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8 OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA ALÉM DA CULTURA E PODER NAS

9.4 Dano existencial: frustação ao projeto de vida da pessoa transgênera

Em outros itens foram ressaltados os direitos fundamentais das pessoas transgêneras e os princípios combativos de qualquer forma de discriminação. Ademais, foi demonstrando como o princípio da dignidade humana nas relações de trabalho deve absorver, além dos direitos mínimos, o conteúdo da honra, compreendida como o direito ao livre exercício da vida privada e intimidade.

A existência digna contempla diversas faces do ser humano, inclusive, a sua integridade psíquica e o seu bem-estar psicológico, assim como, o direito do indivíduo de escolher e realizar atividades – concretizar metas -, que darão sentido à vida e que, ao mesmo tempo, não violem o ordenamento jurídico.410

Segundo Frota e Bião:

O ser precisa dos outros (seres coexistenciais), para assimilar as normas, os valores e os aprendizados em sociedade, bem como para saber quem é e definir o próprio projeto de vida. É vivendo com seus semelhantes que o sujeito aprende e internaliza experiências que propiciarão sentido à sua existência.

Nesse sentido, o prejuízo às relações sociais da pessoa e ao seu projeto de vida resultam no dano existencial. No Direito do Trabalho, esse tipo de dano vem ganhando destaque na doutrina e na jurisprudência. Rúbia Alvarenga e Jorge Cavalcanti explicam que:

O dano existencial no Direito do Trabalho, também chamado de dano à existência do trabalhador, decorre da conduta patronal que impossibilita o empregado de se relacionar e de conviver em sociedade por meio de atividades recreativas, afetivas, espirituais, culturais, esportivas, sociais e de descanso, que lhe trarão bem-estar físico e psíquico e, por consequência, felicidade; ou que o impede de executar, de prosseguir ou mesmo de recomeçar os seus projetos de vida, que serão, por sua vez, responsáveis pelo seu crescimento ou realização profissional, social e pessoal.411

O dano existencial traz como consequência a frustração de uma realização pessoal do trabalhador, seja nas suas relações pessoais, seja nas suas metas de

410

FROTA, Hidemberg Alves da; BIÃO, Fernanda Leite. A dimensão existencial da pessoa humana, o dano existencial e o dano ao projeto de vida: reflexões à luz do direito comparado. Cadernos da

Escola de Direito e Relações Internacionais, Curitiba, vol. 1, n. 13, pp. 129-163. Disponível em:

<http://apps.unibrasil.com.br/revista/index.php/direito/article/viewFile/419/360>. Acesso em: 11 de janeiro de 2015, p. 131.

411

ALVARENGA, Rúbia Zanotelli de; BOUCINHAS FILHO, Jorge Cavalcanti. O dano existencial e o direito do trabalho. R. TRT 8ª Região. Belém. v. 46, n. 91, pp. 163-195, jul./dez./2013, p. 166.

vida. Sendo assim, além dos elementos clássicos de qualquer forma de dano, deve- se avaliar dois outros elementos: o projeto de vida e a vida de relações.

Nos dizeres de Hidemberg Frota e Fernanda Bião:

O projeto de vida, em síntese, traduz as possibilidades de concretudes dentro do existir humano em sociedade, o que vai permitir ao sujeito a realização de escolhas pertinentes às várias esferas em que atua (tais como a familiar, a profissional, a social, a religiosa e a educacional) durante a sua vida, período em que será instado a executar tal projeto não apenas de maneira autêntica, planejada e realista como também de modo adaptável à dinâmica pessoal e social, flexível ante as transformações de âmbito individual e coletivo.412

Concernente ao dano à vida de relação, resta concretizado quando atinge as relações sociais da pessoa, de modo que a impeça de usufruir da vida fora do trabalho, por meio de atividades lúdicas, desportivas, artísticas, dentre outras.

Observe-se que este tema remete ao já discutido na seção 8.2, isto é, uma vida de sentido, dentro e fora do trabalho.

Retirar esse sentido ao trabalhador gerará um dano extrapatrimonial objetivo associado à sua existência. O Tribunal Superior do Trabalho já reconheceu o dano existencial, em casos de frustação ao trabalhador em não realizar um projeto de vida e no prejuízo das relações sociais e familiares, em razão da privação do seu direito a férias.

DANO MORAL. DANO EXISTENCIAL. SUPRESSÃO DE DIREITOS TRABALHISTAS. NÃO CONCESSÃO DE FÉRIAS. DURANTE TODO O PERÍODO LABORAL. DEZ ANOS. DIREITO DA PERSONALIDADE. VIOLAÇÃO. 1. A teor do artigo 5º, X, da Constituição Federal, a lesão causada a direito da personalidade, intimidade, vida privada, honra e imagem das pessoas assegura ao titular do direito a indenização pelo dano decorrente de sua violação. 2. O dano existencial, ou o dano à existência da pessoa, ―consiste na violação de qualquer um dos direitos fundamentais da pessoa, tutelados pela Constituição Federal, que causa uma alteração danosa no modo de ser do indivíduo ou nas atividades por ele executadas com vistas ao projeto de vida pessoal, prescindindo de qualquer repercussão financeira ou econômica que do fato da lesão possa decorrer.‖ (ALMEIDA NETO, Amaro Alves de. Dano existencial: a tutela da dignidade da pessoa humana. Revista dos Tribunais, São Paulo, v. 6, n. 24, mês out/dez, 2005, p. 68.). 3. Constituem elementos do dano existencial, além do ato ilício, o nexo de causalidade e o efetivo prejuízo, o dano à realização do projeto de vida e o prejuízo à vida de relações. Com efeito, a lesão decorrente da conduta patronal ilícita que impede o empregado de usufruir, ainda que parcialmente, das diversas formas de relações sociais fora

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do ambiente de trabalho (familiares, atividades recreativas e extralaborais), ou seja que obstrua a integração do trabalhador à sociedade, ao frustrar o projeto de vida do indivíduo, viola o direito da personalidade do trabalhador e constitui o chamado dano existencial. 4. Na hipótese dos autos, a reclamada deixou de conceder férias à reclamante por dez anos. A negligência por parte da reclamada, ante o reiterado descumprimento do dever contratual, ao não conceder férias por dez anos, violou o patrimônio jurídico personalíssimo, por atentar contra a saúde física, mental e a vida privada da reclamante. Assim, face à conclusão do Tribunal de origem de que é indevido o pagamento de indenização, resulta violado o art. 5º, X, da Carta Magna.413

Avaliando o posicionamento doutrinário e a jurisprudência citada, entende-se plenamente possível a configuração de dano existencial quando as pessoas transgêneras não exercem seus projetos de vida referentes ao exercício pleno de sua sexualidade. Isso pode ocorrer quando proibidas de utilizarem o nome social no ambiente laboral, quando desestimuladas a realizarem a cirurgia de transgenitalização e/ou tomar hormônios, quando monitoradas no modo de vestir, comportar-se e ser.

Essas violações, que ultrapassam os limites do poder empregatício, de certo, destroem autoestimas e projetos de vida, culminando com a deterioração do próprio sentido da vida.

9.5 A efetividade dos direitos fundamentais e políticas públicas para inclusão