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A fim de se entender melhor o dano ambiental e o instituto da responsabilidade civil ambiental, necessário é uma breve análise do que se trata, verdadeiramente, o bem ambiental, seus principais aspectos e a sua natureza jurídica.

O artigo 3º, inciso I, da Lei 6.938/1981, Lei da Política Nacional do Meio Ambiente, tem o condão de nos oferecer a definição legal de meio ambiente adotada pelo sistema jurídico brasileiro, conceituando-o como “o conjunto de condições, leis, influências e interações de ordem física, química e biológica, que permite, abriga e rege a vida em todas as suas formas”.

É fácil perceber que se trata de um conceito amplo, juridicamente indeterminado, eis que o legislador não procurou restringir o alcance da norma119

. Ademais, resta claro que a definição trazida na legislação ordinária, especialmente na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente foi perfeitamente recepcionada pela Constituição Federal de 1988, na medida em que a Carta Magna buscou tutelar não só o meio ambiente natural, mas também o artificial, o cultural e o do trabalho120

.

Nesse contexto, Silva conceitua o meio ambiente como o “conjunto de elementos naturais, artificiais e culturais que propiciem o desenvolvimento equilibrado da vida em todas as suas formas”121

.

Partilhando a mesma ideia, Benjamin pontua

Assim, o meio ambiente é bem, mas, como entidade, onde se destacam vários bens materiais em que se firma, ganhando proeminência, na sua identificação, muito mais o valor relativo à composição, característica ou utilidade da coisa do que a própria coisa. Uma definição como esta de meio

119

FIORILLO, C.A.P.,op. cit., p.70.

120

Ibidem, p. 70.

121

ambiente, como macrobem, não é incompatível com a constatação de que o complexo ambiental é composto de entidades singulares (as coisas, por exemplo) que, em si mesmas, também são bens jurídicos: é o rio, a casa de valor histórico, o bosque com apelo paisagístico, o ar respirável, a água potável122.

É, portanto, nesse diapasão, que o conceito de meio ambiente se confunde à noção de bem ambiental. Além disso, o meio ambiente não se restringe aos elementos corpóreos que o compõem, pois, ao contrário, abrange todas as relações de interdependência recíprocas entre eles, alcançando um conceito muito mais amplo123.

É justamente nesse contexto que se insere a noção de macro e micro bem ambiental. Enquanto a primeira confunde-se com a ideia de meio ambiente, caracterizando-se pela unicidade e indivisibilidade, a segunda inclui cada um dos elementos que compõe o meio ambiente (água, ar, solo, florestas).

Daí decorre a caracterização do meio ambiente como macrobem; bem unitário, indivisível e de natureza imaterial, já que não se confunde com os microbens ambientais – estes sim, corpóreos – que o compõem. Lembre-se que esta compreensão sistêmica de meio ambiente encontra-se inserida no ordenamento jurídico brasileiro, tanto nas definições de meio ambiente, degradação da qualidade ambiental e poluição, presentes na Lei da Política Nacional do Meio Ambiente (Lei 6.938/81), como na Constituição da República, que considera o meio ambiente como bem jurídico autônomo, de titularidade difusa e cuja proteção é indispensável ao respeito da dignidade da pessoa humana124.

O macrobem, além de imaterial e incorpóreo caracteriza-se, quanto à sua natureza jurídica, como bem de uso comum do povo, cuja definição legal está prevista nos artigos 98 e 99, do Código Civil. Esta classificação civilista dos bens é analisa por Pereira, que, no que concerne aos bens de uso comum do povo de forma ultrapassada e não condizente com o direito ambiental, assevera:

[...] pertencentes embora a um ente público estão fraqueados a todos, como os mares, rios, estradas, ruas e praças. [...] No direito atual o que é franqueado é o seu uso, e não o seu domínio, sendo eles, portanto, objeto

122

BENJAMIN, Antonio Herman Vasconcellos e. Dano Ambiental: prevenção, reparação e repressão apud LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado. In: LEITE, José Rubens Morato; CANOTILHO, José Joaquim Gomes (Orgs.). Direito Constitucional Ambiental Brasileiro. São Paulo: Saraiva, 2006. p. 151-214. p.166.

123

LEITE, José Rubens Morato; MOREIRA, Danielle de Andrade; ACHKAR, Azor El. Sociedade de

risco, danos ambientais extrapatrimoniais e jurisprudência brasileira. Disponível em:

http://www.estig.ipbeja.pt/~ac_direito/direitodoambienterevistasest.html>. Acesso em 20 abr. 2012.

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de uma relação jurídica especial na qual o proprietário é uma entidade de direito público (União, Estado, Município) e usuário todo o povo125.

Por outro lado, a concepção administrativista de bem de uso comum abordada por Meirelles, não o considera como propriedade pública estritamente, tendo o Poder Público tão somente o poder de administração e vigilância sobre as condições de utilização do bem pela coletividade126

.

Reforçando essa ideia Baracho Junior afirma que o meio ambiente trata- se de “um bem de livre uso e fruição a todos os cidadãos, agindo o Poder Público no sentido de administrar a manutenção de sua integridade, exercendo a vigilância necessária para tal”127

.

No entanto, não obstante reconhecer que os bens públicos de uso comum não são pertencentes ao Estado, mas apenas geridos por este, ainda esse entendimento administrativista é incompleto, na medida em que trata apenas dos bens considerados públicos, desprezando aqueles cuja titularidade é de um particular. Desse modo, também não se pode utilizar esse conceito de bem de domínio público, uma vez que carece de reconhecer o meio ambiente como um todo, em sua globalidade, considerado como macrobem.

Vale lembrar que, em que pese o bem ambiental como macrobem ser considerado como de interesse público, o microbem, particularmente considerado, pode ter seu regime de propriedade variado, podendo ser público ou privado, no que concerne à sua titularidade dominial128.

Nesse contexto, afirma o Leite que não há qualquer distinção nesse aspecto, logo “seja o proprietário público ou particular, não poderá dispor da

125

PEREIRA, Caio Mário da Silva.Instituições de direito civil:volume I - introdução ao direito civil : teoria geral de direito civil.5. ed. rev. e atual. Rio de Janeiro: Forense, 1980. p.383.

126

MEIRELLES, Hely Lopes. Direito administrativo brasileiro. 35. ed. atual. São Paulo: Malheiros, 2009. p. 530.

127

BARACHO JÚNIOR. José Alfredo de Oliveira. Proteção do Meio Ambiente na Constituição da República. Belo Horizonte: Editora Fórum, 2008. p. 85.

128

LEITE, José Rubens Morato; PILATI, Luciana Cardoso. Evolução da Responsabilidade Civil Ambiental: 25 anos da Lei 6.938/81. In: ROCHA. João Carlos de Carvalho Rocha; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan. Política Nacional do Meio Ambiente: 25 anos da Lei 6.938/1981. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 270

qualidade do meio ambiente ecologicamente equilibrado, devido à previsão constitucional, considerando-o macrobem cuja titularidade pertence a todos”129

. Concluindo essa ideia, Antunes expõe que

meio Ambiente é, portanto, uma res communes omnium. Uma coisa comum a todos, que pode ser composta por bens pertencentes ao domínio público ou ao domínio privado. A propriedade do bem jurídico meio ambiente, quando se tratar de coisa apropriável, pode ser pública ou privada. A fruição do bem jurídico meio ambiente é sempre de todos da sociedade. Por outro lado, o dever de proteger o meio ambiente é de toda a coletividade e pode ser exercido por um cidadão, pelas associações, pelo Ministério Público ou pelo próprio Estado contra o proprietário dos bens ambientais que sejam propriedade de alguém130.

Diante do que foi exposto, mostra-se como a posição mais condizente à proteção ambiental aquela defendida por Silva, na medida em que cria uma nova categoria de bens – os bens de interesse público, na qual estão inseridos tantos os bens públicos, quanto os particulares. Desse modo, tais bens estão submetidos a um regime jurídico próprio no que concerne ao seu gozo e sua disponibilidade, bem como um tratamento particular no que tange ao poder de polícia e intervenção estatal, enquanto essenciais vinculados a um fim de direito coletivo131

. Nessa mesma linha, Kishi acrescenta

O termo ‘uso comum’ vem num sentido de qualificar esse uso para o bem- estar geral. Trata-se de um bem jurídico que a todos pertence, conjunta e indistintamente, como é próprio dos bens coletivos lato sensu. E dessa feita, é protegido por um direito que objetiva assegurar interesses transindividuais, indivisíveis, de pessoas indeterminadas e ligadas por uma situação de fato. A afirmação de que o meio ambiente equilibrado pertence a todos, indistintamente, exclui a conclusão de que seja res nullius, coisa de ninguém132.

Desse modo, pelo exposto, deve ficar claro que o tratamento do meio ambiente como macrobem, trazido pela Carta Magna, é a melhor maneira de protegê-lo, de modo que sua fragmentação coloca em risco o sistema ecológico

129

LEITE, José Rubens Morato. Sociedade de Risco e Estado., op. cit., p. 166.

130

ANTUNES, P. de B., op. cit. p. 248.

131

SILVA, J.A., op. cit., p.83.

132

KISHI. Sandra Akemi Shimada. Política Nacional do Meio Ambiente e o Desenvolvimento Sustentado, a Intervenção Obrigatória do Estado e o Acesso ao Bem Ambiental. In: ROCHA. João Carlos de Carvalho Rocha; HENRIQUES FILHO, Tarcísio Humberto Parreiras; CAZETTA, Ubiratan. Política Nacional do Meio Ambiente: 25 anos da Lei 6.938/1981. Belo Horizonte: Del Rey, 2007. p. 53.

como um todo. Por essa razão, ainda, o bem ambiental, considerado em seu sentido

latu, é inapropriável133

.

A noção de bem ambiental como bem de interesse público é, portanto, essencial à ideia de responsabilização, na medida em demonstra a necessidade de mudança nos paradigmas da responsabilidade civil clássica para que melhor se coadune ao bem protegido, no caso o bem ambiental coletivamente considerado. Desse modo, tecidas as devidas considerações acerca do bem ambiental, passa-se à análise do dano ambiental.