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8 OS SENTIDOS DO TRABALHO PARA ALÉM DA CULTURA E PODER NAS

9.3 Efeitos trabalhistas da conduta discriminatória e a garantia de indenidade

A discriminação ilegítima, no âmbito laboral, de pessoas transgêneras deverá ser punida, com cominação de sanções penais, civis, administrativas e trabalhistas, na linha do disposto no art. 5º, XLI, da Constituição Federal de 1988, o qual aduz: ―a lei punirá qualquer discriminação atentatória dos direitos e liberdades fundamentais‖.

Em relação às consequências jurídicas no espaço laboral interno, a norma em vigor que combate a discriminação nas relações de trabalho é a Lei n. 9.029/95. Sérgio Torres enfatiza que a referida Lei ―constitui, pois, a primeira medida proibitiva de dispensa abusiva explicitamente consagrada na letra da lei, e, destarte, representa um passo importante em direção a um novo modelo de controle sobre o exercício do direito de despedir do empregador‖406

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Acrescenta o autor que, embora seja um marco histórico juslaboralista no combate às discriminações, eis que visa a anular despedidas praticadas em violação aos princípios da igualdade e da não discriminação, ainda é pouco conhecida, divulgada e aplicada no Poder Judiciário.

Em seu art. 4º, o qual foi modificada pela Lei n. 12.288 de 20 de julho de 2010, dispõe que:

Art. 4o O rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório, nos moldes desta Lei, além do direito à reparação pelo dano moral, faculta ao empregado optar entre:

I - a readmissão com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, corrigidas monetariamente, acrescidas dos juros legais;

II - a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento, corrigida monetariamente e acrescida dos juros legais.

Assim, o empregado que teve seu contrato de trabalho rompido por discriminação terá a opção de ser reintegrado ou perceber uma remuneração em dobro.

Na primeira hipótese, há verdadeiro caso de reintegração e não em readmissão como equivocadamente está no texto, porque, caso o trabalhador pretenda retornar aos quadros da empresa, não haverá um novo contrato de

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trabalho, mas sim uma continuação do anterior, sendo devidas as verbas do período de afastamento, por força da decisão judicial.

O acréscimo ao texto anterior, inserido pela Lei n. 12.288/2010, foi a expressão ―além do direito à reparação pelo dano moral‖. É que o Tribunal Superior do Trabalho, em muitos julgados (Ex: RR 2438/2001-069-09-00.3), entendia pela incompatibilidade da acumulação do pedido de reintegração e danos morais, pois seria uma espécie de condenação bis in idem. Desse modo, para acabar com o impasse, o legislador deixou claro ao julgador que é viável a referida cumulação.

A punição ao rompimento da relação de trabalho por ato discriminatório insere-se no conceito amplo de garantia de indenidade apresentado por Augusto de César Leite de Carvalho.

Segundo o referido autor, o sistema de garantias permite a fruição dos direitos fundamentais, defendendo-os contra ameaças. O poder de instâncias não estatais, como grandes empresas, não pode inviabilizar a efetivação dos direitos fundamentais, uma vez que a eficácia horizontal desses direitos vincula também os particulares, e não apenas o Estado.407

Nesse sentido, Augusto de César defende a propagação no direito brasileiro da garantia de indenidade como uma técnica de proteção aos direitos fundamentais. Para ele:

Em verdade, a expressão garantia de indenidade designa um conceito com dois significados que exibem uma relação de continência, pois um se apresenta com sentido amplo e o outro com sentido mais preciso, como costuma ser reportado pela doutrina. A acepção estrita distingue uma manifestação particular do conteúdo básico do direito à tutela judicial efetiva e a acepção larga se refere à proibição de represália ante o exercício de qualquer direito fundamental, não somente do direito de ação judicial.408

Em sentido estrito, a garantia da indenidade protege os trabalhadores contra represálias ao exercerem o direito de ação judicial, ou seja, trabalhadores transgêneros que ajuízem alguma medida judicial para o fim de cessar atos discriminatórias, devem ser resguardados no intuito de que o empresário não lhes aplique sanções (demissão, transferências, alterações funcionais, privação de direitos e etc) e, consequentemente, frustre seu direito à tutela judicial efetiva.

407 CARVALHO, Augusto de César Leite de. Garantia de indenidade: o livre exercício do direito fundamental de ação sem o temor da represália patronal. São Paulo: LTr, 2013, passim.

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Na acepção mais ampla, por sua vez, protegem-se os direitos fundamentais em geral. Nesse diapasão, com fundamento no princípio da não discriminação, despedidas arbitrárias baseadas na discriminação por identidade de gênero devem ser combatidas pelos ordenamentos jurídicos. Destarte, trabalhadores possuem a liberdade de exercerem seus plenos direito de personalidade durante o pacto laboral e não serem punidos por isso. É uma garantia do exercício pleno do direito fundamental à intimidade e de sua inviolabilidade.

O art. 4º, assim, da Lei n. 9.029/95, concretiza essa garantia de indenidade em sentido amplo, tendo em vista que o art. 1º da mesma Lei dispõe ser proibida a adoção de qualquer prática discriminatória e limitativa para efeito de acesso ao emprego ou sua manutenção por motivo de sexo, origem, raça, cor, estado civil, situação familiar ou idade.

Não obstante a legislação infraconstitucional expressamente prever apenas sete motivos proibidos de discriminação, compreende-se, realizando o mesmo raciocínio lógico presente no item sobre o Princípio da não discriminação, que o rol presente na legislação infraconstitucional não é limitativo, pois não se coadunaria com as normas constitucionais que vedam qualquer forma de discriminação (artigos 3º, IV, e 5º, caput, XLI, da CF/88) e os princípios constitucionais.

Na linha desse raciocínio, negando a taxatividade dos motivos presentes no art. 1º, da Lei 9.029/1995, Sérgio Torres infere:

[...] a abrangência da norma regulamentadora deve ser compreendida como sendo a mais ampla possível, englobando todas as espécies de motivos discriminatórios hostilizados explícita ou implicitamente pelo legislador constituinte, alcançando não apenas aquelas modalidades previstas expressamente nas letras do texto constitucional, mas igualmente as demais formas odiosas de discriminação, extraídas do seu espírito.409

Formas de discriminação por identidade de gênero são distinções ilegítimas, eis que não baseadas em critérios objetivos, justos e legais. Assim, uma pessoa que sofra discriminação por identidade de gênero, no ambiento laboral, além do dano moral, terá direito à reintegração, com ressarcimento integral de todo o período de afastamento, mediante pagamento das remunerações devidas, ou a percepção, em dobro, da remuneração do período de afastamento.

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