiva.

O próprio artigo 225, da Constituição Federal, tem em seu caput, a previsão relativa à solidariedade intergeracional, uma vez que objetiva garantir condições ambientais mínimas e favoráveis ao desenvolvimento da vida não apenas das presentes gerações, mas também busca resguardar boas condições para as próximas gerações. Ora, partindo-se do pressuposto de que o direito ao meio ambiente equilibrado é um direito fundamental, consoante estatuído na Declaração de Estocolmo de 1972, de nada adiantaria garanti-lo apenas às presentes gerações, deixando as futuras à mercê e desprovidas de direitos.

Sob a denominação de equidade intergeracional, Sampaio ao abordar o assunto, justifica esse princípio e explica

As presentes gerações não podem deixar para as futuras gerações uma herança de déficits ambientais ou do estoque de recursos e benefícios inferiores aos que receberam das gerações passadas. Esse é um princípio de justiça e equidade que nos obriga a simular um diálogo com nossos filhos e netos na hora de tomar uma decisão que lhes possa prejudicar seriamente60.

Citando Edith Brown Weiss, estudioso da teoria da equidade geracional, Carvalho faz importantes observações sobre o tema e assevera

A equidade intergeracional parte da constatação de que os desenvolvimento ambientalmente sustentável somente é possível, conforme leciona Edith Brown Weiss, se nós olharmos para a Terra e seus recursos não apenas como oportunidades de investimentos, mas como um verdadeiro patrimônio ambiental, que nos foi legado por nossos ancestrais, para ser usufruído e passado adiante aos nossos descendentes. Portanto, tal igualdade, entre gerações, de acesso aos recursos naturais estabelece que cada geração passe o legado ambiental em condições não inferiores às recebidas, resguardando a equidade de acesso aos seus recursos e benefícios61. Desse modo, resta claro que não há qualquer fundamento plausível que justifique a preferência às presentes gerações em detrimento daqueles que virão e necessitarão dos recursos de nosso planeta.

60

SAMPAIO, José Adércio Leite. Constituição e Meio Ambiente na Perspectiva do Direito Constitucional Comparado. In: Princípios de Direito Ambiental: na dimensão internacional e comparada. SAMPAIO, José Adércio Leite, WOLD, Chris, NARDY, José Fonseca. Belo Horizonte: Del Rey, 2003. p. 53.

(26)

Além disso, não devemos considerar nessa análise apenas gerações humanas, mas também todas as espécies e o meio ambiente, uma vez que a ameaça ecológica atinge a tudo e a todos indistintamente – terra, plantas, animais, além dos seres humanos.

Nesse sentido, essa noção da solidariedade entre as diversas espécies nos reporta a necessidade de valorizar “todas as manifestações existenciais, bem como o respeito e a reciprocidade indispensável ao convívio harmonioso entre todos os seres vivos da nossa casa planetária comum” 62.

Segundo Beck, a solidariedade entre os seres naturais desperta no homem a noção de que é um ser natural integrante de um todo natural ameaçado, em decorrência de sua própria responsabilidade, ocasionadas pelo desenvolvimento civilizatório63

.

Nesse contexto, é importante citar os dois dilemas éticos ligados à temática ambiental levantados por Leite: o antropocentrismo e a ecologia profunda. O primeiro, ainda que na sua nuance mais branda – o antropocentrismo alargado – centra as discussões acerca do ambiente na figura humana, afastando-se um pouco da ideia tradicional de que o meio ambiente serve como acúmulo de riquezas, e passando-se a considerá-lo como elementar para a vida humana. Em forma diametralmente oposta, propõe-se a ecologia profunda que visa a desconsiderar a proeminência humana, superando-se a ideia de que a natureza é mero objeto de direitos64

.

Sobre o assunto, Carvalho afirma haver “um alargamento do antropocentrismo tradicional, não apenas com a inclusão das futuras gerações como titulares de direitos, mas de uma solidariedade de interesses recíprocos entre a comunidade biótica e o homem” 65.

Desse modo, para a consecução do postulado de solidariedade entre as espécies pressupõe-se a necessidade de transpormos o antropocentrismo

61

CARVALHO, D.W., op. cit, p. 45.

62

FENSTERSEIFER, T., op.cit., p. 156.

63

BECK, U., op. cit., p. 83.

64

LEITE, J.R.M., op.cit.. p. 157-159.

65

(27)

tradicional, adotando-se uma postura mais condizente com a ecologia profunda, a fim de aperfeiçoar a proteção ambiental.

Percebe-se, então, que a solidariedade é o marco jurídico-constitucional do Estado do Ambiente, justamente em virtude da necessidade de relacionamento entre as diversas gerações, entre as diversas formas de vida66

, e também, entre os diversos entes da Sociedade.

Nesse contexto, segundo Belchior e Leite, o princípio da solidariedade é o fundamento teórico-jurídico do Estado de Direito Ambiental, na medida em que perpassa todos os demais princípios estruturantes – precaução, prevenção, participação, informação, responsabilização, do poluidor-pagador, dentre outros – seja de forma transversal ou direta.

Aliás, conforme já abordado, trata-se de um princípio que não opera de forma isolada. Fensterseifer, por sua vez, destaca sua atuação junto a outros princípios e valores da ordem jurídica, citando como destaque a justiça social, a igualdade substancial e a dignidade da pessoa humana67

.

Embora menos amplo, o princípio da cooperação está inserido na ideia de solidariedade, havendo, inclusive, certa confusão entre ambos os termos na doutrina.

Ao conceituar o princípio da cooperação, Oliveira afirma tratar-se do “dever imposto constitucionalmente ao Poder Público e à coletividade, de defender e preservar o ambiente ecologicamente equilibrado para as gerações presentes e futuras”68

.

Sobre a necessária cooperação, Leite e Ayala ressaltam

Com efeito, o texto constitucional assevera uma unidade de cooperação, da mesma forma inovadora, que pede um comportamento social ativo do cidadão, face à coletividade e à sua necessidade de proteção do patrimônio ambiental. Com isso, exige ou pressiona o Estado na elaboração de normas contemporâneas, voltadas a concretizar essa cooperação nas decisões da esfera ambiental. Portanto, esta norma constitucional, em seu conteúdo, obriga ao exercício de uma cidadania participativa e com responsabilidade

66

LEITE, J.R.M.; BELCHIOR, G.P.N.,op. cit. p. 71.

67

FENSTERSEIFER, T., op.cit., p. 151.

68

OLIVEIRA, William Figueiredo de. Dano Moral Ambiental. Rio de Janeiro: Lumen Juris Editora, 2007. p. 21.

(28)

social ambiental. Tal responsabilidade é uma obrigação com as gerações presentes e futuras, incluindo, obviamente, um uso racional dos bens e da solidariedade69.

Mais que uma cooperação entre o Estado e a coletividade, exige-se uma conjugação de esforços entre os diversos Estados, assumindo-se caráter internacional, em virtude do caráter transfronteiriço da ameaça ambiental. Assim, deve ser priorizada uma política solidária entre os Estados, com vistas à proteção ambiental intrageracional70

. Sobre a cooperação entre os Estados, prosseguem Leite e Ayala.

Por isso, importa uma soberania menos egoísta dos Estados e mais solidária no aspecto ambiental, com a incorporação dos sistemas mais efetivos de cooperação entre Estados, em face das exigências da preservação ambiental. Implica uma política mínima de cooperação solidária entre Estados em busca de combater efeitos devastadores da degradação ambiental. A cooperação pressupõe ajuda, acordo, troca de informações e transigência no que toca a um objetivo macro de toda a coletividade. Mais do que isto, aponta para uma atmosfera política democrática entre os Estados, visando a um combate eficaz à crise ambiental global. Na verdade, a crise ambiental tenderá a exigir uma cooperação compulsiva entre os Estados, em sua ação multilateral71.

Em que pese a soberania de cada Estado, Silva lembra que esta deverá limitar-se no direito dos outros. Aliás, afirma que o meio mais adequado para respeitar esse limite é justamente proteger o próprio meio ambiente72

.

A participação e a cooperação estão intimamente ligadas, sendo consideradas por Leite como “faces da mesma moeda”73

. Aliás, de nada vale a previsão constitucional de solidariedade entre o Estado e a coletividade na preservação ambiental, se não são dados aos cidadãos os meios para tanto. Desse modo, essencial é a previsão de meios de participação para que a sociedade se interaja dos acontecimentos em matéria ambiental e possam participar diretamente de seus processos, obtendo informações e sendo capazes de construírem suas próprias opiniões.

69

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.42.

70

Ibidem, p. 56.

71

Ibidem, p. 56-57.

72

SILVA, José Afonso da. Direito Ambiental Constitucional, 8ºed., São Paulo, Ed. Malheiros, 2010. p.64.

73

(29)

Nesse contexto, Milaré afirma não serem mais suficientes as estruturas oficiais e os órgãos de representação institucional na tomada de decisões ambientais. E mais, realçando a importância da participação comunitária, Milaré afirma carecer de legitimidade e eficácia qualquer processo político-administrativo desprovido de participação74

.

Em interessante trabalho acerca da participação, Milaré, citando Mirra, enumera de forma sistemática os mecanismos de participação previstos no ordenamento brasileiro, dividindo-as em três categorias: na criação do Direito Ambiental – por iniciativa popular no processo legislativo e pela participação em órgãos colegiados de caráter normativo; na formulação e execução de políticas ambientais – através do acompanhamento e discussão dos estudos de impacto ambiental, notadamente nas audiências públicas; e por meio do Poder Judiciário – por meio dos mecanismos judiciais de tutela ambiental, especialmente a ação civil pública e a ação popular75

.

Sob a nomenclatura de princípio democrático, Antunes também discorre sobre o tema e, abarcando a noção de participação e informação, afirma

O princípio democrático assegura aos cidadãos o direito de, na forma da lei ou regulamento, participar das discussões para a elaboração das políticas públicas ambientais e de obter informações dos órgãos públicos sobre matéria referente à defesa do meio ambiente de empreendimentos utilizadores de recursos ambientais e que tenham significativas repercussões sobre o ambiente, resguardado o sigilo industrial76.

No entanto, não se constrói uma participação efetiva, sem o devido acesso à informação. Salientando o importante papel da informação, Machado defende que “a informação serve para o processo de educação de cada pessoa e da comunidade. Mas a informação visa, também a dar chance à pessoa informada de tomar posição ou pronunciar-se sobre a matéria informada” 77

.

74

MILARÉ, E., op. cit., p. 194.

75

MILARÉ, Édis. Legislação ambiental e participação comunitária. Justitia, São Paulo, v. 52, n. 152, p. 23-39, out./dez. 1990. Disponível em: <http://bdjur.stj.gov.br/dspace/handle/2011/24100>. Acesso em: 27 nov. 2011. p.33-34.

76

ANTUNES, Paulo de Bessa. Direito Ambiental. 12ª ed.. Rio de Janeiro: Editora Lúmen Juris, 2010. p.26.

77

MACHADO, Paulo Affonso Leme. Direito Ambiental Brasileiro. 17 ed. São Paulo: Editora Malheiros, 2009. p.95.

(30)

Especificamente no que concerne ao direito à informação ambiental, o autor afirma que seu objetivo único não é formar a opinião pública, mas uma consciência ambiental, propiciando a manifestação, através de meios administrativos ou judiciais. E ainda, ressalta a importância do repasse de informações aos cidadãos sistemática e periodicamente, não se restringindo aos denominados acidentes ambientais78.

Por outro lado, deve ser ressaltado que, não obstante o caráter técnico e transdisciplinar da matéria ambiental, as informações repassadas devem ser desprovidas de excesso de tecnicidade, de modo que seja possível ao público, em geral, compreendê-la. De igual modo, a informação deve ser rápida, sob pena de sua ineficiência. E mais, independe de demonstração de interesse pessoal do informado, uma vez que as autoridades públicas não são proprietárias da informação, mas tão somente suas gestoras79.

Assim, temos que o direito à informação tem natureza coletiva e tem o papel de construir uma opinião pública informada, para que possa haver participação efetiva e consciente da sociedade nos processos decisórios em matéria ambiental.

Por essa breve análise dos princípios da solidariedade, da cooperação, da participação e da informação, é possível perceber que todos formam uma espécie de cadeia, na qual um é consequência do outro, estando intrínsecos uns aos outros, todos são essenciais à consecução do Estado de Direito Ambiental.

1.3.2 Princípio da Precaução e Prevenção

Igualmente indispensável ao Estado de Justiça Ambiental, são os princípios da Precaução e Prevenção. Ambos atuam no âmbito do risco e buscam remédios antecipatórios, a fim de evitar a consumação do dano ambiental, ou mesmo, mitigar seus efeitos.

78

Ibidem, p. 97-98.

79

(31)

Em que pese guardarem certa semelhança, a prevenção e a precaução se diferenciam em alguns aspectos, sendo de suma importância essa diferenciação face os diferentes tipos de risco, concretos ou abstratos. Nesse sentido, Carvalho realiza bem esse cotejo, uma vez que “enquanto os riscos concretos são geridos pela prevenção, os abstratos o são pela precaução” 80

.

Nesse mesmo sentido, elucidam Leite e Ayala

Comparando-se o princípio da precaução com o da atuação preventiva, observa-se que o segundo exige que os perigos comprovados sejam eliminados. Já o princípio da precaução determina que a ação para eliminar possíveis impactos danosos ao ambiente seja tomada antes de um nexo causal ter sido estabelecido com evidência científica absoluta81.

Mais tarde, ao aprofundar o tema, o mesmo autor, rememorando as lições de Alexandre Kiss, assevera que a precaução deve ser utilizada nos casos em que o risco é alto, em que a degradação pode atingir um nível irreversível ou extenso ao longo do tempo, ou mesmo, nos casos que os benefícios alcançados pela atividade poluente são desproporcionais ao impacto negativo sobre o meio ambiente. Enquanto que a prevenção atua como instrumento de controle, funcionando como medida de combate à poluição, antes que esta ocorra, tentando combater e mitigar os seus efeitos82

.

Desse modo, conforme lição de Antunes, o princípio da prevenção atua quando há “impactos ambientais já conhecidos e dos quais se possa, com segurança, estabelecer um conjunto de nexos de causalidade que seja suficiente para a identificação dos impactos futuros mais prováveis”83

.

Machado, ao tratar da prevenção, ressalta que os instrumentos utilizados na consecução de uma atuação preventiva podem variar de acordo com o desenvolvimento de um país e seus avanços tecnológicos, uma vez que a prevenção está intimamente ligada à pesquisa científica e à informação organizada.

80

CARVALHO, D.W, op. cit., p.71.

81

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.51.

82

Ibidem, p. 54.

83

(32)

Desse modo, tem-se que a prevenção não é, nem deve ser estática, devendo sempre estar sendo submetida a reavaliações84

.

Por outro lado, a precaução, nos dizeres de Leite, deve ser empregada “sempre que houver perigo de um dano grave ou irreversível, a ausência de incerteza científica absoluta não deverá ser utilizada como razão para se adiar a adoção de medidas eficazes, a fim de impedir a degradação ambiental” 85.

Nessa mesma linha, é a lição de Fiorillo: “a falta de incerteza científica não deve ser usada como meio de postergar a adoção de medidas preventivas, quando houver ameaça séria de dano irreversível” 86.

Assim, significa que, por conta da frequente dificuldade, incerteza e custo da reparação nas agressões ambientais, deve-se adotar um conduta in dubio pro

ambiente, na medida em que as emissões poluentes devem ser reduzidos,

sobrepondo-se o ambiente a uma atividade de risco, ainda que não haja certeza ou prova científica acerca dos danos causados por essa atividade87

.

Para ilustrar uma situação em que se deve recorrer a precaução, Mirra exemplifica

O motivo para a adoção de um posicionamento dessa natureza é simples: em muitas situações, toma-se verdadeiramente imperativa a cessação de atividades potencialmente degradadoras do meio ambiente, mesmo diante de controvérsias científicas em relação aos seus efeitos nocivos. Isso porque, segundo se entende, nessas hipóteses, o dia em que se puder ter certeza absoluta dos efeitos prejudiciais das atividades questionadas, os danos por elas provocados no meio ambiente e na saúde e segurança da população terão atingido tamanha amplitude e dimensão que não poderão mais ser revertidos ou reparados - serão já nessa ocasião irreversíveis88. Percebe-se, portanto, que os princípios da prevenção e precaução são elementos essenciais para a eficácia e construção de um verdadeiro Estado Ambiental, na medida em que só poderemos evitar e mitigar os danos ambientais a partir de uma ação preventiva e precaucional.

84

MACHADO, P. A. L., op. cit., p. 92.

85

LEITE, J.R.M.; AYALA, P.A.,op. cit., p.51.

86

FIORILLO, Celso Antônio Pacheco. Curso de Direito Ambiental brasileiro. 11ª Ed. São Paulo: Saraiva, 2010. p.116.

87

LEITE, J.R.M., op.cit.. p. 196-197.

88

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